Pedro Rocha: “Diga-se cancro para salvar o mundo”
“NAS ÚLTIMAS HORAS ASSISTIMOS AO ACORDAR DO MUNDO PARA OS MALEFÍCIOS DAS carnes processadas e logo caiu o Carmo e a Trindade. Uns ao ataque, outros à defesa. Numa sociedade que vive cada vez mais da notícia-sensação, muitas e grandes incorreções são cometidas. A informação é fornecida de forma confusa e com pouco esclarecimento, tudo se mistura, e a verdade passa a ser algo difícil de verificar.
Para alguém com alguns conhecimentos de química, a Organização Mundial de Saúde (OMS) não descobriu propriamente a pólvora. É sabido que na carne processada se encontram compostos cancerígenos, nomeadamente nas carnes de fumeiro e noutras carnes processadas, fruto de vários aditivos utilizados pela indústria.
Também é conhecido que, quanto maior o nível de processamento dos produtos alimentares, pior é a sua qualidade e maior os riscos para a saúde. Isto tem sido demonstrado e por isso é óbvio e evidente.
A grande novidade é contudo a inclusão destes alimentos no mesmo grupo de substâncias cancerígenas como o tabaco, amianto e gases de escape. Até aqui nada surpreende, mas devemos aplaudir. Existe contudo uma questão bem superior: a saúde de cada um de nós.
A produção animal é a indústria mais poluente do mundo, com a maior cota de emissão de gases de feitos estufa do planeta. Continuar nesta lógica alimentar é semelhante a um suicídio coletivo. Há décadas que isto é comentado, estudado e cada vez menos contestado por serem tão fortes as evidências, contudo parece que nada nos faz mudar.
Continuamos a situar-nos na vida como se ela fosse apenas nossa, mas não é. Olhamos para o planeta como se existisse para nos servir, mas não é essa a sua função. A função do planeta é ser suporte da vida, da qual fazemos parte.
Não existe uma necessidade de radicalização. Convém distinguir o processamento industrial do tradicional e, por muito contraditório que possa parecer, esta poderá ser a oportunidade para proteger e valorizar a produção de pequena escala, sustentável e tradicional. A carne é uma proteína nobre que deve ser vista como uma espécie de ouro alimentar. Não é para ser consumida diariamente.
Para uma produção de carne sustentável o seu consumo terá de ser mínimo. O planeta agradece e o nosso organismo também. E se para salvar o mundo for preciso gritar “Cancro”, eu grito!”
Pedro Rocha é leitor do Green Savers, nasceu em Espinho em 1976 e cresceu entre as praias da Aguda e os campos de Arcozelo. Em 2000 concluiu o Curso de Ciências do Ambiente e Poluição na Universidade de South Wales, no Reino Unido e, no mesmo ano, iniciou a actividade profissional na consultora alemã Hydroplan GmbH, sendo consultor no projecto de desenvolvimento rural em Cabo Verde. Em 2005 começou o projecto de agricultura biológica Raízes, na produção e distribuição de produtos biológicos, do qual ainda é sócio. Desde 2014 que se dedica à prestação serviços como agricultor urbano e consultor, promovendo novos conceitos de relação entre consumidores e produtor.
Foto: G M / Creative Commons