Tartaruguinhas fazem-se ao mar em Cabo Verde protegidas por voluntários



O ziguezaguear de minúsculas tartarugas à procura do mar pela areia negra da praia da Ribeira das Pratas, ilha de Santiago, esconde semanas de trabalho de voluntários e as dificuldades que ainda vão enfrentar para chegar à idade adulta.

“É incrível. É uma sensação de dever cumprido, porque passamos cá 60 dias, 45 dias, a preservar um ninho, à espera que ecluda. É uma satisfação enorme quando conseguimos colocar essas tartaruguinhas ao mar”, conta à Lusa Rafaela Tavares, ao ver partir a última da noite, já no Atlântico e fora do alcance da sua pequena lanterna.

Esta estudante do terceiro ano de Biologia na Universidade de Cabo Verde é uma das dezenas de voluntários que se revezam a cuidar do viveiro instalado pela primeira vez naquela praia do Município do Tarrafal pela organização ambientalista Lantuna e há mais de um mês que não vai a casa, na Praia, no outro extremo da ilha de Santiago.

Aquela praia de areia negra recebe desde julho o seu primeiro programa de conservação das tartarugas marinhas, também raro até agora na ilha de Santiago, com o qual a Lantuna tenta acabar com o cenário desolador do período de desova de anos anteriores.

Os resultados estão à vista e em cerca de um mês o viveiro ali instalado já permitiu que mais de 500 tartaruguinhas chegassem ao mar, ao ritmo de várias dezenas todas as noites. Passaram pela fase de desova na praia e recolocação nos ninhos controlados e protegidos no interior do viveiro, processo sempre monitorizado também ao nível das temperaturas, até à eclosão dos ovos, entre 45 a 60 dias depois.

“Deixamos que as tartaruguinhas emerjam naturalmente. Porque o viveiro já é artificial, tentamos que o processo seja o máximo natural possível”, explica Rafaela Tavares, que minutos antes, com a temperatura a baixar com o cair da noite, escavou cuidadosamente os ninhos que eclodiram nos dias anteriores à procura das tartaruguinhas que ficaram para trás.

Em menos de uma hora, essa procura resultou em mais sete pequenas tartaruguinhas caretta-caretta encontradas a poucos centímetros de profundidade. Eclodiram antes, mas sozinhas não conseguiram chegar à superfície.

Feito o resgate, segue-se, como as que emergem naturalmente – mais de 500 num mês -, o processo de contagem, testes de amostragem por ninho, medição e pesagem, realizado pelos voluntários e supervisores da Lantuna.

Na escuridão da noite, estes voluntários carregam as sete tartaruguinhas até cerca de três metros do mar e soltam-nas na areia. Segue-se um percurso desenfreado à procura do mar, durante o qual ninguém se mexe na areia, dada a pequenez das tartarugas, cerca de cinco centímetros, e a total escuridão.

Com a chegada ao mar, termina um trabalho de semanas a garantir que a desova era feita, os ninhos e os seus ovos escapavam aos predadores, como cães e caranguejos, e que conseguiam eclodir e chegar ao mar, ao mesmo tempo que começa um novo desafio, esperando viver mais de 50 anos, atingir acima de um metro e meio de comprimento e 130 quilos de peso.

“Há uma estimativa que em cada mil tartaruguinhas só uma ou duas é que chega à idade adulta. Ou seja, há um trabalho muito forte pela frente, em que nós sabemos que com 500 tartarugas ainda não chegamos a duas adultas, daqui a 20 anos”, observa Denis Dias, técnico da Lantuna e coordenador do projeto de conservação das tartarugas marinhas no município do Tarrafal, centrado em quatro praias, incluindo a de Ribeira da Prata.

“O historial desta praia era de alto nível de predação, por caranguejos, por cães, inundação [dos ninhos]. As tartaruguinhas praticamente não chegavam ao mar”, explica.

O projeto da Lantuna naquela praia começou em 2020, com a monitorização de 20 ninhos naturais, “para ver o que acontecia”: “E 98% desses ninhos foram predados por cães e caranguejos, e outros foram levados pela maré. Então, a estratégia de conservação foi criar este viveiro. Primeiro construímos um viveiro com a ideia de pôr 100 ninhos, mas o espaço não chegou. Já estamos a 170 ninhos”.

O potencial daquela praia para o processo de reprodução das tartugas marinhas em Santiago – em muito menor escala do que outras ilhas cabo-verdianas – é comprovado agora pela Lantuna, através do volume de ninhos de desova (recolocados no viveiro), bem como a taxa de sucesso na eclosão, que se aproxima dos 50%.

“É uma praia com uma taxa de desova que, a nível da ilha de Santiago, é alta, mas com alto nível de predação. Então, a estratégia de conservação aqui nesta praia foi a melhor que encontramos: criar este viveiro de incubação, para proteger estes ninhos”, sublinha Denis Dias.

No viveiro, criado pela primeira vez para o período de desova de 2021, foram aplicadas várias técnicas para controlo da temperatura – desafio agravado por se tratar de uma praia de areia negra -, que determina o sexo das tartarugas.

“É uma preocupação porque não podemos estar a libertar fêmeas em demasia”, explica.

Daí que desde julho usaram no viveiro três diferentes técnicas para baixar as temperaturas: Rede, folha de coco a cobrir os ninhos ou molhando regularmente a superficialmente a areia. Quando a desova terminar, no início de outubro, e depois de todos os ninhos eclodirem, em função das técnicas de maior sucesso contam adaptar a estratégia no próximo ano.

“É um balanço positivo, estamos a meio e esperamos que este sucesso continue”, garante o coordenador do projeto da Lantuna, que tenta também mobilizar a comunidade local para a preservação da espécie, quando outrora abatiam as tartarugas que chegavam para desovar para consumo de carne.

Entre os mais de 50 voluntários da Lantuna que monitorizaram até agora aquele viveiro, alguns já são da própria comunidade de Ribeira da Prata, envolvimento que não fica por aqui. Alguns voluntários, estudantes universitários na Praia, tal como Rafaela, ficam hospedados nas casas das famílias da aldeia.

“Com o projeto ‘Home Stay’, a estadia dos voluntários, dos coordenadores e dos supervisores é em casa das pessoas da comunidade. É uma forma de garantir um sustento extra das famílias, desencorajando a prática da apanha das tartarugas pelas famílias”, explica a voluntária.

Mas em Ribeira das Pratas, o resultado vai ainda além dos números ninhos e tartarugas lançadas ao mar.

“Este ano não tivemos nenhuma tartaruga morta [a desovar] nesta praia”, aponta Rafaela, sem esconder a emoção.

Cabo Verde tornou-se em 2020 no segundo mais importante ponto de desova de tartarugas marinhas, com o número de ninhos num recorde de quase 200.000, segundo dados do Governo.





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