Livro Vermelho dos Mamíferos: Investigadores sugerem medidas de protecção das espécies selvagens
O projeto “Revisão do Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental e Contributo para a Avaliação do seu Estado de Conservação” foi lançado em 2019, e tem como objetivo fazer uma avaliação global do estado de conservação das espécies. Através deste estudo, será possível estabelecer medidas e ações no âmbito da sua proteção.
De acordo com os investigadores, foi possível verificar durante os trabalhos de campo que os mamíferos continuam a enfrentar grandes desafios para sobreviver. O coelho-bravo, do qual dependem muitos predadores ameaçados como o lince-ibérico ou a águia-imperial-ibérica, sofreu um declínio acentuado nos últimos anos. O arminho, por sua vez, ainda não foi visto, e a marta, o toirão e o gato-bravo, apenas foram detectados em alguns locais.
Em relação às espécies-alvo de morcegos, encontram-se classificadas com Informação Insuficiente (DD). As espécies mais raras registadas estão diretamente relacionadas com a sua ocorrência esparsa no território nacional, dificultando a obtenção de registos, como é o caso do morcego-arborícola-grande (Nyctalus noctula), ou espécies que foram descritas para o nosso território muito recentemente (em 2020), como o morcego-de-bigodes de Alcathoe (Myotis alcathoe) e o morcego-de-franja-criptico (Myotis crypticus).
Por outro lado, surge uma boa novidade: foi descoberta a reprodução do morcego-hortelão-claro (Eptesicus isabellinus) no Baixo Alentejo, por uma equipa de técnicos do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). É a maior colónia conhecida desta espécie no sul do país. Foram também registadas espécies classificadas com estatuto de ameaça no Livro Vermelho em 2005 como, por exemplo, a toupeira-deágua (Galemys pyrenaicus) e o rato de Cabrera (Microtus cabrerae).
“As medidas desenhadas para proteger os morcegos (quirópteros) deverão passar, em primeiro lugar, por minimizar as ameaças, nomeadamente a perda, degradação e fragmentação de habitat, através da mitigação e compensação dos impactes associados a grandes empreendimentos como as barragens e autoestradas, a expansão urbana e industrial, diminuição do uso de pesticidas, a criação pontos de água em zonas florestais e/ou na sua envolvente, a promoção da agricultura e pastoreio extensivos como práticas sustentáveis e a proteção e aumento da disponibilidade de refúgios, através do controlo de atividades humanas nos abrigos subterrâneos com relevância para a conservação de morcegos”, defende Paulo Barros, investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).
Relativamente aos mamíferos carnívoros e ungulados, Nuno Negrões, investigador do CESAM da Universidade de Aveiro, explica que se conhece “muito pouco sobre o estado de algumas populações e como não existe um programa de monitorização a longo-prazo (excepto no caso do lobo e do lince) é difícil identificar o impacto imediato de alguns factores que podem causar o decréscimo das populações”. Algumas destas espécies, como por exemplo, a cabra montês na região do Parque Nacional Peneda-Gerês, têm populações circunscritas a certas áreas em Portugal. “Enquanto investimos em conhecer mais sobre estas espécies, é também importante trabalhar na divulgação e educação para que toda a sociedade saiba da ocorrência destas espécies, da sua importância e porque temos que as preservar”, salienta Nuno Negrões.
Também os mamíferos marinhos são mencionados na preocupação dos investigadores. Como refere Marisa Ferreira, da Mesocosmo, fatores como “a captura acidental em artes de pesca de algumas espécies de cetáceos (boto e golfinho-comum), especialmente nos sítios Natura 2000 definidos para a proteção de cetáceos”, “a poluição dos ecossistemas marinhos”, “as obras hidráulicas marinhas e novas formas de utilização do mar (produção de energia eólica e outras fontes de energia renovável)”, “a observação da vida selvagem, se não cumprir com as regras definidas”, podem ser fatores de ameaça.
A investigadora sugere, como medidas de proteção, uma monitorização contínua das capturas acidentais, a implementação e avaliação de medidas de mitigação das mesmas e a monitorização do cumprimento dos regulamentos aplicados.
Por fim, os pequenos mamíferos são também um caso a destacar. “Apesar da sua diversidade e importância ecológica, existe ainda um desconhecimento considerável sobre a situação de muitas espécies de pequenos mamíferos em Portugal”, considera Ricardo Pita, investigador da Universidade de Évora. “Isso mostra a importância de projetos como o da revisão do Livro Vermelho para tentar colmatar estas lacunas, assim como a necessidade de mais estudos que permitam avaliar alterações na distribuição e tendências populacionais de pequenos mamíferos”.
“A manutenção de um mosaico de habitats diversificado, de regimes de pastoreio extensivo e a promoção da conectividade entre microhabitats”, são para o investigador as principais medidas para proteger estas espécies. “Paralelamente, também será necessário o desenvolvimento de estudos de longo termo que permitam a monitorização das populações e assim uma identificação mais informada sobre as respostas das espécies às alterações ambientais, locais e globais”, conclui.
Os trabalhos de campo no âmbito da “Revisão do Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental e Contributo para a Avaliação do seu Estado de Conservação”, irão decorrer até ao final do ano. Acompanhe o projeto no site.