Susana Fonseca, Quercus: “Vivemos acima das nossas possibilidades”



Depois do fracasso de Copenhaga, onde até havia a expectativa de um acordo climática, segue-se a amena Cimeira de Cancún, onde pouco se deve decidir. Leia mais uma parte da entrevista exclusiva de Susana Fonseca, presidente da Quercus.

Há duas semanas, a ministra do Ambiente, Dulce Pássaro, disse que não havia grandes esperanças para a cimeira de Cancún. Concorda?

Sim… havia expectativas para Copenhaga, todo um trabalho preparatório, a noção da urgência. Isto embora a União Europeia não tenha ido tão longe com desejávamos. Por vezes a crise dificulta a intervenção na área ambiental, mas, ao mesmo tempo, as medidas atempadas para sermos mais eficientes na forma como usamos energia e a diversificação das nossas fontes de energia tem impactos positivos na economia. Estamos hoje a fazer investimentos que serão importantes no futuro, mas claro que agora estes são sempre mais complicados. Também havia essa ideia de que a crise poderia ajudar a olharmos para o mundo de uma forma diferente.

Há grandes semelhanças entre a crise financeira e a crise ambiental, e quer numa quer noutra entrámos nelas porque vivemos acima das nossas possibilidades. Mas isso, em Copenhaga, não se verificou.

Para Cancún não vamos a zero, até porque já se fala em estender o protocolo de Quioto, mas pode ser que se consiga negociar algo mais robusto e abrangente que este protocolo. Mas aceito que nós temos uma noção de urgência que, por vezes, os Governos não têm.

Mas a ministra do Ambiente disse que o insucesso de Copenhaga se deveu, também, a uma certa visão utópica da União Europeia…

Nós discordamos que a Europa esteja a ser utópica, achamos que, nas metas com que já se comprometeu, estão abaixo do que poderiam e deveriam ser lançadas para cima da mesa.

Os políticos às vezes têm muita dificuldade em mudar… e isso as Organizações Não-Governamentais (ONG) e as próprias empresas têm mais facilidade em apanhar a mensagem. As empresas também têm que ter um contexto minimamente atractivo, senão também estão a competir com outras que não seguem esses caminhos. Mas, mesmo assim, conseguem perceber melhor a mensagem numa lógica de longo prazo.

Os políticos funcionam por ciclos eleitorais e pelo seu calendário eleitoral. E quem está a negociar são os políticos – e não as ONG nem as empresas –, apesar de estarmos cada uma do nosso lado a fazer a pressão.

E temos que ser nós, como outros países que têm maior pegada ecológica – Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos… – a dar o exemplo. Isto para que os outros países sintam também que há uma coerência, rigor e vontade de fazer as coisas de forma diferente. A União Europeia e os outros países têm que dar o exemplo para sairmos do marasmo e falta de confiança que existe neste processo.

Mas não houve um excesso de optimismo para a Cimeira de Copenhaga?

Talvez, talvez… mas foram dois anos de trabalho para tentar a chegar a um acordo, com todas as evidências que entretanto foram surgindo. Mas também compreendo que para os políticos não é fácil, porque as próprias sociedades não estão ainda preparadas para que lhes seja transmitida a mensagem com clareza. Os políticos sabem, mas depois não se atrevem a comunicar.

E a crise económica não veio na melhor altura.

Não veio ajudar… mas podemos aproveitar a crise para mudar. Aliás, deveríamos perceber o que nos levou à crise. As semelhanças entre a crise financeira e a crise ambiental são muitas, por isso já percebemos que não poderemos manter a mesma lógica do lucro a qualquer preço. E o mesmo acontece com a questão ambiental.

Não podemos usar os recursos da mesma forma, não há capacidade. O planeta não tem capacidade. Temos que consumir menos e reduzir a nossa pegada ecológica e há uma parte disso que conseguimos via tecnologia, mas vamos ter que ter sempre uma redução efectiva do nosso consumo. Esta mensagem é das piores que um político pode dizer. Podemos ter um especialista a fazê-lo, mas para um político é muito difícil, por isso esta dificuldade.

Em 2012 haverá outra cimeira climática, na África do Sul. Será essa “a” conferência?

O que está em cima da mesa para essa conferência é o estender de Quioto. O contexto não é bom, mas acho que, ainda assim, temos que manter uma postura positiva. É de prever que as condições nos Estados Unidos em relação a este tema possam piorar para breve, com as próximas eleições. Ainda que ache que o Mundo deve trabalhar mesmo que os Estados Unidos não estejam na onda, temos que perceber que, em termos práticos, é muito complicado.

Como avalia o primeiro ano de Dulce Pássaro como ministra do Ambiente?
É sempre difícil o primeiro ano, ainda que estejamos a falar de alguém com uma larga experiência na área. Considero que talvez tenha estado um pouco ausente, não considero que tenha sido um ano em que tenha havido algo de muito relevante para ser destacado.

A sensação que tenho é que o ministério do Ambiente está praticamente subjugado a outros ministérios. Aí, acho que o ministério do Ambiente perdeu poder com a entrada de José Sócrates. Isto apesar de José Sócrates ter feito, nesta área, uma intervenção interessante quando era secretário de Estado.

Mas agora tem uma perspectiva diferente… a questão das estradas e aeroportos, é esse o investimento que está a ser feito no país. Mantém-se essa perda de poder no ministério do Ambiente, que também não consegue captar muitos recursos, neste momento de crise. Se olharmos para todos os ministérios do Governo português, o Ambiente será um dos que mais obrigações tem de report a Bruxelas.

Tem sido uma área de crescimento quase exponencial em termos das preocupações. Mas a carga de trabalho que o ministério do Ambiente tem tido não se reflecte no aumento de recursos e de pessoas disponíveis para trabalhar. E aí temos uma posição crítica em relação a algumas coisas que têm acontecido.





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