Ninhos das aves contam história da poluição por plásticos

A poluição por plásticos é uma das maiores marcas dos impactos negativos dos humanos no planeta. Embora muito se falar de reciclagem, reutilização, redução e economia circular, a produção de plásticos continua a crescer, bem como os resíduos daí derivados, que se amontoam em aterros a rebentar pelas costuras ou que acabam na Natureza, contaminando habitats e ameaçando inúmeras espécies de animais, plantas e fungos.
As aves fazem parte dessa lista. Ingerem plásticos, passam micropartículas para os seus ovos e as suas crias nascem já afetadas por esse material sintético, que, na prática, passa a fazer parte dos seus corpos, com todos os males associados.
Contudo, podem também usar resíduos de plástico para construírem os seus ninhos, e como algumas espécies usam os mesmos ninhos ou os mesmos locais durante anos ou até mesmo décadas, plástico de várias gerações de poluição vão-se acumulando, criando um registo que pode ser lido como um livro de história do plástico.

Foto: Auke-Florian Hiemstra
Um trio de investigadores dos Países Baixos estudou os ninhos de uma população de galeirões-comuns (Fulica atra) na capital holandesa Amesterdão. Após a época de reprodução, os investigadores recolheram os ninhos, já abandonados por progenitores e descendentes, e desconstruíram-nos em laboratório, separando os materiais naturais dos artificiais.
Embora os galeirões habitualmente não usem os mesmos ninhos de um ano para o outro, locais de nidificação podem ser usados por outros da mesma espécie, pelo que no local vão sendo acumulados os materiais usados. Em alguns dos locais estudados por esta equipa, os galeirões fizeram ninhos durante mais de 30 anos.
Um dos mais surpreendentes foi encontrado perto de canal de Rokin contendo, nas camadas mais inferiores, plásticos que os cientistas dizem datar do início dos anos 1990. Estimando-se que os galeirões-comuns só começaram a nidificar em Amesterdão a partir de 1989, esse ninho em particular será os mais antigos da região.
Nele, contaram-se 635 materiais sintéticos, sendo 206 invólucros ou pedaços e embalagens de produtos alimentares. Desses, 32 continha ainda a data de validade.

Fotos: Auke-Florian Hiemstra
Nas camadas mais recentes, os cientistas encontraram máscaras de proteção individual, resquícios da pandemia de COVID-19, que foram também encontradas num outro ninho perto do canal Onbekendegracht, na capital holandesa.
“O Antropoceno, a era do homem, documentado por uma ave”, diz Auke-Florian Hiemstra, do Centro de Biodiversidade Naturalis e da Universidade de Leiden, e primeiro autor do artigo publicado na revista ‘Ecology’ que dá conta dos resultados da investigação.
Entre os materiais de plástico mais frequentemente encontrados nos ninhos de galeirões-comuns em Amesterdão contam-se embalagens de condimentos do McDonald’s, invólucros de barras de chocolate Mars, Snickers e Twix, pacotes de batatas fritas e máscaras de proteção.
Em comunicado, Hiemstra refere que “a forma como interagimos com o nosso ambiente está refletida nos canais e literalmente tecida nos ninhos das aves que aí se reproduzem”.
“A história não é só escrita pelos humanos”, afirma. “A natureza também mantém um registo.”