No mundo das gralhas, o ‘sangue’ é mais forte do que a amizade



As gralhas-de-nuca-cinzenta (Corvus monedula) são animais altamente sociais, como outras espécies de corvídeos, e quando se juntam com um parceiro é para a vida. Ainda assim, cooperam com outros membros do grupo, com os quais não têm laços familiares, para combaterem predadores e encontrarem alimento.

Mas uma investigação divulgada esta segunda-feira na revista ‘Nature Communications’ revela que, em situações complicadas, estas gralhas trocam de amigos facilmente, embora nunca virem as costas à família.

Em laboratório, cientistas das universidades de Exeter e Bristol, no Reino Unido, quiseram perceber quão fortes são os laços entre indivíduos da mesma família e entre indivíduos que não partilham laços desse tipo.

Apetrechando algumas gralhas com dispositivos eletrónicos, criaram conjuntos de duas caixas, cada uma com um dispensador de minhocas, uma fonte de alimento altamente apetecível, e de cereais, menos apelativa. Às caixas, estavam associados poleiros eletrónicos, sendo que dependendo das aves que neles pousavam e da relação entre elas, era aberto o acesso às minhocas ou aos cereais, ou a ambos.

Ilustração do sistema de caixas usado pelos investigadores.
Fonte: Artigo

Se nos poleiros pousassem duas gralhas que não tinham laços de afiliação, não eram irmãos nem um par reprodutor, não tinham acesso a nenhum dos alimentos. Mas se o par partilhava alguma dessas ligações, podiam aceder às minhocas ou mesmo a ambas as fontes de alimento.

Depois de as gralhas terem percebido que só conseguiam chegar às minhocas se nos poleiros pousassem com um membro da sua família, os investigadores perceberam que as aves começaram a deixar de parte os ‘amigos’ e a favorecer mais as interações com indivíduos da sua família.

“As gralhas-de-nuca-cinzenta passaram a ser muito estratégicas, aprendendo rapidamente a passar tempo com membros do seu próprio grupo e abandonando velhos ‘amigos’ do outro grupo, para poderem ter as melhores recompensas”, explica Alex Thornton, investigador da Universidade de Exeter e um dos autores do artigo.

No entanto, alguns membros da mesma família foram alocados a grupos diferentes, o que fazia com que, quando dois deles se empoleiravam num mesmo sistema de caixas, apenas tinham acesso aos cereais. Os cientistas perceberam que, mesmo assim, os pares mantinham-se juntos no mesmo sistema, apesar de, dessa forma, só poderem chegar aos cereais e não às minhocas, revelando que o ‘sangue’ é mais forte do que a vontade de chegar a um petisco mais apetitoso.

Gralha-de-nuca-cinzenta (Corvus monedula).
Foto: Wikimedia Commons (licença CC0 1.0)

Josh Arbon, outro dos autores, assinala que os resultados da investigação ajudam também a perceber “como as sociedades emergem a partir de decisões individuais”, explicando que existe um “equilíbrio” entre parcerias de curto-prazo para alcançar objetivos imediatos e laços mais duradouros, um traço que, diz, também pode ser encontrado nas sociedades humanas.

De acordo com o Museu Digital da Biodiversidade, da Universidade de Évora, a gralha-de-nuca-cinzenta é uma espécie residente em Portugal continental, distribuindo-se “de forma localizada”, e “ocorre no interior do território, sobretudo no sul do país”, podendo chegar a ser “comum a nível local, nas áreas onde nidifica”.





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