Podem os marsupiais ser mais ‘evoluídos’ do que os placentários? Cientistas dizem que sim
Há muito que se pensa que os marsupiais são um grupo de animais que estão a meio caminho na escala evolutiva entre os mamíferos que põem ovos (monotrématos) e os placentários, uma vez que dão à luz crias ainda num estádio de desenvolvimento muito precoce, ainda não totalmente formadas.
Estima-se que os marsupiais e os placentários terão divergido, há cerca de 160 milhões de anos, a partir de um antecessor comum, que teria colocado ovos. E o consenso científico, pelo menos até agora, apontava os placentários como o culminar do processo evolutivo dos modos de reprodução desse grupo de animais.
Mas a história, afinal, pode ser outra.
Uma recente investigação, publicada na ‘Current Biology’, sugere que os marsupiais podem, na verdade, ter, ao longo do tempo, modificado o seu modo de reprodução muito mais do que os mamíferos placentários.
Um grupo de cientistas do Reino Unido, França e Estados Unidos da América analisou os crânios de 165 animais de 22 espécies distintas de mamíferos em vários estádios de desenvolvimento, de embriões a adultos. O objetivo era ‘viajar no tempo’ e perceber como é o que antecessor desses dois grupos de mamíferos, que viveu há 180 milhões de anos, se teria desenvolvido e com qual deles mais se assemelha.
Os investigadores perceberam que o desenvolvimento dos placentários é muito mais parecido ao do antecessor dos mamíferos do que o dos marsupiais, que terão dado um maior ‘salto em frente’ em termos evolutivos.
“A maneira de os marsupiais se reproduzirem não é uma forma intermediária entre a postura de ovos e os mamíferos placentários. É apenas uma forma completamente diferente de desenvolvimento que os marsupiais evoluíram”, salienta Anjali Goswami, investigador no Museu de História Natural de Londres e um dos principais autores do artigo.
O especialista afirma que a investigação mostra “claramente” que a reprodução dos marsupiais “é a que mudou mais desde o ancestral comum” dos mamíferos, observando que nós, humanos, do conjunto dos mamíferos placentários, frequentemente achamos que “o nosso é o grupo para o qual tende a evolução, mas não é assim que a evolução funciona”.
Ao contrário dos placentários, com longos períodos de gestação, que no caso dos elefantes africanos pode ir até aos 22 meses, os marsupiais dão à luz crias num estado quase embrionário. Algumas espécies de marsupiais têm bolsas nas quais as crias terminam o seu desenvolvimento, onde, escondidos do mundo, os pequenos marsupiais têm acesso ao leite da progenitora.
Desconhece-se, no entanto, o real propósito da reprodução marsupial, mas estes investigadores sugerem que será uma estratégia reprodutiva mais eficaz quando os animais vivem em ambientes mais instáveis.
“Os mamíferos placentários têm longas gestações, pelo que se o animal atravessar um período de escassez de recursos, tanto progenitora como cria podem morrer”, elucida Goswami. No caso dos marsupiais, a progenitora pode “facilmente abandonar” as crias num estádio precoce de desenvolvimento, aumentando as suas probabilidades de sobrevivência em condições desfavoráveis e podendo voltar a tentar reproduzir-se mais tarde.
Assim, a reprodução marsupial oferece à progenitora uma maior flexibilidade de que as placentárias não gozam.
Os autores argumentam que os resultados desta investigação vêm revolucionar a forma como entendemos a evolução dos mamíferos e reclamar uma nova forma de classificação dos marsupiais, visto há muito como ‘mamíferos inferiores’.
“Pelos vistos, os marsupiais são os que mais evoluíram desde a forma ancestral”, sublinha Goswami.