Associação Zero acusa Comissão Europeia de encobrir químicos prejudiciais à saúde pública
A Comissão Europeia (CE) publicou ontem uma proposta de critérios para identificar as substâncias químicas que interferem, ou podem interferir, com o sistema hormonal, os habitualmente designados, desreguladores endócrinos.
Mas a proposta não é consensual. Segundo a Associação Zero, o nível de prova necessário para classificar uma substância como um desregulador endócrino é de tal modo elevado que tal só será possível “quando os impactos na saúde e no ambiente forem já uma realidade, algo que é contrário aos princípios seguidos na União Europeia”.
“A proposta apresentada terá consequências nocivas para a saúde humana e o ambiente”, continua a Zero, que a considera “inconsistente e incoerente com a estratégia de identificação por níveis aplicável a outras categorias de substâncias, como as carcinogéneas, mutagénicas ou tóxicas para a reprodução, tendo em conta o nível de evidência”.
Durante o processo de consulta pública promovido pela CE, a maioria dos participantes defendeu a opção das múltiplas categorias de classificação como a melhor forma de usar a ciência para proteger a saúde humana, o mesmo acontecendo com os especialistas neste campo.
Agora, Portugal e todos os restantes países europeus têm a oportunidade de alterar esta proposta ao nível do Conselho Europeu e do Parlamento Europeu, no sentido de reforçar a protecção da saúde humana e de respeitar o consenso científico existente sobre o tema.
Desreguladores endócrinos
O sistema hormonal desempenha inúmeras funções no corpo humano durante todo o ciclo de vida e, em particular na infância, na puberdade ou durante a gravidez. Trata-se de um sistema que regula funções vitais como o crescimento, a resposta ao stress, o desenvolvimento sexual, o comportamento, a produção e utilização da insulina, o ritmo do metabolismo, a inteligência e a capacidade de reprodução.
Neste contexto, as substâncias que podem interferir com este sistema podem ter um amplo impacto na saúde humana em relação a doenças tão graves quanto o cancro, a diabetes, os problemas de desenvolvimento e capacidade de aprendizagem, as doenças cardiovasculares, a obesidade ou a infertilidade (entre muitas outras) e cujos custos anuais estimados para a UE são na ordem dos €158.000 milhões.
Segundo a Zero, há dois elementos que distinguem os desreguladores endócrinos de outros químicos, a dose e o momento de exposição ao químico. Os efeitos de desregulação endócrina podem ocorrer com doses muito baixas e estes podem ser mais preocupantes do que os resultantes de dosagens maiores; no segundo caso, existem períodos de vulnerabilidade durante os quais a exposição a estas substâncias pode ser particularmente grave (segundo os estudos as fases mais críticas são a gestação e os primeiros meses de vida) e podem ter efeitos apenas a muito longo prazo.
O histórico
A proposta publicada agora já deveria ter sido apresentada há três anos, no seguimento de uma obrigação decorrente da legislação sobre pesticidas e biocidas que visava, no essencial, prevenir os impactos na saúde induzidos pela interferência dos desreguladores endócrinos no sistema hormonal.
“Este enorme atraso na publicação valeu à CE uma condenação pelo Tribunal Europeu, pelo Conselho e pelo Parlamento Europeus e ficou a dever-se, no essencial, à pressão dos lobbies da indústria e para facilitar a negociação de um acordo comercial (a conhecida parceria Transatlântica de Comércio e Investimento – TTIP no original) com os EUA”, explica a Zero. “[Estes] são ferozes opositores da aplicação do princípio da precaução (que é parte integrante dos tratados europeus), mesmo que a sua aplicação vise a protecção da saúde humana, como é o caso”.
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