Portugal cumpriu metas da UE sobre eficiência energética e renováveis, mas é preciso “gerir melhor” a água e os resíduos



Portugal cumpriu as suas metas para 2020 ao abrigo das diretivas da UE sobre eficiência energética e energias renováveis e tem feito “progressos” no tratamento de águas residuais e “expandido áreas protegidas”, mas “são necessários esforços para gerir melhor a água e os resíduos e inverter a deterioração dos habitats e das espécies”, diz a OCED.

Segundo a “Revisão do Desempenho Ambiental (EPR) 2023” da OCDE para Portugal, divulgada esta terça-feira, o País tem uma economia menos intensiva em energia do que muitos outros países da OCDE, tem feito progressos “notáveis” na passagem do petróleo e carvão para o gás natural e as energias renováveis, reduziu “significativamente” as suas emissões de gases com efeito de estufa e melhorou a sua qualidade do ar. No entanto, o consumo de materiais, a produção de resíduos e as captações de água doce “estão a crescer ao mesmo ritmo ou mais rapidamente do que a atividade económica, exercendo pressão sobre a elevada diversidade de habitats e espécies do país”.

As Revisões do Desempenho Ambiental (EPR) da OCDE fornecem uma análise baseada em evidências e uma avaliação dos progressos realizados pelos países relativamente aos seus objetivos em matéria de política ambiental e esta quarta Revisão do Desempenho Ambiental (EPR) de Portugal (que se segue às de 2011, 2001 e 1993), analisa o desempenho ambiental do país na última década.

Percentagem de fontes renováveis no cabaz energético “é mais elevada do que na maioria dos países europeus”

Assim, diz o EPR, a economia “é mais eficiente em carbono”. Portugal encerrou as suas duas últimas centrais a carvão em 2021. Embora os combustíveis fósseis continuem a constituir a “maior parte do aprovisionamento energético”, a percentagem de fontes renováveis no cabaz energético “aumentou e é mais elevada do que na maioria dos países europeus”, explica.

A procura de energia no setor dos transportes aumentou entre 2013 e 2019. No entanto, este aumento “foi compensado por uma menor procura na indústria, graças a uma maior eficiência e a uma mudança estrutural para atividades com menor intensidade energética”. Portugal “cumpriu as suas metas para 2020 ao abrigo das diretivas da UE sobre eficiência energética e energias renováveis, progredindo em direção ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 7”, sublinha.  A percentagem de energias renováveis no aprovisionamento energético total é de 29%, o que compara com a média da OCDE nos 12%.

Além disso, a qualidade do ar melhorou e “é necessário continuar os esforços”. As emissões dos principais poluentes atmosféricos diminuíram “graças à mudança do cabaz elétrico, à implementação de sistemas de dessulfuração em grandes centrais energéticas e a normas mais rigorosas em matéria de emissões dos veículos”. Portugal “atingiu os seus objetivos para 2020 fixados pela Diretiva da UE relativa à redução das emissões nacionais de certos poluentes atmosféricos”, mas “não cumpriu o objetivo relativo ao amoníaco, cujas emissões aumentaram com o número de aves de capoeira”. As pessoas “estão menos expostas à poluição atmosférica em Portugal do que noutros países da OCDE”.

No entanto, alerta, “continua a ser uma preocupação de saúde”. Desde 2011, Lisboa introduziu uma zona de baixas emissões interditando os veículos mais poluentes no centro da cidade durante o horário de trabalho. “Apesar da melhoria da qualidade do ar, tal não reduziu significativamente as concentrações de NOx e de PM2,5”, explica o relatório.

Portugal “não cumpriu a maior parte das suas metas de resíduos para 2020”

O EPR também diz que Portugal “regista um atraso relativamente à economia circular”. Desde 2013, a produtividade material de Portugal (PIB gerado por unidade de materiais utilizados) “manteve-se globalmente constante, uma vez que o consumo interno de materiais variou em consonância com o PIB”. A geração de resíduos urbanos “cresceu a um ritmo mais rápido do que a economia”.

Em 2020, Portugal “gerou mais resíduos urbanos per capita do que a média europeia”.  A percentagem de compostagem e reciclagem no tratamento total é em Portugal de 28%, quando a média na OCDE é de 34%. Foi também um dos países com as taxas “mais elevadas de deposição em aterro”, com mais de metade dos resíduos urbanos a serem depositados em aterros, tratamento de resíduos urbanos. “Subsistem desafios importantes para assegurar padrões de consumo e produção sustentáveis (ODS 12)”, afirma, sublinhando que o país “não cumpriu a maior parte das suas metas de resíduos para 2020”.

Estado dos habitats e das espécies deteriorou-se e disponibilidade de água diminuiu cerca de 20% nos últimos 20 anos

Segundo a mesma fonte, o estado dos habitats e das espécies deteriorou-se. A agricultura, o desenvolvimento de infraestruturas, as espécies invasoras, a erosão, as alterações climáticas e os incêndios “exercem grandes pressões sobre a biodiversidade”. Mais de metade do orçamento do Programa de Desenvolvimento Rural para 2014-2022 foi atribuído aos agricultores para a adoção de práticas de gestão das terras respeitadoras do ambiente.

“Apesar do aumento das áreas contratadas para preservar a biodiversidade, melhorar a gestão da água e dos solos, o impacto das medidas agroambientais não pôde ser avaliado devido à falta de indicadores adequados”, explica. Portugal “cumpriu o objetivo de Aichi de 2020 de proteger a área terrestre (25% contra o objetivo de 17%), mas não cumpriu o objetivo de proteger as áreas costeiras e marinhas (8,9% contra 10%)”. As despesas públicas com a biodiversidade representaram “apenas 0,1% do PIB em 2020, menos 25% do que em 2010”, revela o relatório.

Em 2021, criou a maior zona marinha protegida da Europa, “um passo significativo para o objetivo de proteger pelo menos 30% da área marítima da UE até 2030”, diz a OCDE. No entanto, acrescenta, “poucas áreas protegidas têm planos de gestão”. “A proteção, o restabelecimento e a promoção da utilização sustentável dos ecossistemas marinhos e terrestres (ODS 14 e 15) são desafios”, sublinha.

O ERP também alerta que “são necessários esforços para utilizar a água de forma eficiente e alcançar um bom estado dos recursos hídricos”. Segundo a mesma fonte, Portugal “realizou progressos no sentido da consecução do ODS 6, aumentando o acesso a água potável e ao saneamento”. Em 2018, 92% das águas residuais urbanas foram tratadas de acordo com a Diretiva relativa ao Tratamento de Águas Residuais Urbanas da UE, acima da média da UE de 76%. A água potável é de “excelente qualidade”.

No entanto, “as captações agrícolas, a principal fonte de captações de água doce, aumentaram cerca de 25% desde meados da década de 2010, particularmente nas regiões do sul com pressão hídrica”. Em 2021, “menos de metade das massas de águas de superfície e dois terços das massas de águas subterrâneas atingiram um bom estado global (ecológico e químico)”.

As pressões mais significativas sobre estes recursos são as fontes agrícolas difusas. “A facilidade de licenciamento de novas captações de água em zonas com problemas hídricos, a capacidade limitada para monitorizar e multar as captações ilegais e as baixas taxas para a captação de água para utilizações não-potáveis, nomeadamente a irrigação, mantiveram baixos os níveis de reutilização da água (cerca de 1%)”, sublinha a OCDE numa análise que também revela que a disponibilidade de água diminuiu cerca de 20% nos últimos 20 anos e “espera-se que continue a diminuir mais 10% até ao final do século”.

Investimento público total ecológico “situou-se entre os mais baixos da OCDE em 2019 e 2020”

A OCDE concluiu ainda que a “utilização eficaz dos fundos da UE é fundamental para impulsionar o investimento ecológico”. Em cerca de 2% do PIB, o investimento público total “situou-se entre os mais baixos da OCDE em 2019 e 2020”. A política de coesão “é a principal fonte de financiamento, representando cerca de 60% do investimento público de Portugal no período 2014-2020”. Com a próxima geração de fundos da UE, Portugal “tem de gerir montantes significativamente mais elevados no período de 2021-2027”. “Trata-se de uma oportunidade para abordar as questões ambientais, mas também de um desafio em termos de execução dos programas”, sublinha.

No período 2014-2020, Portugal registou uma “elevada taxa de absorção dos fundos estruturais afetados à proteção ambiental e à eficiência dos recursos, à adaptação às alterações climáticas e à prevenção de riscos”. No entanto, acrescenta, os projetos relativos à melhoria da eficiência energética e ao desenvolvimento de infraestruturas de transporte urbano e de caminhos de ferro ecológicos “sofreram atrasos, em parte devido à sua complexidade”.

A mesma fonte acrescenta que Portugal consagrou 38% do seu orçamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) aos objetivos climáticos e este “centra-se adequadamente na melhoria da eficiência energética e na promoção da mobilidade sustentável”. Inclui igualmente investimentos para descarbonizar processos industriais e impulsionar a utilização e produção de hidrogénio, prevenir e combater os incêndios rurais e melhorar a eficiência na utilização da água.

No entanto, “foram manifestadas preocupações relativamente ao investimento na extensão da rede rodoviária, a novas barragens em zonas com escassez de água e a um apoio limitado à biodiversidade”.

Despesa pública com a proteção do ambiente “foi inferior à média da UE”

Além disso, a despesa pública com a proteção do ambiente, que se situou em 0,7% do PIB em 2020, “foi inferior à média da UE de 0,9%”. “A gestão de resíduos tem impulsionado o seu recente aumento, mas tal não se reflete no desempenho da prestação de serviços”, explica. A recuperação dos custos do serviço “é uma condição prévia para o financiamento do setor”. Em 2020, “três quartos dos municípios não recuperaram totalmente os custos da prestação de serviços de resíduos através das tarifas cobradas aos consumidores”. As taxas sobre os resíduos estão incluídas na conta de água e estão geralmente ligadas ao consumo de água.

Portugal “concluiu as principais infraestruturas para a gestão das águas residuais, mas as necessidades de investimento continuam a ser significativas”, nomeadamente para a reabilitação dos ativos existentes, revela a OCDE. “Apesar de uma aparente boa recuperação dos custos dos serviços de águas residuais, é possível melhorar a capacidade dos municípios para avaliar esses custos e aumentar as tarifas, em especial quando prestam o serviço diretamente”.

Em 2014, Portugal introduziu uma reforma fiscal verde, incluindo um imposto sobre o carbono em setores fora do regime de comércio de licenças de emissão da UE (RCLE). Aumentou igualmente a componente de CO2 no imposto de registo de veículos, reviu a tributação da gestão da água e dos resíduos, concedeu benefícios fiscais à propriedade para a gestão florestal e introduziu um imposto sobre os sacos de plástico leves de utilização única. As receitas provenientes dos impostos relacionados com o ambiente “aumentaram, principalmente devido ao aumento do consumo e das taxas de imposto sobre o gasóleo, até que a crise da COVID-19 reduziu a compra e a utilização de automóveis”, diz a OCED.

No entanto, alertam “os impostos verdes não proporcionaram incentivos consistentes para reduzir a utilização de energia e de água e desviar os resíduos dos aterros”. O Ministério das Finanças e o Ministério do Ambiente e da Ação Climática “estão a avaliar o impacto da reforma fiscal verde”, revela.

Portugal com uma das taxas mais elevadas de carros a gasóleo da UE

A OCDE diz também que a tributação dos combustíveis e dos veículos “contribuiu para o aumento dos veículos a gasóleo e para o envelhecimento da frota, com efeitos adversos na poluição atmosférica local”. Desde meados da década de 2010, os novos registos de automóveis mudaram para gasolina e, nos últimos anos, para veículos elétricos e híbridos elétricos com ligação direta. No entanto, estes veículos “representam apenas 1,7% do parque automóvel”.

“Embora os impostos sobre os combustíveis sejam eficazes para reduzir as emissões de carbono, as taxas baseadas na distância em função das emissões dos veículos e no local de condução são a melhor opção para combater a poluição atmosférica local”, sublinha. Portugal dispõe de um sistema eletrónico de portagens que funciona na rede de autoestradas para todas as categorias de veículos. Os preços das portagens “variam em função da distância percorrida, da altura e do número de eixos dos veículos, mas não das suas emissões”, explica o relatório que revela que, em 2020, 60% dos automóveis de passageiros eram movidos a gasóleo, “uma das mais elevadas percentagens na União Europeia”.

A mesma fonte acrescenta que, tal como outros países da OCDE, Portugal apoia o consumo de combustíveis fósseis através de despesas fiscais; petróleo e gás atraem a maior parte do apoio do governo. Os montantes mais elevados incluem taxas de imposto reduzidas para o gasóleo utilizado pelos equipamentos agrícolas e, desde 2017, o reembolso parcial dos impostos sobre o gasóleo às empresas de transporte de mercadorias; isenções fiscais aplicáveis aos produtos energéticos utilizados para a produção de eletricidade ou por instalações industriais no âmbito do RCLE ou de um acordo de eficiência energética.

Desde 2014, as receitas não cobradas provenientes de reduções fiscais “aumentaram com o consumo e os impostos sobre o gasóleo e o gás natural”. Em 2018, Portugal “começou a eliminar gradualmente algumas isenções, o que contribuiu para a saída do carvão”.

No entanto, os progressos “estagnaram com as recentes medidas para fazer face ao aumento dos preços, que incluem uma redução geral do imposto sobre a energia e o congelamento do imposto sobre o carbono”, lê-se no EPR. Portugal “também apoia culturas que exigem muita água em zonas com problemas hídricos e atividades pecuárias intensivas através de apoios associados e de medidas de mercado no âmbito da política agrícola comum”.

“Serão necessárias políticas adicionais para alcançar a neutralidade carbónica até 2050”

Portugal reduziu “significativamente” as suas emissões de GEE. As emissões (excluindo o uso do solo, a alteração do uso do solo e a silvicultura) diminuíram um terço entre 2005 e 2020 (Figura 5). Portugal “cumpriu as suas metas climáticas para 2020”, garante a OCDE. Após a crise de 2008, explica, as emissões diminuíram “devido à redução da procura de energia e ao aumento da produção de eletricidade a partir de fontes renováveis”. Com a recuperação económica, as emissões aumentaram em 2014-2017, em especial no setor dos transportes.

No entanto, desde então, “têm vindo a diminuir, devido a uma forte transição da produção de eletricidade a partir do carvão e à redução da utilização de energia durante a crise da COVID-19”.

“Serão necessárias políticas adicionais para alcançar a neutralidade carbónica até 2050”, diz o ERP. Segundo a mesma fonte, Portugal “está no bom caminho para cumprir as suas metas para 2030”, tal como estabelecidas no Plano Nacional de Energia e Clima 2021-2030 (PNEC 2030). No entanto, as projeções indicam que “serão necessárias políticas adicionais para cumprir os objetivos mais ambiciosos da Lei de Bases do Clima para 2030 e 2050”.

Até à data, a maior parte da redução de emissões “tem tido lugar na produção de energia” e Portugal “deve acelerar o desenvolvimento das energias renováveis e a renovação de edifícios e de veículos com baixas emissões de carbono; reduzir a utilização de automóveis; combater o aumento das emissões provenientes da agricultura; enviar preços de carbono consistentes para toda a economia; e dar prioridade a apoios de rendimento direcionados em detrimento do controlo dos preços da energia, a fim de combater a pobreza energética”.

O ERP também avisa que o país “está particularmente exposto a riscos relacionados com o clima”. Enfrenta “múltiplas ameaças”, incluindo a “erosão costeira, eventos de precipitação intensa e dias de calor extremos”. As secas “também prejudicam o rendimento agrícola e a produção de energia hidroelétrica”. As florestas “estão particularmente expostas ao perigo de incêndio”.

Portugal intensificou as medidas de adaptação. O Governo adotou uma Estratégia Nacional de Adaptação em 2015 e um programa de Ação em 2019 para definir prioridades e medidas. A informação pública sobre os riscos das alterações climáticas “melhorou consideravelmente a adaptação está cada vez mais integrada nas estratégias setoriais, como na agricultura”.

O financiamento para a adaptação foi aumentado, nomeadamente cofinanciado pela União Europeia. Portugal reforçou a prevenção dos riscos de incêndios florestais, mas “enfrenta o desafio de melhorar as práticas de gestão florestal em zonas rurais abandonadas, onde a propriedade da terra é privada e fragmentada”. Acelerar os registos do cadastro fundiário e alargar os pagamentos dos serviços ecossistémicos “pode ajudar a reduzir os riscos de incêndios florestais”, conclui.

OCDE recomenda que preços das portagens variem em função das emissões

Entre as principais recomendações, aprovadas pelo Grupo de Trabalho da OCDE sobre o Desempenho Ambiental (WPEP) com o objetivo de ajudar Portugal a “reforçar a coerência das políticas para impulsionar uma recuperação económica ecológica e o progresso no sentido dos seus objetivos de neutralidade carbónica e desenvolvimento sustentável”, estão a variação dos preços das portagens em função das emissões dos veículos, a prossecução dos esforços para “assegurar o financiamento sustentável dos serviços e infraestruturas hídricos”, aplicar “rapidamente” a Lei de Bases do Clima, estabelecer “metas claras para eliminar progressivamente todos os subsídios aos combustíveis fósseis até 2030” e melhorar o sistema de informação relativo às políticas de adaptação às alterações climáticas para acompanhar a sua aplicação e os seus impactos nos riscos e na exposição.





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