Montado Alentejano: uma paisagem por desvendar
Paula Canha, bióloga e parceira do projeto Histórias à Sombra do Montado
O montado de sobreiro e azinho é mais do que uma paisagem: é um ecossistema diverso e complexo. A maioria das pessoas conhece-o como uma paisagem campestre, que pode até parecer monótona. No entanto, um olhar mais atento revela a riqueza escondida no montado. Este território abriga 135 espécies de plantas e mais de 200 espécies de animais, que formam uma mistura singular de árvores e zonas agrícolas. Gera mais de 178 milhões de euros anuais, dinamizando tanto a economia local quanto a nacional.
O montado resulta de séculos de interação entre a floresta e o ser humano. Árvores e humanos, resilientes perante um clima mediterrânico rigoroso e um solo pouco generoso, enfrentaram juntos estes desafios. Desta relação, nasceu um sistema ambíguo, que não é bem floresta nem bem agricultura: é um espaço único onde pastagens, pousios e searas coexistem com árvores, espalhadas a espaços generosos. Os elementos deste ecossistema quebram a suposta monotonia e fazem com que este mosaico de habitats não seja só natureza, mas também cultura, biodiversidade e um poderoso aliado contra a desertificação.
Sobre o sobreiro, já dizia o notável silvicultor Vieira Natividade, que “nenhuma árvore dá tanto, exigindo tão pouco”. E é bem verdade. No montado, caça-se, cria-se gado, colhe-se cereal, tira-se cortiça, apanham-se cogumelos, espalham-se colmeias, e recolhe-se lenha. E quando nos recolhemos para dormir, começa a vida dos outros habitantes do montado: acordam os texugos e os javalis, saem das tocas as corujas e as doninhas, que caçam as fuínhas e os sacarrabos. Pelas ervas, os ratos do campo espreitam das suas galerias, enquanto os mochos tentam apanhá-los desprevenidos.
Pela madrugada, os gaios acordam e dão início ao seu ritual: comem algumas bolotas e enterram muitas outras, semeando assim, centenas de árvores por ano. Pouco depois chegam as pequenas aves insetívoras, que, incansáveis, exploram cada recanto da cortiça e dos ramos, em busca de lagartas, escaravelhos e gorgulhos. E assim, num ciclo harmonioso, estes pequenos guardiões mantêm a floresta livre de pragas.
No solo do montado, milhões de organismos minúsculos trabalham sem cessar, reciclando matéria orgânica e fixando carbono em agregados de húmus. Tudo o que as plantas e os animais rejeitam é transformado nestas verdadeiras esponjas de carbono, que, quando chove, armazenam água e nutrientes, preparando-se para enfrentar tempos de seca. Assim, nas primeiras dezenas de centímetros debaixo dos nossos pés, fervilha uma rede densa e complexa, onde fungos, árvores, ervas e bactérias ligam-se num intrincado sistema de vida. Tal como as nossas cidades, o solo do montado também tem as suas ruas, casas, antenas de comunicação, elevadores, canalizações, lojas e mercados.
Cada elemento presente no Montado desempenha o seu papel, criando um ecossistema equilibrado que suporta a vida selvagem e permite atividades como a produção de cortiça e o pastoreio. A meu ver, é verdadeiramente único e insubstituível. A paisagem do montado representa quase um quarto da floresta nacional e é uma das nossas riquezas mais valiosas, mas é, também, uma das mais ameaçadas devido às alterações climáticas e gestão inadequada.
Acredito que não podemos exigir aos proprietários que mantenham um sistema extensivo que, muitas vezes, não lhes garante sustento. A ciência já nos oferece alternativas, propondo mudanças nas práticas agrícolas, fundamentais para preservar este território. Vejo também um grande potencial em encontrar formas de rentabilizar o montado, ampliando as suas funções e promovendo a colaboração. Todos temos um papel na reinvenção do montado, torná-lo produtivo — para que não morra e continue a proteger-nos —, garantindo que permaneça parte da nossa identidade e cultura. Como consumidores, proprietários, turistas, ativistas, educadores ou políticos, podemos aprender, discutir e fazer escolhas conscientes. Se seguirmos por este caminho, o montado permanecerá connosco.