Projeto “Mulheres do Mar” junta centenas de cuidadoras dos oceanos
Suzete, faroleira, Lurdes, a primeira pescadora de S. Miguel, Gisela, bióloga, e a arquiteta Nieta estão unidas no projeto “Mulheres do Mar”, uma ideia na qual cabem mais outras 600 mulheres, “cuidadoras por natureza”.
Porquê só mulheres? “Porque nós acreditamos que as mulheres são cuidadoras por natureza”, respondeu à Lusa Raquel Clemente Martins, uma das sete mulheres do “núcleo duro” da iniciativa. E é do mar que fala, dos cuidados que precisa.
“Nos últimos anos a degradação dos oceanos e a apatia, principalmente a apatia e a hipocrisia das pessoas perante este problema, levou-nos a pensar que era importante criar um produto de comunicação que pudesse fazer a ponte entre os alertas da comunidade científica e a população em geral”, explicou, na semana em que se assinala o Dia Mundial do Mar (26 de setembro).
Inserida na Década do Oceano, proclamada pelas Nações Unidas e que vai até 2030, a iniciativa centra-se em dois dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), o 5, de alcançar a igualdade de género e empoderar as mulheres e raparigas, e o 14, de conservar e usar de forma sustentável os oceanos, mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável.
No início do próximo ano estará pronto para ser exibido o primeiro documentário, só com mulheres dos Açores, mas o projeto contempla já mais de 600 “mulheres do mar”, tendo sido este ano reconhecido pela UNESCO, o que o internacionalizou.
“Só nos açores já gravamos 46 mulheres e vamos agora, no próximo mês, gravar com pelo menos mais 16”, contou Raquel Clemente Martins.
Tudo começou, disse, quando foi contactada para um projeto para televisão chamado “Senhoras do Mar”, que seria sobre uma dúzia de “mulheres extraordinárias, que tinham quebrado barreiras. Raquel Martins é realizadora e fundou há 16 anos a “Help Images”, uma organização não-governamental que cria produtos de comunicação, histórias de sucesso, para entidades sem fins lucrativos.
As “senhoras do mar” acabaram por não se concretizar mas na cabeça da responsável ficou a ideia das “mulheres do mar”, “não pessoas extraordinárias mas pessoas comuns”, “mulheres normais que falem de coisas que os outros entendam”.
Até agora já foram filmadas 66 das 600 mulheres que aceitaram fazer parte do grupo.
Não têm de gostar do mar, há algumas que têm medo da água, que acham que o mar sabe a lágrimas, disse Raquel Martins, acrescentando que é importante mostrar as diferenças, ainda que todas, mas todas, comunguem da mesma preocupação em relação ao estado dos oceanos.
As nossas mulheres, explicou, “não precisam de ser especialistas” em mar, não têm de ser pescadoras, peixeiras ou biólogas, mas têm uma visão do mar, da economia azul, da parte social. Queremos que estes depoimentos tenham muita força junto do poder político, porque precisamos de o sensibilizar para a ação em prol da preservação o oceano”.
Entusiasmada na explicação, Raquel Martins adiantou: “Esse é um dos objetivos principais, mas um outro, um objetivo muito especial para todas as mulheres, é criarmos um legado que possa inspirar as próximas gerações, é um legado emocional, com provas científicas, que promovem um equilíbrio consciente e duradouro entre a natureza e todos os habitantes do planeta”. Para a realizadora, o importante é recuperar esse equilíbrio perdido no último século.
De partida para os Açores, para concluir as entrevistas nas ilhas que faltam, Santa Maria, Flores e Corvo, Raquel disse que o documentário Mulheres do Mar-Açores, o primeiro, de pelo menos três, um do continente e outro internacional, vai ser divulgado quando espera ter também já pronto um “hub digital” que reúna as entrevistas na integra.
“O foco é sempre, sempre, o papel das mulheres e a preservação dos oceanos”, sublinhou, recordando algumas delas que já entrevistou, a Suzete, uma ex-guarda florestal que sempre quis, e conseguiu, ser faroleira, para ter contacto com o mar.
Mas também Lurdes Batista, uma octogenária de S. Miguel, a primeira mulher a ir para o mar pescar em Rabo de Peixe, ou a bióloga marinha Gisela, que paga a investigação transportando turistas para observação de baleias, ou mesmo a arquiteta Nieta, que recolhe lixo do mar e faz produtos para construção.
Com a distinção da UNESCO a procura de mulheres alargou-se. Raquel fala também da mulher que comprou um farol na Noruega, de mulheres do mar no Líbano, em Cabo Verde, em França, Espanha ou Inglaterra.
“Tento que isto não saia de controlo”, observou, explicando que é preciso financiamento, e que sonha chegar a 2030 com um mapa cheio de luzes pelo mundo inteiro, cada uma representado uma mulher do mar, ligada a todas as outras, com o seu testemunho de preservação dos oceanos, de como cuida do mar.
“Ser mulher do mar é ter obrigação de cuidar do mar e de sensibilizar, de dar a conhecer os problemas e também do bom que é estar no mar”.