Remoção de CO2 da atmosfera “é essencial” para limitar aquecimento global. Mas não é tudo
Em 2015, os líderes mundiais, reunidos em Paris, adotaram um acordo climático sem precedentes para limitar o aquecimento global a dois graus Celsius até ao final do século, face aos níveis pré-industriais. E isso exige que até 2050 tenhamos um mundo ‘climaticamente neutro’.
No entanto, vários observadores consideram que esse objetivo está cada vez mais fora de alcance, uma vez que as emissões de dióxido de carbono (CO2), gás que produz efeito de estufa e impulsiona o aumento da temperatura do planeta, continuam a poluir a atmosfera.
Um relatório desenvolvido por mais de 20 especialistas aponta que a remoção do CO2 pode ser fundamental para atingir a meta de Paris e evitar que o clima da Terra colapse. Mas assinala que reduzir as emissões é igualmente crucial, pelo que a implementação de medidas para capturar carbono não pode substituir o abandono dos combustíveis fósseis.
Steve Smith, da Universidade de Oxford e o coordenador do trabalho, afirma que “para limitar o aquecimento a dois graus Celsius, ou menos, precisamos de acelerar a redução das emissões” e que o estudo mostra que “também precisamos de aumentar a remoção de carbono, restaurando e melhorando os ecossistemas” e desenvolver e aplicar novas técnicas de captura.
“Estão a surgir muitos novos métodos com potencial”, mas “em vez de nos focarmos em uma ou duas opções, devemos encorajar uma variedade, para que possamos chegar à neutralidade carbónica mais rapidamente”, defende o especialista.
A urgência da implementação dessas medidas é reforçada por Oliver Geden, do Instituto de Assuntos Internacionais e Segurança, na Alemanha, e outro dos autores, que sublinha que “[a remoção de carbono] não é algo que podemos fazer, mas é algo que temos absolutamente de fazer para alcançar a meta de temperatura do Acordo de Paris”.
O relatório indica que atualmente a maior parte da captura de carbono é feita em terra, sobretudo através da plantação de árvores e de medidas de gestão de solos. Mas os relatores salientam que os países têm de dar continuidade e até mesmo aumentar esses esforços, pois ainda estamos aquém do que seria desejável.
“Mais de 120 governos nacionais têm uma meta para a neutralidade carbónica, que envolve a remoção de carbono, mas são poucos os que têm planos exequíveis” para aplicar essas medidas, avisa Geden, lamentando que “isso representa uma grande falha”.
Entre as novas tecnologias de captura de carbono contam-se a bioenergia com captura e armazenamento, o biochar e a captura diretamente da atmosfera. Contudo, o relatório aponta que essas técnicas representam cerca de 0,1% das que estão hoje a ser usadas em todo o mundo. Por isso, os especialistas afirmam que o crescimento dessas novas tecnologias tem de ser fortemente impulsionado e que deve até 2050 aumentar em 1.300 vezes, para ser possível alcançar a meta climática de Paris.
Apesar disso, dizem-nos que a captura e armazenamento de carbono “não é uma bala de prata” e que continua a existir uma grande necessidade para reduzir drasticamente as emissões, destacando que “a nossa dependência da captura de carbono pode ser limitada, reduzindo rapidamente as emissões e usando energia de forma mais eficiente”.
Uma outra análise científica, publicada esta semana na revista ‘Nature-Based Solutions’, ecoa a noção de que “a remoção do dióxido de carbono é fundamental para alcançar os objetivos climáticos plasmados no Acordo de Paris”.
Os autores argumentam que “é claro que temos de ir além da limitação das emissões e focar-nos ativamente na remoção de dióxido de carbono da atmosfera”, mas alertam que a discussão em torno dessas tecnologias se tem centrado quase exclusivamente nos países desenvolvidos, e que as nações mais pobres tendem a ficar à margem.
“Para alcançarmos as metas globais [sobre o clima] temos de alargar as análises e as discussões também às economias em desenvolvimento”, instam os especialistas.
O artigo adianta que a remoção de CO2 da atmosfera pode ser feita através da tecnologia e da engenharia, mas também recorrendo às chamadas “soluções baseadas na natureza”, como a conservação e restauro de ecossistemas e uma melhor gestão dos solos. Considerando o grande potencial das florestas tropicais em países em desenvolvimento para atuarem como ‘sumidouros de carbono’, os especialistas focaram a sua análise no Brasil, na Colômbia, na República Democrática do Congo, na Índia, na Indonésia, na Malásia e no México.
No seu conjunto, esses sete países representam cerca de 35% do potencial global para soluções baseadas na natureza para reduzir a concentração de CO2 na atmosfera do planeta.
Ainda assim, os investigadores avisam que se forem exigidas “quotas ambiciosas” para a remoção de CO2 a países com grandes florestas, “poderá criar-se uma competição entre soluções naturais e soluções que não se baseiam na natureza”, alertando que tal poderá ser “prejudicial para a redução das emissões, para a biodiversidade e para os benefícios que as pessoas podem extrair da natureza”.
Dessa forma, os autores defendem que “para alcançar o máximo de mitigação climática até meados do século de uma forma sustentável”, as técnicas de remoção de carbono têm inevitavelmente de equilibrar a proteção das pessoas e da natureza face aos impactos dessas medidas e maximizar a redução das emissões consoante as limitações dos recursos de que cada um dos países em particular dispõe.
A mensagem é clara: reduzir as emissões de CO2 e potenciar a sua captura e armazenamento não podem acontecer tendo como referência a realidade dos países mais ricos, e devem ser adaptadas a cada um dos Estados e das suas características. Só assim será possível cortar as emissões de carbono e potenciar a sua captura sem que para isso as populações e os habitats e ecossistemas locais tenham de sofrer os impactos da aplicação de tecnologias que, no final de contas, poderão causar mais danos do que benefícios.