Como nasceu a Sociedade Ponto Verde?
Em 1985, a Logopaste promoveu em Bruxelas, na Bélgica, a criação de um grupo de fabricantes de embalagens de plástico, a PLASTEUROPAC (Associação Europeia de Fabricantes de Embalagens de Plástico). No mesmo ano surgiria a versão portuguesa da associação. “Esta organização preparou a transposição para a legislação portuguesa da directiva europeia que surgiu nesse ano, relativa a embalagens para líquidos alimentares”, explicou à revista Recicla, em 2011, Marcel de Botton, fundador e presidente da Logoplaste.
Quatro anos depois, em 1989, esta entidade colaborou com a então Direcção-Geral de Qualidade (DGQA) para transpor a directiva para a realidade portuguesa – nesse ano, o Conselho de Ministros estabeleceria o Programa Nacional Relativo às Embalagens para Líquidos Alimentares. Mais tarde foi criado o GIR (Grupo Intersectorial da Reciclagem), inicialmente orientado para os plásticos mas cujo objectivo era dinamizar circuitos de recolha selectiva, assim como a promoção, investigação e desenvolvimento de técnicas e processos de reciclagem.
Com a Logoplaste sempre a liderar este processo, o GIR iniciou a actividade em Janeiro de 1990. “Em Dezembro assinámos um protocolo com a DGQA relativo à poupança de energia na produção de embalagens plásticas e, no ano seguinte, estabelecemos o primeiro acordo voluntário relativo à resolução do Conselho de Ministros, que incluía o objectivo de reciclar 400 toneladas de embalagens”, explicou Marcel de Botton. “É um número que hoje dá vontade de rir, mas foi um passo essencial para que, mais tarde, surgisse a Sociedade Ponte Verde (SPV)”, refere Marcel de Botton. Estavam lançadas as bases da criação da SPV, em 1998.
Junta-se Manuel de Mello
Nessa entrevista de Setembro de 2011, Marcel de Botton explica que convidou várias pessoas para presidirem a SPV. Todas recusaram. “Não sentiram vontade de trabalhar para o conjunto”, avançou. Até que chegou ao nome de Manuel de Mello. “Mandei este senhor dar uma volta porque pensei que estava a brincar comigo”, gracejou o presidente da Nutrinveste à mesma revista.
“Não estava a par destes assuntos, que [até] já eram correntes na Europa, mas depois percebi que tinham a ver com a minha actividade na Compal, Frize, Sovena, Triunfo e Nutricafés”, revelou Manuel de Mello, que aceitou o convite com relutância.
O primeiro grande desafio de Manuel de Mello foi levar os interesses comuns a ultrapassar as naturais quezílias entre os accionistas da SPV: Embopar (Associação de Embaladores), Dispar (Associação de Distribuidores) e Interfileiras (Associação das Fileiras de Material). “As três fileiras tinham um objectivo comum, que era atingir as metas europeias de reciclagem. Durante muitos anos conseguiu-se unir embaladores, fileiras e distribuidores”, continuou Manuel de Mello.
Manuel de Botton lembra os “momentos de atritos que surgiram” em alguns momentos, mas também o jeito conciliar de Manuel de Mello.
O primeiro ecoponto…
Em 1991, o GIR colocou o primeiro contentor para recolha selectiva de embalagens de plástico, em Espinho. No ano seguinte foi feito o alargamento para outros materiais – papel e metal – e a assinatura do segundo acordo voluntário. E em 1993 surge a primeira visita de estudo aos sistemas de recolha e centros de triagem de Barcelona e Dunquerque.
Finalmente, em 1996, o GIR propôs à Centromarca (Associação Portuguesa das Empresas de Produtos de Marca) colaborarem no projecto de uma entidade responsável pelo SIGRE (Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens): a futura SPV.
… e a primeira recolha
Para implementar medidas que cumprissem a directiva europeia, era necessário adaptar o sistema de reciclagem à realidade portuguesa. A primeira experiência de recolha selectiva de embalagens decorreu em 1994, na freguesia de Queijas, em Oeiras. “Um grupo de estudantes visitou 2.000 moradores de Queijas e verificou que havia lares em que era difícil separar as embalagens, porque não havia espaço nas cozinhas para colocar três sacos”, relembrou Marcel de Botton.
É aqui que surge o papel fundamental da sensibilização dos consumidores. “Se dizíamos às pessoas unicamente para separarem, elas não o faziam”, continuou Botton. Nos últimos 19 anos, a SPV investiu €50 milhões em campanhas de sensibilização dos portugueses para a reciclagem – incluindo a recente Missão Reciclar, que já entregou 340.000 ecopontos domésticos.
A importância da sensibilização
Os primeiros anos de SPV – e até nos anos anteriores – permitiram à equipa de gestão perceber que é preciso um grande investimento na sensibilização. “Era preciso explicar às pessoas [por que elas deveriam reciclar]. Elas tinham de perceber que, em vez de as embalagens irem para aterro, todos ganharíamos se [elas] fossem recicladas e transformadas em novos produtos. Ainda hoje [2011] a luta da SPV é passar esta mensagem”, explicou Marcel de Botton.
Manuel de Mello concorda e diz que, “se [a SPV] abrandar a comunicação, há quem deixe de interiorizar a necessidade de reciclar”. Nos últimos 19 anos, explicou há dias Luís Veiga Martins, a SPV investiu 5% a 7% do seu orçamento global em comunicação – e são estes números, na opinião dos responsáveis da SPV, que têm levado Portugal a cumprir duas das metas europeias de reciclagem, em 2005 e 2011.
A criação da VERDORECA
Um dos exemplos mais paradigmáticos da importância da existência da SPV ocorreu em 1998, quando o Ministério do Ambiente pretendeu obrigar o canal HORECA (hotéis, restaurantes e cafés) a utilizar embalagens retornáveis. A medida afectava vários empresários.
“O responsável da água do Luso no conselho de administração da SPV era contra porque exigia muita água para a lavagem – cerca de cinco litros de água do Luso para lavar uma garrafa de um litro. Além de não terem essa quantidade de água, a limpeza tinha de ser feita no mesmo local, o que implicava mais custos de transporte”, relembrou Manuel de Mello.
A conversa da SPV com o secretário de Estado do Ambiente suspendeu para sempre a entrada em vigor da legislação, mas a situação levou à criação da VERDORECA, contrato que a SPV estabelece com o canal HORECA no qual se compromete a colocar no ecoponto as embalagens não reutilizáveis.
Os resultados
Trinta anos depois de a Logoplaste ter começado a construir os alicerces de uma entidade que, onze anos mais tarde, se veio de chamar Sociedade Ponto Verde, ela continua com a missão bem definida de promoção da recolha selectiva, retoma e reciclagem de embalagens em Portugal. Mas tudo isto não faria sentido sem resultados: os mais recentes apontam que mais de dois terços das famílias já fazem a separação doméstica de embalagens usadas e resíduos (71%), em Portugal, sendo que 59% delas já o faz de forma total – em Lisboa, anunciou a SPV nos últimos dias, esta percentagem sobre para os 79%.
A principal razão detalhada pelos portugueses para a não-separação tem como pano de fundo a falta de recipientes próprios para o efeito (78%), a carga excessiva de trabalhos voluntários exigida à família (45%) e a distância dos ecopontos face ao lar (37%). O futuro faz-se com esperança, mas com a certeza de que ainda há muito a fazer para que Portugal separe todos os resíduos quanto os possíveis.
Este artigo faz parte de um trabalho especial sobre Resíduos, publicado durante o mês de Junho e promovido pela Sociedade Ponto Verde. Todas as sugestões de temas podem ser enviadas para info@greensavers.sapo.pt. Siga a SPV no Facebook, YouTube, Pinterest ou Linkedin e assine a sua newsletter.