Sustentabilidade? De boas intenções está o inferno cheio



Por Luis Cristino, presidente da Assembleia Geral da Academia Têxtil e co-fundador da plataforma sustentável OMA

Vivemos numa era em que a palavra “sustentabilidade” é omnipresente. Um termo cada vez mais maduro e, claro, cada vez mais complexo. A União Europeia cria legislações rigorosas a todo vapor, ONGs e ativistas levantam bandeiras ambientais, e muitos consumidores estão conscientes da necessidade de um consumo mais responsável. No entanto, apesar de toda a consciencialização e legislação, o comportamento dos consumidores continua a mostrar uma grande contradição.

Embora muitos estejam cientes de que grande parte dos produtos no mercado não cumprem os requisitos ambientais e sejam produzidos em países onde a poluição é descontrolada, com matérias primas tóxicas que impactam diretamente a saúde de quem compra, como recentemente ficou provado em produtos da Shein que continham altos níveis de químicos tóxicos, ainda assim optam pelo preço. Produtos fabricados em condições desumanas, com salários indignos, que mal dão para pagar uma tijela de arroz continuam a dominar as prateleiras. E quem alimenta essa máquina? Nós, os consumidores.
Obviamente!

A proliferação de plataformas de venda de artigos muito baratos, como a Shein e a Temu, é um exemplo claro desta tendência. Estas empresas, além de estarem na boca do mundo, oferecem produtos a preços tão baixos que é difícil resistir. E o impacto vai muito além da carteira: A Shein e a Temu têm uma sede contínua pelo transporte aéreo que não tem paralelo em algo que tenhamos visto até hoje, sobrecarregando aeroportos. Estima-se que 600.000 pacotes sejam enviados diariamente, equivalente a cerca de 88 aviões Boeing 777. Em termos de pegada carbónica é uma barbaridade. A Shein, “provou”
que uma marca de moda pode ter uma pegada carbónica superior à de um país, de acordo com cálculos realizados recentemente pela Stand.earth a empresa de ultra fastfashion emitiu 9,17 milhões de toneladas de CO2 em 2022, mais que o Paraguai.

A ironia é que, enquanto alguns consumidores defendem a sustentabilidade e criticam práticas ambientais e sociais questionáveis, são esses mesmos que não resistem à tentação de comprar produtos mais baratos. Sem muitas vezes pararem para pensar, se na realidade são produtos baratos ou de fraquíssima qualidade, perpetuando um ciclo de produção nefasto e insustentável. O discurso não se alinha com a prática. A defesa da sustentabilidade, seja ela ambiental ou social, é frequentemente deixada para trás quando se deparam com a possibilidade de hipoteticamente economizar alguns euros.

Por que isto acontece? A resposta pode ser complexa, mas uma parte significativa reside no valor imediato percebido pelo consumidor. A promessa de economia instantânea pesa mais do que os impactos ambientais e sociais a longo prazo. Como defende a Lidewij Edelkpoort: “se uma roupa continuar a custar menos que uma sandes a cultura da moda será destruída”. E caminha a passos largos para isso! Esta sua famosa frase retrata bem a desconexão entre o valor percebido dos produtos de moda e o verdadeiro custo da sua produção, tanto em termos sociais quanto ambientais.

É necessário que a roupa seja entendida como um bem durável, e não como um produto descartável de uso único. A conveniência e o custo-benefício imediatos ofuscam a necessidade de escolhas mais responsáveis, tanto na produção como no consumo. A cultura da moda depende disso. Pois se herdássemos um legado de roupas como as da Shein e similares, não teríamos história para contar porque simplesmente não iriam resistir ao tempo..

A verdade é que a mudança começa com cada um de nós. Mais um cliché é certo, mas enquanto todos (consumidores e produtores) continuarem a priorizar o preço sobre a sustentabilidade, nada mudará. Precisarmos de mais do que consciencialização; precisamos de deixar de ser hipócritas, incongruentes, e
mentirosos como recentemente referiu Rosa Pilar López ao descrever o comportamento dos consumidores perante a sustentabilidade. O comportamento do consumidor é tão complexo quanto os 16 pacotes legislativos europeus que já estão impactar a indústria da moda. O consumidor moderno e jovem, diz-se preocupado com questões de sustentabilidade, mas se formos a uma universidade e perguntarmos onde maior parte dos alunos compram a sua roupa – ouvimos em massa que as fazem em plataformas de ultra fastfashion!!

É hora de parar de olhar somente para a etiqueta de preço e considerar o verdadeiro custo das nossas escolhas. Não podemos reclamar mais informações sobre a fabricação de roupas, quando uma ínfima parte diz procurar informações sobre isso. Mais de 60% dos consumidores continuam a não ter qualquer conhecimento acerca do conceito pegada de carbono ou de outras questões relacionados com o impacto da cadeia de valor das peças de roupa que compram, e daí muitos se sentirem confundidos com o emaranhado das revindicações da sustentabilidade por parte das marcas. Felizmente, o pacote legislativo europeu anti greenwashing está a caminho para acabar com isso!

Por isso, sustentabilidade? Ide contar histórias!! Talvez essa seja a reação inicial, mas é preciso refletir sobre o que realmente queremos para o futuro. Porque intenções, por mais nobres que sejam não chegam. É fundamental que, como consumidores façamos escolhas mais informadas e éticas, e apoiar
as marcas que realmente se esforçam para minimizar o seu impacto ambiental e social. Caso contrario, continuaremos a preencher o “inferno” ambiental com boas intenções, mas péssimas práticas.

Não podemos esperar um mundo mais sustentável se não estivermos dispostos a fazer sacrifícios e mudanças reais nos nossos comportamento de consumo. A bem ou a mal, as marcas vão fazê-lo… obrigadas, mas vão.

A era das desculpas para todos acabou!





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