“Tão portuguesa como o Fado”: Redescoberta em Mangualde aranha que não era avistada há 92 anos
Foi em 1931 que a buraqueira-de-Fagilde (Nemesia berlandi) foi documentada cientificamente pela primeira vez, na aldeia de Fagilde, concelho de Mangualde. Foi a célebre entomóloga portuguesa Amélia Bacelar, acompanhado pelo seu marido, que descreveram o primeiro indivíduo da espécie, uma fêmea.
Contudo, desde então que não era avistada, levantando dúvidas sobre se poderia estar extinta.
Por isso, e por não haver provas de que tivesse, de facto, desaparecido para sempre, a espécie acabou por fazer parte da lista das mais procuradas pela organização conservacionista Re:wild.
Mas um grupo de investigadores liderado por Sérgio Henriques anunciou que a buraqueira-de-Fagilde voltou a ser avista onde foi encontrada há quase um século. O português, que é coordenador de conservação de invertebrados no Centro Global da Sobrevivência de Espécies do Zoo de Indianapolis (Estados Unidos), explica, em comunicado, que “a buraqueira-de-Fagilde é a única espécie endémica de Portugal continental que não tinha um avistamento documentado há quase um século ou mais”.
Descrevendo a aranha como “uma espécie notável”, o líder da expedição que a redescobriu salienta que a aranha “é tão portuguesa como o Fado e é nosso dever assegurar que continua a ser parte do nosso património natural”.
E aponta que o facto de a buraqueira continuar a existir, apesar de ter estado ‘perdida’ durante tantos anos, é um testemunho da proteção conferida pelas populações locais às suas florestas.
A expedição em busca da críptica aranha decorreu entre agosto de 2021 e o passado mês de novembro, passando a pente fino das áreas florestadas em torno de Fagilde, bem como dentro da povoação. Os investigadores colocaram até ninhos artificiais na esperança de atraírem algum macho mais curioso.
Em 2011, Sérgio Henriques, que já então andava no encalço da buraqueira, descobriu ninhos em Fagilde, mas nada de aranhas.
Esta espécie, ao contrário das outras do género Nemesia, constrói os seus ninhos subterrâneos na horizontal. As entradas para as suas tocas feitas de teias e vegetação costumam ter cerca de 10 centímetros, e são tapadas por portas que as transformam em verdadeiros alçapões, através dos quais capturam presas incautas.
Diz a sabedoria popular que quem espera (e persiste) sempre alcança, e a determinação dos investigadores compensou. Este ano, seguindo os rastos deixados, Sérgio Henriques acabou por descobrir uma fêmea adulta na sua toca, com perto de 10 crias.
No entanto, para ter a certeza de que se tratava realmente de uma buraqueira-de-Fagilde, era preciso fazer testes de ADN. Quando assustadas, as aranhas podem largar uma das suas patas voluntariamente – para confundir potenciais predadores – que depois volta a crescer. Aproveitando esse mecanismo de defesa, os cientistas recolheram a pata e, a partir dela, em laboratório, confirmaram que, realmente, era a aranha ‘perdida’.
Embora perceber que a buraqueira-de-Fagilde não se extinguiu seja uma boa notícia, o futuro da espécie é uma incerteza. Isto, porque, como explica a Re:Wild, aquela que é a única região onde foi encontrada tem sido impactada pelos incêndios florestais, e, além disso, a barragem de Fagilde pode alagar os seus habitats.
Sérgio Henriques tem contado com o apoio das comunidades locais para tentar encontrar mais espécimes, são os seus muitos olhos no terreno e a organização salienta que a população se tem mostrado cada vez mais entusiasmada em ajudar nos esforços.