Novo projeto quer duplicar população de abutre-preto em Portugal até 2027



Depois de quase 40 anos em que foi classificado como extinto em Portugal, o abutre-preto (Aegypius monachus) regressou em 2010, devido a esforços de conservação e à nidificação em território nacional de indivíduos vindos de Espanha.

Agora, um novo projeto, com o nome LIFE Aegypius Return, é liderado pela Vulture Conservation Foundation, com o apoio de mais oito entidades parceiras portuguesas e espanholas, e quer fazer crescer a população que nidifica em Portugal, que se estima que seja constituída por 40 casais reprodutores distribuídos por quatro colónias.

Abutre-preto (Aegypius monachus)
Fonte: Liga para a Protecção da Natureza

Em declarações à ‘Green Savers’, Milene Matos, coordenadora do projeto, contou que a extinção do abutre-preto em Portugal, enquanto espécie reprodutora, deveu-se essencialmente “a um conjunto de fatores e de ameaças, como o envenenamento” e à “perturbação das zonas de nidificação”.

A esse rol de ameaças juntaram-se também a “degradação e a perda de habitat de nidificação, devido à intensificação das práticas agrícolas e silvícolas ou à instalação de grandes empreendimentos”, bem como “a perseguição direta e respetivo abate ilegal”.

Nos dias que correm, os perigos mantêm-se, sendo que Milene Matos destaca “a colisão ou eletrocussão em linhas elétricas”, a escassez de alimento devido, por exemplo, ao declínio das populações de coelho-bravo, e a “a ingestão de metais pesados (como o chumbo advindo da caça) ou de resíduos de medicamentos encontrados nas carcaças das presas domésticas ou selvagens”.

Abutre-preto (Aegypius monachus)
Fonte: Liga para a Protecção da Natureza

A atual população de abutre-preto que se encontra em Portugal é, por isso, “ainda muito pequena e frágil”, algo que a responsável atribui “ao reduzido número de indivíduos reprodutores, capazes de fixar a espécie no país, em adição às próprias características ecológicas da espécie”, porque estas aves só atingem a maturidade por volta dos quatro ou cinco anos de idade e “cada fêmea reprodutora põe apenas um ovo por ano, o que dificulta a recuperação da espécie”.

Apesar de poderem estar associados, na conceção popular, à morte e à decomposição, estas aves, à semelhança de outras espécies necrófagas, desempenham um papel ecológico fundamental, pois ao se alimentarem das carcaças de animais mortos, “evitam a propagação de doenças e contribuem para a regulação trófica de todo o ecossistema”, diz Milene Matos.

Este novo projeto conta com um orçamento total de 3,7 milhões de euros, sendo que 75% do financiamento provém do programa LIFE da União Europeia, além de ter também o apoio financeiro de “uma fundação suíça e da Associação Viridia – Conservation in Action”, avançou a responsável.

O objetivo é duplicar a população nidificante de abutres-pretos em Portugal até 2027, ou seja, passar a ter 80 casais reprodutores e cinco colónias em território nacional, fazendo com que essa espécie possa passar do atual estatuto de conservação de ‘criticamente em perigo’ para a classificação de ‘em perigo’.

Para isso, o projeto contempla uma série de ações de conservação que serão implementadas ao longo da fronteira entre Portugal e Espanha, de Miranda do Douro até ao Vale do Guadiana, em locais como “o Douro Internacional, a Serra da Malcata e o Tejo Internacional em Portugal, e a Serra de Gata e Canchos de Ramiro em Espanha”.

Abutre-preto (Aegypius monachus)

Fonte: Liga para a Protecção da Natureza

Mais concretamente, será feita “a gestão de 570 hectares de terreno e a abertura de 25 km de faixas de gestão de combustível nas áreas em torno das colónias, prevenindo incêndios florestais”, “a instalação de novas plataformas de nidificação e a reparação de plataformas existentes”, “a libertação, em locais estratégicos e seguindo técnicas de soft release, de 20 abutres-pretos que deem entrada e sejam reabilitados em centros de recuperação de fauna” e “o estabelecimento de campos de alimentação e de 66 áreas adicionais não vedadas para suplemento alimentar da espécie”, revelou Milene Matos.

O projeto prevê também ações como “a formação de pelo menos 300 caçadores de 14 áreas de caça, para uma transição no uso de munição com chumbo, para munição sem aquele metal pesado”, bem como “o reforço da capacidade nacional na luta anti-venenos, por exemplo com a formação de duas novas brigadas cinotécnicas específicas”.

Milene Matos relata que os especialistas envolvidos no projeto estão cientes “do enorme desafio que têm em mãos”. No entanto, assinala que “todos estamos confiantes que os resultados serão atingidos, muito graças à experiência acumulada entre todos os parceiros, bem como pelos trabalhos de conservação da espécie já concretizados em Portugal e em Espanha”.

Relativamente à cimeira global da biodiversidade, a COP15, que decorre no Canadá até ao próximo dia 19 de dezembro, a responsável confessa não esperar “alterações drásticas com benefícios claramente percetíveis para a biodiversidade, à escala global ou local”.

Ainda assim, não deixa de apontar que “estas grandes convenções são de uma enorme importância para a articulação internacional, para a concertação e definição de prioridades de ação conjunta, para além de serem plataformas de grande visibilidade, que podem ser otimizadas no sentido da sensibilização pública e alerta para as grandes questões ambientais, neste caso sobre a crise da diversidade biológica”.

Independentemente das conclusões que sairão da COP15, será depois responsabilidade de “cada país ou região continuar a assegurar os meios e a empreender os esforços necessários para salvaguardar os seus valores naturais”.

“O projeto LIFE Aegypius Return é, nesse sentido, um precioso contributo para a proteção da biodiversidade em Portugal e Espanha”, sentencia Milene Matos.

Do projeto fazem parte, além da Vulture Conservation Foundation, a Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, a Herdade da Contenda, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, a Liga para a Protecção da Natureza, a Associação Transumância e Natureza, a Fundación Naturaleza y Hombre, a Guarda Nacional Republicana e a Associação Nacional de Proprietários Rurais Gestão Cinegética e Biodiversidade.

*Notícia atualizada para incluir referência às entidades parceiras que participam no projeto





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