“Quem vem lá?”: Hipopótamos são capazes de reconhecer vozes de membros do próprio grupo
Quantas vezes, em contextos de socialização, damos por nós a pensar que estamos a ouvir uma voz que nos é familiar. Sentimos um toque no ombro e, virando-nos, damos de caras com um amigo: “Bem me pareceu que eras tu”.
Se acha que os humanos são os únicos capazes de identificar vozes conhecidas, então um grupo de investigadores de França e Portugal vem dizer-lhe que esse não é o caso.
A equipa, que inclui Paulo Fonseca, investigador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (CE3C) e docente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, estudou as respostas de hipopótamos-comuns (Hippopotamus amphibius) na Reserva Especial de Maputo (atualmente inscrita no Parque Nacional de Maputo), em Moçambique, aos chamamentos de outros membros da espécie.
Para testarem a capacidade de reconhecimento vocal destes grandes herbívoros, ícones da fauna africana, os investigadores colocaram altifalantes junto a lagos frequentados por hipopótamos. Quando os sons reproduzidos eram de animais que não viviam nesse lago ou pertenciam a indivíduos em cativeiro, os hipopótamos demonstravam comportamentos mais agressivos, aproximando-se do equipamento e deixando marcas odoríferas para reclamar território, lançando fezes a toda a volta com a ajuda das suas pequenas caudas, uma clássica demonstração de domínio e de comportamento territorial.
Por outro lado, quando as vocalizações reproduzidas eram de hipopótamos que costumam frequentar o mesmo lago, as reações eram, segundo os cientistas, menos intensas.
Num artigo publicado na revista ‘Current Biology’, os investigadores dizem que foi possível verificar que os hipopótamos conseguem distinguir as vozes de membros do próprio grupo (os “amigos”), de grupos vizinhos (os “conhecidos”) e vozes que não conhecem de lado algum. Embora sugiram que estes mamíferos são até capazes de distinguir diferentes indivíduos com base nas suas vocalizações, são ainda precisos mais dados para comprová-lo sem sombra de dúvida.
Com base nos resultados deste trabalho, a equipa considera que, no mundo dos hipopótamos, e de muitas outras espécies, humanos incluídos, o som de uma voz desconhecida é muito mais ameaçador de que uma voz familiar.
Em termos práticos, os investigadores acreditam que a investigação pode facilitar a relocalização de grupos de hipopótamos ameaçados pela caça furtiva, uma das grandes ameaças à megafauna africana. Assim, antes de serem transferidos, se os animais ouvirem as vozes dos indivíduos dos quais serão vizinhos, poderá ser possível “reduzir o risco de conflito entre indivíduos que nunca antes de viram”, escrevem no artigo.