Opinião, Emerson Destefani: Ectopistes Migratorius



Quando se assiste a um filme como Metropolis, o clássico expressionista alemão de 1927 de Fritz Lang, nem se imagina sua ligação com as questões ambientais mais actuais. Se dirá exagero ou algo desvinculado a isso, fora de propósito.

Mas a ideia central do filme, e que o torna tão actual e pungente, também declara-se nas ligações e relações do homem com a natureza. Não tão evidente a priori, todavia analisada e percebida mais especificamente vem à luz tal noção.

“O mediador entre a cabeça e as mãos deve ser o coração!”, é o que se lê no epigrama no segundo minuto do filme e que se desvenda ao longo de suas duas horas de duração.

Que é o cérebro sem o crivo da emoção virtuosa senão uma máquina perversa? E, que são as mãos senão a extensão desta máquina e a concretização da perversidade? Tráfico de animais, destruição de habitats, despejos químicos em águas limpas, queimadas criminosas, resíduos e desrespeitos de toda espécie?

A morte de um pombo-passageiro é então o fim de um espécime. Mas a morte de todos os pombos-passageiros significou o fim de uma espécie. Centenas de cérebros ignorantes convencidos de que este pombo era uma praga, ordenaram às suas mãos que executassem todos os pombos e o transformassem em guloseima. E assim foi feito sem que houvesse espaço para as emoções do coração. Nem mesmo para as emoções cristãs, sempre tão declaradas por esses homens.

O pombo-passageiro que habitava terras estadunidenses foi considerado a espécie de ave da fauna mundial mais abundante que existiu com estimativa de 5 mil milhões de indivíduos. Em 1914 o último exemplar morreu, sendo em seguida cuidadosamente congelado e taxidermizado para ser orgulhosamente exposto como espécie extinta num museu famoso de Washington.

Metropolis, que possuía uma máquina de devorar homens, é obra-prima de ficção gerada pela genialidade de seu criador que através dos seus melhores sentimentos humanos utilizou seu cérebro e suas mãos para concebê-la. A aniquilação de todos os pombos-passageiros é a obra-prima da estupidez humana onde foram utilizados muitos cérebros e muitas mãos, mas nenhum coração. Racionais? Sensacionais? Uma máquina devoradora?

Mais sensacional ainda é verificar que mais de cem anos depois a estupidez humana procria ascendendo seus genes e destacando-se na realidade cruel da destruição sem comiseração dos pombos-passageiros de hoje, que são os rinocerontes, tigres, onças, harpias, baleias, gorilas, ursos, pássaros, peixes e outras tantas espécies vulneráveis à sanha dos exímios continuadores da máquina devoradora. Diga-se de George, o Solitário, a última tartaruga gigante de Galápagos.

No início do Livro dos Abraços de Eduardo Galeano há: ‘recordar é voltar a passar pelo coração’. Poucos se recordam do pombo-passageiro. Quem recorda? Quem se lembra de George, que morreu em 2012? Poucos têm usado o coração como mediador entre o que se pensa e o que se faz. O coração simboliza as emoções. Vibra quando sentimos, acelera, trepida num novo ritmo, nos tira do bocejo improdutivo e mantém o homem vivo na sua evolução. Ter coração, ser cordato, cordial, ter cor, coragem, consideração, compaixão e comiseração. Muitos que não conseguem recordar também são acéfalos e manetas.

Encontros mundiais pomposos como Eco-92 e Rio+20 deveriam servir para impedir acontecimentos como a extinção de espécies. Todavia, a organização desses grandes eventos custa uma fábula de dinheiro, reúne personagens egocêntricos e produz resultados ínfimos, até medíocres diante da urgência que os problemas ambientais exigem. Cada representante representa a si mesmo ou os interesses de seu país apenas. Isso dentro de um globo onde a natureza é sem fronteiras. Existem cérebros, existem mãos, existem recursos e tecnologias, mas o coração, o coração diário, é ignorado.

Emerson Destefani é tecnólogo ambiental e leitor do Green Savers. Quer publicar o seu artigo no nosso agregador? Envie-nos o seu texto para info@greensavers.sapo.pt ou cmartinho@gci.pt. Estamos à procura da sua inspiração ou desabafo.





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