Reportagem. À procura do gato-bravo na serras da região Centro
Um fotógrafo da natureza, também biólogo, e um consultor de informática, com experiência em caminhadas, decidiram lançar-se à aventura de procurar o gato-bravo nas serras da região Centro, que se suspeita ter desaparecido por completo da zona.
Desde o início do ano que Manuel Malva, biólogo de 25 anos, e Alberto Mesquita, consultor informático de 56 anos, andam à procura do gato-bravo na Serra da Lousã e nas Terras de Sicó, colocando armadilhas fotográficas nos locais onde acreditam que haverá uma maior probabilidade de encontrar a espécie classificada como vulnerável no país e que se suspeita já ter desaparecido da região Centro.
“48!”, diz Alberto Mesquita, apontando para o número de vídeos que aparecem na armadilha fotográfica que colocaram perto de Povorais, em Góis, na Serra da Lousã, durante um mês.
“Está ali qualquer coisa em baixo”, diz Manuel Malva, a olhar para o pequeno ecrã da câmara que capta imagens assim que o sensor deteta movimento. “São pombos”, responde Alberto.
Nesta câmara, instalada numa clareira junto a uma queda de água, deparam-se com algo raro desde que começaram a experiência: encontraram mais pessoas nos vídeos do que vida selvagem.
Mais à frente, num caminho sinuoso e escorregadio, por entre silvas e árvores despidas de folhas e cobertas de líquen, outra câmara já não apanha qualquer humano, mas aquilo que à partida seria um bom lugar, por onde passa um trilho de animais, também revela pouca diversidade.
Na última câmara que instalaram naquela zona, deparam-se com uns javalis, um veado adulto e raposas.
“Raposa, raposa, raposa”, conta Alberto, enquanto passa os vídeos captados pela armadilha, apanhando uma ou várias raposas que deveriam estar a passar em busca de comida – mais à frente, estava uma carcaça de veado adulto, já só osso.
Desde janeiro, que calcorreiam a Serra da Lousã e as Terras de Sicó à procura do gato-bravo, terras que os dois conhecem bem – Manuel por causa da fotografia de natureza, Alberto pelas caminhadas que já faz há décadas na região.
Contabilizam cerca de 120 armadilhas fotográficas colocadas, com os vídeos a serem publicados no Youtube e na página de Facebook do projeto (tinyurl.com/ybshvbk2).
Até agora, gato-bravo nem vê-lo, apesar de um vídeo ainda lhes ter feito acelerar o coração.
Há uns meses, no ecrã pequenino, vislumbraram um gato, mas ao verem a imagem no computador aperceberam-se que não era o tão procurado gato-bravo, mas um “primo”, um comum gato assilvestrado.
“Quando pegamos numa câmara, pensamos: é desta. Estamos sempre a pensar que o próximo sítio é que é o sítio”, conta Alberto à agência Lusa.
No entanto, já faltam poucas localizações por explorar e a esperança que era quase nula de encontrar o gato-bravo na região também se esfuma.
“Logo na primeira campanha de colocação de câmaras disse ao Alberto que a surpresa seria encontrar o gato. Partimos do pressuposto que não vamos encontrar o gato. Se encontrarmos, será uma boa surpresa”, afirmou Manuel.
Para colocarem foto-armadilhas, os dois procuram rastos de trilhos, em zonas longe de povoações, isoladas e com habitat pouco fragmentado.
Por vezes, para encontrarem o sítio perfeito, “vão de joelhos, quase de rastos” por um trilho numa zona de mato denso, até uma espécie de clareira ou galeria, onde confluem vários caminhos.
“Esses são os melhores sítios, porque os animais têm tendência a utilizar os mesmos trilhos, porque conduzem a zonas de alimentação e de repouso”, explica Manuel.
Esgotadas todas as localizações que definiram, o próximo passo será deixar as armadilhas fotográficas durante longos períodos de tempo nos locais onde encontraram maior potencial.
“Enquanto uma fuinha ou uma gineta pode fazer o mesmo circuito todos os dias, o gato-bravo tem territórios muito maiores e é muito menos previsível. Pode usar um trilho do seu território uma vez de dois em dois meses”, aclarou.
Registos históricos indicam que o gato-bravo estava presente naquelas terras há cerca de 30 anos, mas não se sabe o porquê de ter desaparecido, suspeitando de alguma doença que afetou a população.
O projeto pretende também ser um alerta para a necessidade de políticas de conservação e para os fatores que levaram ao declínio da espécie, que resiste em pequenas bolsas em territórios fronteiriços do país.
“Eu acho que a situação em que a espécie se encontra é o reflexo da conservação da natureza em Portugal: falta de estudo, falta de informação e falta de ação”, criticou Manuel Malva.
Caso alguém tenha conhecimento da presença do gato-bravo na região, pode contactar o projeto através do ‘e-mail’ projectoartemis@gmail.com.