Países ricos estão a “transferir” responsabilidade por respostas às alterações climáticas
Os países desenvolvidos “estão a transferir, com sucesso”, a responsabilidade pela ação climática para os países em desenvolvimento, tanto na transparência das ações quanto no seu financiamento, acusou hoje o comissário para as questões climáticas da Presidência sul-africana.
“O projeto de transferência de responsabilidades pela ação climática dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento está a ser bem sucedido, temos de ter consciência desse facto”, afirmou Brian Mantlana, numa apresentação feita no seminário online “Road to COP28: Africa’s priorities, goals and vision”, promovido Institute for Security Studies, um instituto de análise estratégica sul-africano.
“No que se refere ao financiamento, os países desenvolvidos estão a exercer uma forte pressão para incluir os países em desenvolvimento emergentes como fontes de financiamento” do combate às alterações climáticas, sublinhou Mantlana, concluindo que “a transferência dessa responsabilidade” está a deslocar-se cada vez mais para o Sul Global.
O também diretor na área de impacto holístico das alterações climáticas no Conselho para a Investigação Científica e Industrial na África do Sul (CSIR), a maior instituição de investigação e desenvolvimento do país africano, afirmou que “o projeto global de mitigação” das alterações climáticas “está a falhar”, fundamentalmente devido à impossibilidade até agora de se “dissociar o crescimento económico de um aumento das emissões de gases com efeito de estufa (GEE)”.
“Essenciais para reduzir as emissões globais de GEE”, a preferência desses países vai “no sentido do que chamo ‘crescer primeiro, limpar depois’”, ainda que a sua retórica sublinhe que “estão a tentar fazê-lo de forma limpa” descreveu o conselheiro para o Clima do Presidente Cyril Ramaphosa.
Guy Midgley, professor e investigador no departamento do Clima na universidade sul-africana de Stellenbosch alertou para outra dimensão da “transferência de responsabilidades”, que ligou a “uma enorme expansão dos mercados privados de carbono” que está a transformar o continente africano “quase como o faroeste”.
“Há uma enorme pressão nova para encontrar áreas de sequestro de carbono e para que os países africanos contribuam para a remoção do dióxido de carbono”, descreveu o investigador, alertando para a “oportunidade” mas também para o “grande risco” que essa procura comporta.
“Num rápido exemplo: O risco de uma florestação desenfreada e inadequada põe em risco muitos ecossistemas africanos. Há pessoas que querem plantar árvores nalgumas das nossas savanas e pradarias únicas. Não só não vão conseguir nada, como vão causar danos incalculáveis aos ecossistemas e aos meios de subsistência africanos para as gerações futuras”, advertiu Midgley.
A importância da operacionalização do “fundo de resposta a perdas e danos” – aprovado há um ano na Conferência do Clima da ONU (COP27), que decorreu em Sharm el Sheikh, no Egito, e que será um dos grandes temas em discussão entre 30 deste mês o 12 de dezembro próximo, na COP 28 no Dubai, – foi sublinhada por vários oradores no seminário.
Midgley sublinhou os benefícios de uma aposta em programas de adaptação das populações mais afetadas, até agora pouco contemplados nas estratégias de mitigação das consequências das alterações climáticas, e Ngozi Amu, chefe de Investigação e Análise do gabinete das Nações Unidas para a África Ocidental e o Sahel, apontou o problema dos países com reservas de combustíveis fósseis, que começam a ser pressionados a ignorar recursos de que há muito estão à espera.
“Há muitos países africanos que têm vindo a encontrar petróleo e gás nos últimos anos, que agora dizem: ‘Temos estado todo este tempo à espera de utilizar os nossos próprios recursos, os recursos de combustíveis fósseis, para o desenvolvimento dos nossos países, e agora o mundo em desenvolvimento diz-nos que devemos recorrer à energia verde’”, sublinhou a Amu.
“São questões que não foram colocadas em cima da mesa tanto quanto deveriam tê-lo sido nesta discussão sobre o fundo de resposta a perdas e danos, na discussão sobre o financiamento para a adaptação climática que África merece, dado o pouco que, enquanto continente, contribui para as emissões de gases com efeito de estufa”, concluiu.