50 anos do 25 de abril na área do ambiente: Qual a evolução da recolha e destino final dos resíduos sólidos?



De 24 a 26 de abril, a Green Savers aborda, com a ajuda de especialistas, a evolução de alguns setores da área do ambiente nestes 50 anos do 25 de abril. Para a Professora Cândida Rocha da Universidade Lusófona,  “historicamente, a gestão destes resíduos foi negligenciada, conduzindo a problemas ambientais graves, como a contaminação do solo, a contaminação das águas superficiais e subterrâneas e a poluição do ar”.

A também Diretora do Mestrado em Engenharia do Ambiente Faculdade de Engenharia, afirma que, quando analisamos os dados atuais dos relatórios anuais de resíduos urbanos em Portugal, verificamos que “estamos longe de uma situação ideal em termos de produção e de destino final e que os valores indicam que a ambicionada redução, quer para a produção quer para a deposição, não se tem verificado”.

Qual a evolução deste setor ao longo dos anos, nomeadamente o modelo de recolha, considerando a sua história, administração e legislação?

A evolução do setor da gestão de resíduos urbanos ao longo dos últimos 50 anos tem sido marcada por várias mudanças quer em termos de modelos de recolha, quer em termos de destino final. De acordo com o Regime Geral da Gestão de Resíduos (RGGR), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 102-D/2020, de 10 de dezembro, na sua redação atual, Resíduo Urbano (RU) é “o resíduo: i) de recolha indiferenciada e de recolha seletiva das habitações, incluindo papel e cartão, vidro, metais, plásticos, biorresíduos, madeira, têxteis, embalagens, resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos, resíduos de pilhas e acumuladores, bem como resíduos volumosos, incluindo colchões e mobiliário; e ii) de recolha indiferenciada e de recolha seletiva provenientes de outras origens, caso sejam semelhantes aos resíduos das habitações na sua natureza e composição”.

Historicamente, a gestão destes resíduos foi negligenciada, conduzindo a problemas ambientais graves, como a contaminação do solo, a contaminação das águas superficiais e subterrâneas e a poluição do ar. No final do século passado, em Portugal, estes resíduos ainda eram frequentemente encaminhados para lixeiras a céu aberto, resultando em impactes adversos quer para o ambiente, quer para a saúde humana.

No final do século passado e início deste século verificou-se uma transição para sistemas de recolha mais estruturados e eficientes. A introdução de sistemas de recolha seletiva permitiu a separação de resíduos recicláveis, como o papel, o plástico, o metal e o vidro, com potencial para reduzir a quantidade de resíduos enviados para aterros sanitários ou para incineração.

Contudo, quando analisamos os dados atuais dos relatórios anuais de resíduos urbanos em Portugal verificamos que estamos longe de uma situação ideal em termos de produção e de destino final e que os valores indicam que a ambicionada redução, quer para a produção quer para a deposição, não se tem verificado. Em 2022 (último ano de dados disponíveis na APA), Portugal produziu 5,3 milhões de toneladas de resíduos urbanos, um aumento de 0,24% em relação ao ano anterior. Isto significa que cada um de nós produz por dia 1,4 kg de resíduos. E os dados não são mais animadores quando olhamos para os valores da recolha, com 77% dos nossos resíduos a serem recolhidos indiferenciadamente o que significa que estamos a separar pouco mais de 20% dos resíduos que produzimos. Com taxas de recolha seletiva tão baixas não é, portanto, surpreendente que a maioria dos nossos resíduos vá parar aos aterros (57%) ou que sejam queimados em incineradoras (15%) deixando pouca margem para a reciclagem e a valorização orgânica através da compostagem ou da digestão anaeróbia com taxas muito baixas de 16% e 8% respetivamente.

É urgente pensarmos em mudanças significativas que possam contrariar esta tendência de estagnação verificada nas últimas duas décadas e que se evolua no sentido de uma correta gestão de resíduos fazendo uma gestão sustentável dos materiais, a fim de proteger, preservar e melhorar a qualidade do ambiente, proteger a saúde humana, assegurar uma utilização prudente, eficiente e racional dos recursos naturais, reduzir a pressão sobre a capacidade regenerativa dos ecossistemas, promovendo os princípios da economia circular.

Quais os maiores desafios ao longo destes 50 anos?

Ao longo dos últimos 50 anos, a gestão de resíduos enfrentou uma série de desafios significativos que moldaram a sua evolução. De entre os inúmeros desafios destaco a consciencialização da população sobre os impactes negativos da produção excessiva de resíduos e a importância da gestão adequada destes. Como o envolvimento ativo do cidadão é fundamental para o sucesso dos sistemas de gestão de resíduos existe a necessidade do reforço da educação ambiental que é uma ferramenta essencial na divulgação da hierarquia da gestão de resíduos, incentivando a promoção da prevenção, redução, reutilização e a reciclagem de resíduos. Precisamos de promover um maior envolvimento do cidadão, incentivando a sua participação ativa, auscultando as suas opiniões e preocupações por forma a refletir isso nas diversas estratégias. Os canais de comunicação devem ser claros, normalizados e acessíveis, para que o cidadão possa obter informações sobre a gestão de resíduos, esclarecer dúvidas e fornecer feedback sobre o sistema implementado na sua área de residência. Desenvolver programas de incentivo e recompensa para os cidadãos que se destacam pelo seu comportamento ambiental, nomeadamente na correta separação dos resíduos, é também uma das medidas que deve ser equacionada nas estratégias de envolvimento da população.

 Portugal enterra anualmente três milhões de toneladas de resíduos que podia aproveitar. Como é que se contorna esta situação?

Esta situação só poderá ser contornada através da implementação de várias estratégias que passem pela transição da atual economia linear para uma economia circular, na qual os resíduos são vistos como recursos que podem ser reutilizados, reparados ou reciclados para criar novos produtos. Pelo incentivo à produção e ao consumo sustentáveis, reduzindo a produção de resíduos e promovendo o design de produtos mais duráveis e facilmente recicláveis. Pelo aumento da recolha seletiva e a reciclagem investindo em programas de recolha seletiva abrangentes, incluindo a separação de resíduos recicláveis ao domicílio, empresas e instituições e promovendo a sensibilização pública sobre a importância da reciclagem fornecendo informações claras sobre como e onde os resíduos podem ser separados e reciclados. Pelo investimento em tecnologias de tratamento de resíduos recolhidos seletivamente como a compostagem ou a digestão anaeróbia.

A título de exemplo falemos dos resíduos de natureza orgânica que produzimos diariamente através do desperdício alimentar . A Agência de Proteção do Ambiente dos EUA criou uma Hierarquia de Recuperação de Alimentos, composta por seis níveis. De acordo com esta hierarquia, a prevenção deve ser priorizada em relação à reutilização, reciclagem e recuperação. O 1º nível “Redução na Fonte”, tem como objetivo minimizar o desperdício alimentar em todas as etapas, desde a produção até ao consumidor final. O 2º nível “Alimentar Pessoas Carentes”, foca-se na promoção de campanhas de doação para pessoas/instituições sociais. Este nível visa ao reaproveitamento eficaz de excedentes alimentares cuja qualidade se encontra intacta. O 3º nível “Alimentação de Animais”, inclui ações para o reaproveitamento dos resíduos alimentares que não são adequados para o consumo humano, mas que podem ser convertidos em produtos nutritivos para alimentação animal. O 4º nível “Uso Industrial”, sugere a adoção de práticas de reciclagem industrial, através de iniciativas que abordem as questões ambientais e económicas possibilitando a produção de energia, biomassa, fertilizante líquido, etc. O 5º nível “Compostagem”, visa o desenvolvimento de projetos para transformação dos resíduos alimentares em adubo orgânico. Por último, o 6º nível “Incineração ou Aterro”, corresponde ao destino ou eliminação dos resíduos alimentares que não puderam ser reaproveitados de forma alguma ao longo do processo. Sabendo que os biorresíduos, em Portugal, representam a maior fatia da caracterização física média dos RU (39%) esta hierarquia é um excelente exemplo de como poderemos desviar os resíduos da deposição em aterro.

Se não implementarmos ações com mudanças positivas rumo ao futuro que queremos, o planeta chegará a um ponto sem volta em termos de aquecimento global, poluição e degradação dos recursos naturais, considera-se otimista sobre a possibilidade de, em Portugal especificamente, conseguirmos ter uma boa e sustentável evolução neste setor?

A questão da sustentabilidade é, sem dúvida, crucial e a sua urgência não pode ser subestimada. Apesar de todos os desafios que enfrentamos penso existir um enorme potencial para que Portugal consiga fazer uma favorável e sustentável evolução.

No entanto, é importante reconhecer que ainda há muito trabalho a ser feito. Portugal enfrenta desafios persistentes, entre eles a gestão eficaz dos resíduos, a mitigação e adaptação às alterações climáticas, a proteção da biodiversidade e a promoção de práticas agrícolas mais sustentáveis.

Porém, o otimismo reside na capacidade das pessoas e das instituições em Portugal reconhecerem a importância da sustentabilidade e de trabalharem em conjunto a fim de alcançarem um futuro que envolva a utilização dos recursos disponíveis de forma racional e consciente, sem comprometer sua disponibilidade para as gerações futuras.

A necessária e urgente transição para uma economia verdadeiramente sustentável exigirá esforços contínuos, políticas eficazes e cooperação entre diferentes setores da sociedade. A colaboração entre o governo, empresas, organizações não governamentais e cidadãos é crucial para alcançar um modelo económico que equilibre o crescimento com a preservação ambiental e o bem-estar social.

Mediante os desafios e a urgência da sustentabilidade deveremos trilhar um caminho de esperança e ação e despertar a consciência coletiva em prol de um futuro mais equilibrado e consciente. O otimismo floresce já que a mudança é possível quando todos contribuem. Portugal deverá redigir um novo capítulo, onde o desenvolvimento sustentável emerge como protagonista.





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