Incêndios: Política de gestão de combustíveis sem evidência científica
Um projeto de investigação em Coimbra concluiu que não há diferença significativa no comportamento do fogo entre áreas geridas e não geridas junto a infraestruturas, e revelou falta de suporte científico da atual política de gestão de combustíveis.
“Não conseguimos comprovar, em termos estatísticos, que existe uma diferença estatisticamente significativa entre áreas geridas e áreas não geridas [junto a infraestruturas]”, disse à agência Lusa Joaquim Sande Silva, que coordenou o projeto de investigação InduForestFire, juntamente com João Paulo Rodrigues.
Para o investigador e docente da Escola Superior Agrária de Coimbra, a revisão da legislação em torno das faixas de gestão de combustível que saiu em 2018, após os grandes incêndios que tinham ocorrido no ano anterior, “não foi produzida com qualquer base científica, nem sequer foram consultados especialistas na área para produzir essa legislação”.
O InduForestFire, centrado no apoio a decisões políticas para a mitigação de incêndios de interface urbano-florestal, é liderado pelo Itecons – Instituto de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico para a Construção, Energia, Ambiente e Sustentabilidade da Universidade de Coimbra (responsável pela componente estrutural) e pela Escola Superior Agrária do Politécnico de Coimbra (componente florestal).
Os resultados e recomendações técnicas deste projeto científico serão apresentados na segunda-feira, na Escola Superior Agrária de Coimbra, entre as 09:00 e as 17:30.
Na componente florestal, a equipa debruçou-se sobre a gestão de combustíveis e a composição florestal em redor de infraestruturas, tendo “como pano de fundo a legislação atualmente em vigor e em vias de ser revista e alterada”.
Segundo o investigador, a legislação atualmente em vigor obrigou a “trabalhos altamente discutíveis”, com árvores de valor patrimonial elevado a serem “deitadas abaixo”, sem qualquer suporte científico que pudesse demonstrar que essas mesmas árvores seriam uma ameaça à segurança das pessoas e infraestruturas.
“Quisemos comparar o comportamento do fogo dentro de faixas geridas e numa zona adjacente não gerida. Fizemos isso em dez locais distintos na região Centro e, em termos estatísticos, não encontrámos diferença no comportamento do fogo entre a zona gerida e não gerida”, referiu.
O investigador salientou que, nas faixas geridas, a vegetação é reduzida, mas, como são zonas mais abertas, a velocidade do vento tende a aumentar nesses locais e o material está “mais seco e a temperatura no solo mais elevada”.
Para Joaquim Sande Silva, se se reduz a dimensão de combustíveis, acaba por se aumentar “as condições de propagação”.
Na ótica do docente, houve alguma pressa na legislação que saiu em 2018, numa reação aos grandes incêndios que tinham ocorrido no ano anterior.
Para além da análise do comportamento do fogo em faixas de gestão de combustíveis, a equipa do projeto analisou também o comportamento do fogo numa área de folhosas.
Com recurso a simulações de fogo, mas utilizando dados de entrada “muito próximos da realidade”, com recolha no campo de características de combustíveis e dados de micrometeorologia, foi possível concluir “que é mais vantajoso ter um coberto de folhosas do que ter apenas um campo aberto”, afirmou.
Para além disso, o investigador realçou que Portugal tem, de momento, “um problema grande com espécies invasoras”, como é o caso das acácias, tendo concluído que há uma preferência para a sua colonização “nessas zonas de faixas de gestão de combustíveis”.
“A manutenção destas faixas é muito pouco sustentável, do ponto de vista financeiro, e, por outro lado, com folhosas, há uma manutenção de sombra que garante que cresce muito pouco ou nada por baixo”, vincou, dando o exemplo da Mata da Margaraça, em Arganil, onde o incêndio de outubro de 2017 passou, mas em que o comportamento foi muito distinto – fogo baixo e que acabou por se extinguir assim que chegou às zonas mais húmidas da mata.