Lagartos podem ser heróis incógnitos do mundo das plantas

Ao longo de milhões de anos de evolução lado a lado, plantas e animais criaram relações intrincadas e íntimas, não só porque estes últimos se podem alimentar as primeiras, mas também porque as primeiras aprenderam a tirar partido do apetite dos segundos para se espalharem pelo mundo.
A polinização é um dos exemplos mais evidentes dessa relação que atravessa reinos (do ponto de vista taxonómico), em que abelhas, borboletas, sirfídeos, coleópteros, aves, alguns mamíferos e até anfíbios transportam consigo, inadvertidamente, as células sexuais das plantas e, ao visitarem outros indivíduos das mesmas espécies, tornam-se agente centrais da reprodução vegetal.
A endozoocoria é outra das facetas dessa relação. É um nome complicado para descrever um processo no qual os animais levam nos seus sistemas digestivos as sementes de frutos que comeram e, mais tarde e em locais provavelmente mais distantes do ponto onde as ingeriram, expelem-nas para o solo através das suas fezes.
Há já vários registos de espécies de aves e de mamíferos que desempenham essa função de dispersão de sementes. Contudo, os répteis raramente fazem parte dessas listas.
Um grupo de investigadores das universidades de Quioto e Kagoshima, no Japão, viajou até Madagáscar, um país insular no Índico ocidental a cerca de 400 quilómetros da costa moçambicana e com uma grande e singular biodiversidade, para estudar o papel que os lagartos têm na dispersão das sementes.
Ao contrário de muitos dos animais dispersores de sementes, os lagartos não são tipicamente frugívoros, estimando-se que menos de 10% das espécies desse grupo de répteis consuma frutos. No entanto, os cientistas dizem que aqueles que o fazem “podem desempenhar um papel importante” da dispersão de sementes e na consequente propagação das espécies vegetais. E dizem ainda que alguns lagartos serão mesmo os principais dispersores de sementes de certas espécies de plantas.
“Os lagartos são pouco valorizados como dispersores de sementes em muitos ecossistemas florestais, mas colocámos a hipótese de que podem desempenhar um papel importante numa gama mais vasta de regiões do que era anteriormente reconhecido”, afirma, em comunicado, Ryobu Fukuyama, primeiro autor do artigo publicado na revista ‘Biotropica’ que procura elevar o estatuto dos lagartos como dispersores de sementes.
Numa floresta tropical seca em Madagáscar, os investigadores focaram-se em três espécies endémicas: o camaleão Furcifer oustaleti, o lagarto Oplurus cuvieri, por vezes também conhecido pelo nome vulgar iguana-de-colarinho, e o Zonosaurus laticaudatus, que se distingue pelas duas listas dorsais que se estendem da cabeça à cauda e por alguns indivíduos, especialmente machos durante a época da reprodução, poderem ter gargantas avermelhadas.
Este trio reptiliano é omnívoro e sabe-se que se alimentam também de frutos, pelo que os cientistas escolheram-nos para servirem de referência no estudo dos lagartos como dispersores de sementes.
Através de observações de comportamento, de análise fecais e às sementes expelidas, concluíram que estes lagartos consomem frutos de mais de 20 espécies diferentes de plantas e expelem sementes viáveis, ou seja, que mantêm intacto o seu potencial de germinação.
Como muitas dessas plantas não costumam fazer parte da dieta do lémure-castanho (Eulemur fulvus), considerado um dos principais dispersores de sementes nas florestas de Madagáscar, os cientistas argumentam que esses lagartos podem estar a ter um papel ainda mais importante do que se pensava na dispersão das espécies vegetais das quais se alimentam.
E a sua importância não se fica por aí. De acordo com a equipa, as atividades humanas estão a degradar vastas porções das florestas malgaxes, tornando-as inabitáveis para diversos grandes frugívoros, tais como os lémures. No entanto, tudo indica que estas três espécies de lagartos estão, de alguma forma, a conseguir prosperar mesmo nesses ambientes degradados. Por isso, a sua função de dispersores de sementes poderá contribuir para a regeneração das florestas perdidas, embora ainda não se saiba ao certo em que escala espacial e temporal.
“Embora os lagartos em Madagáscar consumam frutos de muitos espécies de plantas, outros aspetos do seu papel como dispersores de sementes, como as distâncias de dispersão, continuam a ser pouco compreendidas”, reconhece Fukuyama. É sobre essas incógnitas que a equipa espera vir a debruçar-se futuramente.