Nem só com casas se resolve a crise na habitação
Por: Nuno Garcia, diretor-geral da GesConsult
A crise na habitação que assola o nosso país não é apenas um problema isolado: é um quebra-cabeças complexo onde cada peça, por mais “pequena” que pareça, desempenha um papel importante. Neste contexto, a mobilidade emerge como uma parte fundamental para encontrar soluções duradouras.
O dilema da habitação é um tema sempre presente no espaço público e mediático, que permeia conversas e debates, mas julgo que negligenciamos muitas vezes a interligação entre mobilidade e habitação. Acredito que as políticas habitacionais devem ser complementadas por estratégias de mobilidade eficazes para criar soluções abrangentes e sustentáveis.
A pressão urbana nos grandes centros, como os de Lisboa e Porto, é uma realidade que não pode ser ignorada. O aumento exponencial dos preços das casas empurra muitas pessoas para as franjas da cidade ou até mesmo para municípios periféricos. Mas pergunto-me muitas vezes: se estão tão deslocadas, como se movem diariamente para os seus locais de trabalho ou de estudo? Quanto tempo gastam nestas viagens? Há transportes adequados para compensar a distância dos centros urbanos? A qualidade da infraestrutura de transportes públicos e as opções de mobilidade disponíveis desempenham um papel crucial na resposta a essas perguntas.
Investir nestas estruturas não é apenas uma questão ambiental ou de comodidade, é uma necessidade imperativa para aliviar a pressão sobre as grandes cidades. Melhorar a conectividade entre as áreas residenciais e os centros de emprego e de estudo não só reduz a necessidade de morar no centro das cidades, onde a oferta habitacional fica muito aquém da procura, mas também promove uma distribuição mais equilibrada da população, combatendo um dos outros problemas difíceis enfrentamos em Portugal: a desertificação.
Além disso, incentivar opções de mobilidade mais sustentáveis, como o transporte público ou a utilização de bicicletas, não só reduz a pegada de carbono, como também melhora a qualidade de vida dos cidadãos. Ruas menos congestionadas, ar mais limpo e uma sensação de comunidade fortalecida são apenas alguns dos benefícios tangíveis. Se imaginarmos a mobilidade como os carris de uma ferrovia, que se estendem para além dos horizontes urbanos, conduzindo as pessoas para novos destinos, percebemos que a expansão da infraestrutura de transporte público e das opções de mobilidade sustentável abre caminho para que as pessoas vivam em áreas mais afastadas do coração das cidades, mantendo ao mesmo tempo uma conexão vital com as oportunidades e serviços que essas áreas oferecem.
No entanto, a mobilidade por si só não pode resolver todos os nossos problemas habitacionais. É apenas uma das peças do puzzle, que apenas em conjunto com muitas outras poderá conduzir a uma solução integrada e robusta, capaz de enfrentar a crise no setor da habitação de forma mais permanente. Portugal está numa encruzilhada, mas também tem uma oportunidade única para remodelar sua paisagem urbana e abordar a crise habitacional de maneira abrangente.
Está na hora de olharmos para além das soluções tradicionais e abraçarmos uma abordagem multifacetada, que reconheça a interdependência entre mobilidade, habitação e qualidade de vida. Só aí vamos construir um futuro onde todos tenham acesso a uma casa digna e a uma comunidade mais sustentável.