Thorvald: O ouriço-cacheiro mais velho da Europa foi descoberto na Dinamarca
Em 2016, um projeto de ciência cidadã na Dinamarca pediu a todos os cidadãos que recolhessem todos os ouriços-cacheiros mortos que encontrassem. O objetivo? Estudar a longevidade média deste pequeno mamífero insetívoro.
Num artigo publicado na revista ‘Animals’, investigadores do Reino Unido e da Dinamarca alertam que o ouriço-cacheiro (Erinaceus europaeus) está “em declínio”, argumentando que “é vital monitorizar a perceber as dinâmicas populacionais desta espécie para otimizar iniciativas de conservação para proteger os ouriços na natureza”.
Mais de 400 pessoas aderiram ao apelo e recolheram 697 desses animais, um pouco por toda a Dinamarca, tanto em áreas urbanas como em áreas rurais. Desse total, os cientistas conseguiram determinar a idade de 388, através da mediação das linhas de crescimento periostal dos cadáveres. Um processo semelhante à determinação da idade de uma árvore ao contar os anéis de crescimento dos seus troncos.
Apesar de a idade média ter sido calculada nos 1,8 anos, os cientistas estimaram que um dos ouriços-cacheiros tinha 16 anos na altura da sua morte, fazendo dele o ouriço mais velho alguma vez confirmado pela ciência na Europa. Por ser único, batizaram-no postumamente com o nome ‘Thorvald’.
Até agora, o ouriço mais velho alguma vez encontrado tinha nove anos. Outros dois animais ocuparam também o ‘pódio etário’, com 13 e 11 anos, respetivamente.
Esses indivíduos são, realmente, únicos, uma vez que, além de a esperança média de vida ser de quase dois anos, cerca de 30% dos ouriços-cacheiros recolhidos terão morrido com um ano ou menos de idade. A maioria terá sido vítima de atropelamento, ao tentarem atravessar as rodovias que fragmentam os seus territórios naturais, uma ameaça também partilhada por muitos outros animais pelo mundo fora e que é considerada um dos maiores riscos à sobrevivência de várias populações.
Vídeo de ouriço-cacheiro a atravessar um pequeno ‘corredor ecológico’ por debaixo de uma rodovia, uma solução para evitar as mortes por atropelamento. Fonte: Hedgehog Street
Além desses, 22% dos espécimes recebidos pelos cientistas morreram em centros de reabilitação, depois de, por exemplo, terem sido atacados por outros animais, e outros 22% terão morrido de causa naturais.
Sophie Lund Rasmussen, da Universidade de Oxford e principal autora do artigo, diz que o primeiro ano de vida é o mais crítico para esta espécie e sugere que se os ouriços-cacheiros conseguirem sobreviver além dessa fase, é muito provável que atinjam idades bastante avançadas.
Para a cientista, os ouriços mais velhos são também os mais experientes, e se alguns conseguiram sobreviver ao primeiro ano das suas vidas “provavelmente terão aprendido a evitar perigos, tais como carros e predadores”.
A investigação revelou também que os machos têm uma taxa de sobrevivência superior à das fêmeas, algo que dizem ser invulgar no grupo dos mamíferos. Em contrapartida, são os machos que mais frequentemente morrem por atropelamento, especialmente em área rurais e durante o mês de julho, “que é o pico da época de acasalamento dos ouriços-cacheiros na Dinamarca”, explicam os especialistas.
Houve ainda outra descoberta que surpreendeu os especialistas. Ao contrário do que se observa noutras espécies, a endogamia, isto é, a reprodução entre indivíduos geneticamente próximos, não afeta a longevidade dos ouriços-cacheiros.
Na Dinamarca, a população de ouriços apresenta níveis baixos de diversidade genética devido à reprodução endogâmica. Isso pode reduzir a capacidade de uma população para se adaptar a mudanças ambientais e torná-la mais vulnerável a doenças hereditárias.
No entanto, não foi isso que se descobriu. “A nossa investigação indica que se os ouriços-cacheiros conseguirem sobreviver até à idade adulta apesar do alto nível de endogamia, que poderá causar várias condições hereditárias e potencialmente letais, a endogamia não reduz a sua longevidade”, afirma Sophie Lund Rasmussen. E isso são “notícias muito positivas do ponto de vista da conservação”, salienta.
De Portugal à Escandinávia, os ouriços-cacheiros vivem em zonas de floresta, em paisagens agrícolas, e até mesmo em zonas urbanas, especialmente em jardins. Ainda assim, apesar da ampla distribuição geográfica, estima-se que os seus números têm vindo a cair significativamente, embora não haja avaliações concretas sobre as dimensões populacionais a nível europeu.
Algumas análises apontam para que existam hoje menos de um milhão no Reino Unido, face aos cerca de 30 milhões que existiam no anos de 1950, sendo que desde só nos últimos 20 anos a população de ouriços nesse país terá contraído entre 30% e 50%.