Modernização das redes e redesenho do mercado elétrico são prioridades do setor

A transição energética enfrenta atualmente vários obstáculos que exigem uma reconfiguração profunda do mercado, melhoria dos processos de licenciamento e modernização das redes elétricas, segundo os alertas da associação que representa os produtores de renováveis (APREN).
Em 2024, o consumo elétrico nacional atingiu 51,4 terawatt-hora (TWh), o segundo valor mais elevado da história, apenas atrás de 2010. Este crescimento tem sido acompanhado por uma forte aposta nas energias renováveis, que representaram 71% da eletricidade consumida — o maior valor de sempre.
Este desempenho reflete a expansão da capacidade instalada de renováveis, que cresceu 8,7% face a 2023, ultrapassando os 20.361 megawatts. O crescimento foi impulsionado sobretudo pela energia solar, com destaque para novos parques fotovoltaicos no sul do país.
Apesar destes avanços, o setor energético continua a enfrentar problemas estruturais. “Temos desafios que falamos há anos relacionados com os licenciamentos”, lembrou o presidente da APREN, Pedro Amaral Jorge, referindo-se à morosidade e à burocracia dos processos administrativos.
Em entrevista à Lusa, no âmbito do Dia Mundial da Energia, que se celebra na quinta-feira, destacou ainda que a digitalização das redes é crucial para aumentar a eficiência e a estabilidade do sistema.
“As infraestruturas elétricas precisam incorporar digitalização, algoritmos de inteligência artificial e outros sistemas para equilibrar o sistema,” explicou.
A modernização das redes elétricas com tecnologias digitais, conhecidas como “smart grids”, permite uma gestão mais eficiente e flexível da eletricidade. Estas redes inteligentes facilitam a integração das renováveis, o aumento do autoconsumo e o uso de armazenamento distribuído, contribuindo para a estabilidade e resiliência do sistema energético nacional — aspetos que ganharam ainda mais relevância com o recente apagão na Península Ibérica, em 28 de abril.
Outro desafio estrutural apontado pelo presidente da APREN está relacionado com o atual desenho do mercado elétrico europeu. Pedro Amaral Jorge explicou que o modelo marginalista, baseado em mercados diários e intradiários, foi concebido para tecnologias fósseis e não responde às necessidades de longo prazo das renováveis. Este desajuste dificulta o acesso a financiamento competitivo por parte do setor privado.
“Com este desenho de mercado, é necessário passar dos mercados de eletricidade de curto prazo para mecanismos de longo prazo”, através de instrumentos e acordos que estabelecem compromissos de compra e venda de energia por um período de largo anos.
A implementação do Mecanismo de Ajuste de Carbono nas Fronteiras (Carbon Border Adjustment Mechanism – CBAM), que consiste numa taxa de carbono aplicada a produtos importados de fora da União Europeia, é também considerada essencial para garantir equidade na concorrência internacional. Sem este instrumento, alerta, não será possível combater eficazmente o dumping ambiental — prática em que empresas produzem mais barato ao fugir às regras ambientais.
“Se nós obrigamos as empresas que operam no espaço europeu a ter responsabilidade ambiental com as emissões do ETS (sistema de comércio de emissões de Carbono), quem exporta para a Europa tem que ter as mesmas responsabilidades”, sustenta.
Portugal conta atualmente com mais de 46 centrais hidroelétricas, cerca de 260 parques eólicos, dezenas de centrais solares e quatro centrais de ciclo combinado a gás natural — Ribatejo, Lares, Pego e Tapada do Outeiro. Desde 2021, o país deixou de produzir eletricidade a partir do carvão.
No que toca à distribuição das renováveis no mix energético, em 2024 destacou-se a energia hídrica (28%), eólica (27%), solar fotovoltaica (10%) e biomassa (6%). A produção não renovável, praticamente toda assegurada por gás natural, representou apenas 10% do consumo, enquanto o restante foi garantido por importações, que atingiram um valor recorde de 10,5 TWh.