Narval: O ‘unicórnio do mar’ está a mudar as rotas de migração com o aquecimento das águas do Ártico
O narval, conhecido também como o ‘unicórnio do mar’, é um cetáceo que habita as águas geladas do Canadá, da Gronelândia, da Noruega e da Rússia. O seu traço mais característico é uma presa que brota do seu focinho e que pode atingir três metros de comprimento, e devido aos milhões de terminações nervosas, serve como órgão sensorial, além de também ser usada em combates como se fosse uma lança medieval.
Contudo, estes icónicos animais estão a mudar os seus padrões migratórios devido ao aquecimento global e às mudanças no clima do Ártico. Especialistas da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá, argumentam que os narvais “estão entre os mamíferos marinhos do Ártico mais sensíveis aos efeitos das alterações climáticas”. Podem viver durante mais de 100 anos e apresentam padrões de migração que os levam desde águas menos profundas livres de gelo até áreas com 95% da sua superfície congelada, onde costumam passar o inverno.
Com recurso à análise de dados recolhidos por satélite durante um período de 21 anos na região do Ártico canadiano, os cientistas descobriram que o calendário da migração dos narvais está a mudar, “correspondendo às mudanças de perda de gelo marinho causadas pelas alterações do clima na região”.
“Descobrimos atrasos significativos no ‘timing’ das migrações outonais dos narvais”, apontam, indicando que, a cada 10 anos, esses animais permanecem uns adicionais 10 dias nas áreas onde residem durante o período mais quente do ano.
Courtney Shuert, principal autora do estudo publicado esta semana na ‘Proceedings of the National Academy of Sciences’, explica que foram também registadas diferenças entre as partidas dos machos e das fêmeas das áreas de verão para os locais de inverno, com essas últimas a iniciarem a migração “quase uma semana” depois dos machos, presumivelmente por terem a seu cargo crias.
Os narvais tendem a preferir águas mais frias, mas é importante assegurarem que têm grandes áreas livres de gelo para se poderem deslocar sem correrem o risco de ficarem presos. Assim, esses animais permanecem nas áreas de verão até que a mudança de estação comece a congelar a superfície do mar. O atraso no início da migração para os locais de inverno indica que o gelo está a formar-se mais tarde nas regiões estivais, levando à alteração dos seus padrões migratórios, uma adaptação que os cientistas acreditam que possa acontecer no decurso de apenas uma geração.
Poder-se-ia pensar que essa capacidade de moldar o seu comportamento de forma tão rápida às alterações climáticas daria aos narvais um maior grau de adaptabilidade, mas Marie Auger-Méthé, outra autora do artigo, salienta que “infelizmente, partidas mais tardias não são necessariamente boas notícias para o narval”.
A especialista detalha que ao permanecerem mais tempo nas áreas de verão, os narvais ficam mais expostos às ameaças representadas pelo tráfego marítimo, especialmente associado à extração de ferro, que “poderá não ser benéfico para os narvais a longo prazo”.
“Sabemos que eles são sensíveis a perturbações causadas pelo tráfego marítimo, e que os seus níveis de stress têm aumentado nos últimos 20 anos”, refere Auger-Méthé, sublinhando também que ao ficarem mais tempo nas áreas de veraneio arriscam ficar presos se as águas congelarem rapidamente. A cientista diz que, caso isso aconteça, podem morrer centenas de narvais.
Além das alterações climáticas, ela aponta que “a exploração de recursos naturais, a quebra de gelo [por exemplo, pelos navios de transporte marítimo internacional] e o turismo estão também a afetar os padrões de migração dos narvais”.
Segundo a WWF, as “explorações de petróleo e de gás” na região do Ártico são uma das principais ameaças a estes cetáceos, pois implicam a intensificação dos tráfego marítimo, “criando mais oportunidades para colisões e mais ruído submarino que pode interferir com a comunicação entre as baleias”, incluindo o narval.