Luz giratória e torcida poderá alimentar a próxima geração de eletrónica

Os investigadores avançaram com um desafio de décadas no domínio dos semicondutores orgânicos, abrindo novas possibilidades para o futuro da eletrónica.
Os investigadores, liderados pela Universidade de Cambridge e pela Universidade de Tecnologia de Eindhoven, criaram um semicondutor orgânico que força os eletrões a moverem-se em espiral, o que poderá melhorar a eficiência dos ecrãs OLED nos ecrãs de televisão e de smartphones, ou alimentar tecnologias de computação da próxima geração, como a spintrónica e a computação quântica.
O semicondutor que desenvolveram emite luz polarizada circularmente, o que significa que a luz transporta informação sobre a “mão” dos eletrões. A estrutura interna da maioria dos semicondutores inorgânicos, como o silício, é simétrica, o que significa que os eletrões se movem através deles sem qualquer direção preferencial.
No entanto, na natureza, as moléculas têm frequentemente uma estrutura quiral (esquerda ou direita): tal como as mãos humanas, as moléculas quirais são imagens espelhadas umas das outras. A quiralidade desempenha um papel importante em processos biológicos como a formação do ADN, mas é um fenómeno difícil de aproveitar e controlar na eletrónica.
Mas, utilizando truques de conceção molecular inspirados na natureza, os investigadores conseguiram criar um semicondutor quiral, fazendo com que as pilhas de moléculas semicondutoras formassem colunas espirais ordenadas para a direita ou para a esquerda. Os seus resultados são apresentados na revista Science.
Uma aplicação promissora para os semicondutores quirais é a tecnologia dos ecrãs. Os ecrãs atuais desperdiçam frequentemente uma quantidade significativa de energia devido à forma como filtram a luz. O semicondutor quiral desenvolvido pelos investigadores emite naturalmente luz de uma forma que pode reduzir estas perdas, tornando os ecrãs mais brilhantes e mais eficientes em termos energéticos.
“Quando comecei a trabalhar com semicondutores orgânicos, muitas pessoas duvidavam do seu potencial, mas agora dominam a tecnologia dos ecrãs”, afirma o Professor Sir Richard Friend do Laboratório Cavendish de Cambridge, que co-liderou a investigação.
“Ao contrário dos semicondutores inorgânicos rígidos, os materiais moleculares oferecem uma flexibilidade incrível, permitindo-nos conceber estruturas totalmente novas, como LEDs quirais. É como trabalhar com um conjunto de Lego com todo o tipo de formas que se possa imaginar, em vez de apenas peças retangulares”, acrescenta.
O semicondutor é baseado num material chamado triazatruxeno (TAT) que se auto-monta numa pilha helicoidal, permitindo que os eletrões espiralem ao longo da sua estrutura, como a rosca de um parafuso.
“Quando excitado por luz azul ou ultravioleta, o TAT auto-montado emite luz verde brilhante com forte polarização circular – um efeito que tem sido difícil de conseguir em semicondutores até agora”, diz o coautor Marco Preuss, da Universidade de Tecnologia de Eindhoven. “A estrutura do TAT permite que os eletrões se movam eficientemente, afetando simultaneamente a forma como a luz é emitida”, adianta.
Ao modificar as técnicas de fabrico de OLED, os investigadores conseguiram incorporar o TAT em OLEDs circularmente polarizados (CP-OLEDs). Estes dispositivos apresentaram níveis recorde de eficiência, brilho e polarização, tornando-os os melhores do seu género.
“Essencialmente, reformulámos a receita padrão para o fabrico de OLEDs como os que temos nos nossos smartphones, permitindo-nos aprisionar uma estrutura quiral numa matriz estável e não cristalizável”, explica o coautor Rituparno Chowdhury, do Laboratório Cavendish de Cambridge. “Isto proporciona uma forma prática de criar LEDs polarizados circularmente, algo que há muito tempo tem escapado a este domínio”, aponta.
O trabalho faz parte de uma colaboração de décadas entre o grupo de investigação de Friend e o grupo do Professor Bert Meijer da Universidade de Tecnologia de Eindhoven. “Trata-se de um verdadeiro avanço no fabrico de um semicondutor quiral”, afirmou Meijer. “Ao conceber cuidadosamente a estrutura molecular, associámos a quiralidade da estrutura ao movimento dos eletrões, o que nunca tinha sido feito a este nível”, explica.
Os semicondutores quirais representam um passo em frente no mundo dos semicondutores orgânicos, que atualmente sustentam uma indústria que vale mais de 60 mil milhões de dólares. Para além dos ecrãs, este desenvolvimento tem também implicações para a computação quântica e a spintrónica – um campo de investigação que utiliza o spin, ou momento angular inerente, dos eletrões para armazenar e processar informação, potencialmente conduzindo a sistemas de computação mais rápidos e mais seguros.