REPORTAGEM: Em Braga nem autocarros, nem automóveis fluem numa cidade congestionada
Os sucessivos atrasos e sobrelotação dos transportes públicos em Braga têm sido alvo de várias queixas dos utentes, que ora culpam o trânsito e as obras na Avenida da Liberdade, ora a câmara e a empresa municipal.
Às 07:00, o trânsito flui com a quietude de quem vai começar o dia e ainda tem tempo para chegar ao destino. Não há stress nem pressa. Uma hora depois, o cenário já não é o mesmo.
Carlos Nogueira é motorista dos Transportes Urbanos de Braga (TUB) há 25 anos e está a fazer o turno da manhã na linha 43, que liga a Universidade do Minho à Estação Ferroviária.
Com múltiplas idas e voltas ao longo do dia, refere que das 08:00 às 10:00 o trânsito é “caótico” e que com a chuva e as obras a situação piora.
“Uma viagem que deveria demorar 20 minutos para cada lado, leva cerca de uma hora”, relata.
Rui Manuel Antunes mora perto da Avenida João Paulo II. Para se deslocar para o trabalho costuma apanhar o autocarro porque não tem carta de condução e porque é “bem mais simples e económico”.
Num cenário ideal, sairia de casa por volta das 09:00 para cinco minutos depois apanhar o 43, deixar o filho na creche e chegar ao trabalho às 09:30. Não é o que acontece.
“Por causa do trânsito, tenho de apanhar o autocarro das 08:25 para chegar perto das 09:20. Fico com os horários muito apertados”, lamenta o bracarense.
Acordar mais cedo e apanhar o autocarro anterior foi o conselho dos motoristas dos TUB. Contudo, das cinco vezes que o fez só uma é que deu resultado, acabou por apanhar sempre o das 09:05, “os outros nunca passaram”.
Rui chega muitas vezes atrasado ao trabalho, explicou na empresa e parece não haver problemas: “Têm em consideração que tenho de levar o menino à creche, mas conheço pessoas que estão com a vida virada do avesso por causa destes atrasos”.
Aquele bracarense aponta o dedo ao mau planeamento da câmara, considerando uma “tolice” apostar em obras numa “artéria tão fundamental” como a Avenida da Liberdade e numa altura em que há um “grande fluxo de automóveis”. As críticas não ficam por aqui.
“Os TUB são a única empresa de transportes públicos em Braga e reina o ‘quero, posso e mando’. Não adianta reclamar, eles têm a faca e o queijo na mão”, diz Rui, salientando ainda que paga por um serviço que não lhe é prestado.
Sobre um possível desconto no passe por causa dos atrasos, o administrador executivo dos TUB, Teotónio Santos, admite que as queixas têm aumentado desde o início das obras, porém a opção ainda não foi colocada na mesa.
“Há momentos em que o trânsito fica completamente bloqueado e dificulta, como é óbvio, o cumprimento dos horários. Temos vindo a avaliar as reclamações, mas não temos muitas pessoas a reclamarem por um desconto no passe”, informa.
À conversa com estudantes que apanham o 43 na Estação Ferroviária para a Universidade do Minho, a Lusa constatou que grande parte já chegou pelo menos uma vez tarde às aulas por causa de atrasos nos autocarros.
É o caso de Ana Carolina. A solução que arranjou para chegar a tempo foi ir mais cedo para a paragem. Reconhece, contudo, que quando tem testes a mãe tem de a levar à universidade, “porque de autocarro não dá para chegar a horas”.
Marta Filipa aponta um outro problema. O 43 deveria passar de 10 em 10 minutos, mas, em horas de ponta, acaba por passar de 20 em 20 “e com sorte”. Além disso, o autocarro enche e já lhe aconteceu não conseguir entrar por sobrelotação.
O cenário de atrasos e sobrelotação não acontece apenas de manhã. Rui Mendes, motorista dos TUB há nove anos, confirma que das 17:00 às 19:30 o trânsito é “fatal”.
À noite, o ambiente nas estradas de Braga também não é pacífico. Há pessoas a apitar, outras colocam a mão de fora do vidro para reagirem aos buzinões, depois de um dia de trabalho ninguém tem paciência para ficar entalado no trânsito.
Enquanto uns esperam ansiosos para chegar a casa, outros andam num corridinho entre um trabalho e outro.
Ilda Serrano é empregada doméstica. Sai às 18:00 da patroa e dirige-se à estação para apanhar o autocarro das 18:10 para a universidade, onde ainda vai fazer umas horas de limpeza.
Devia entrar às 18:30. No entanto, quando chega à paragem vê-se obrigada a esperar pelo 43: “O autocarro das 18:10 atrasa-se sempre meia hora, depois fica outra meia hora preso no trânsito e quando chego ao trabalho já são 19:15. Como trabalho à hora, esses 45 minutos não me são pagos e é dinheiro que me faz jeito”, conta.
A Lusa esteve na estação a observar a azáfama noturna e os universitários que chegam de autocarro à estação. Alguns optam por sair na paragem anterior e correr para apanharem o comboio a horas, o que nem sempre acontece.
Questionado sobre a opção de fazer obras na Avenida da Liberdade no inverno, quando os motoristas se queixam mais da lentidão do trânsito, o presidente da Câmara de Braga, Ricardo Rio, defende que nem sempre pode haver escolha.
“A obra da Avenida e do túnel de acesso está prevista demorar um ano. Há obras que não se podem circunscrever no tempo”, garante.
Quanto às milhares de viaturas que condicionam diariamente o trânsito na cidade, Ricardo Rio assegura que estão a ser tomadas medidas para reforçar a eficiência dos transportes públicos, mas nem todas agradam.
“Temos vindo a pôr ciclovias em diversas artérias e são sempre mal recebidas, porque as pessoas consideram que se está a subtrair espaço para a circulação automóvel. Esta mudança de paradigma na mobilidade não se faz só com incentivos positivos, às vezes faz-se com incentivos negativos para criar desconforto na utilização do automóvel”, conclui.