Ali Tabrizi: “Os oceanos estão a morrer e todos somos cúmplices”



O documentário ‘Seaspiracy’ chegou à Netflix no ano passado e pretende ser uma chamada de atenção para os impactos profundos da atividade humana nos oceanos em todo o mundo, destacadamente fruto da pesca à escala industrial, e um apelo à ação para proteger os ecossistemas e a biodiversidade marinha.

O realizador, Ali Tabrizi, falou com a ‘Green Savers’ sobre a longa-metragem e sobre a urgência de as sociedades humanas mudarem a forma como consomem para garantir a sobrevivência dos mares e de todas as formas de vida que deles fazem os seus habitats naturais.

“Os oceanos estão a morrer e todos somos cúmplices”. Foram estas palavras que o documentarista e ativista ambiental escolheu para descrever a essência do que emana do ‘Seaspiracy’. Tabrizi explicou-nos, à margem do Planetiers World Gathering que decorreu no final de outubro em Lisboa, que o dinheiro dos contribuintes de todo o mundo está a financiar a pesca industrial que é um dos principais motores da destruição dos oceanos, dinheiro esse que depois “os governos usam para subsidiar a indústria piscatória”, um montante que estima que atualmente se cifre nos 35 mil milhões de dólares todos os anos.

“Estamos a financiar uma indústria que agem mais como um cartel do que como uma indústria bem-intencionada que pretende alimentar o planeta”, afirmou, apontando que se tem assistido a uma rápida queda da vida marinha nos oceanos e responsabilizando a pesca industrial como a grande causa desse declínio.

“Vemos que 90% dos grandes peixes nos oceanos desapareceram”, alertou Tabrizi, indicando-nos que essas são as espécies que ocupam um maior lugar nos regimes alimentares humanos um pouco por todo o mundo. “Seis das sete espécies de tartarugas marinhas estão ameaçadas ou em perigo como resultado da indústria da pesca” e uma porção significativa da poluição de “vastas porções do oceano” por plástico deriva dessa atividade em larga escala, acusa o ativista e realizador, que explica que estudos recentes descobriram que 86% da ‘Grande Ilha de Lixo’ no Pacífico era constituída por material de pesca descartado, abandonado ou perdido.

Nas praias europeias, Tabrizi indicou que, pelo menos, 40% do lixo encontrado nessas áreas advém das atividades piscatórias industriais.

Para se poder responder a esse problema e proteger os oceanos do mundo, defende um dos grandes eixos de ação deve ser “o que escolhemos comer”, argumentando que “temos de mudar para uma dieta à base de plantas o máximo possível”. Reconhece que para algumas pessoas isso pode acontecer “de um dia para o outro”, mas admite também que “para outras, poderá levar alguns meses para se adaptarem a comer diferentes tipos de alimentos”.

Para Tabrizi, essa transformação do padrão de alimentação é a ação “mais importante” que podemos tomar, porque outras estão mais dependentes da esfera dos governos, cujos “históricos de cumprimento de promessas não tem sido o melhor”.

Assim, no que toca a quem tem nas mãos as rédeas do poder e a capacidade para aplicar mudanças de cima para baixo, o realizador relatou-nos que uma das principais e mais urgentes medidas que devem ser implementadas é o corte dos subsídios à pesca industrial. “Gostava que os governos deixassem de usar dinheiro dos contribuintes para financiar a destruição dos nossos mares”, que deveria, ao invés, ser canalizado para a implementação de área de recuperação dos ecossistemas e da vida marinhos.

Outro dos três grandes eixos passa pela proteção de 30% dos oceanos de todo o mundo, para que se possam tornar “áreas marinhas protegidas, que, de facto, excluam a indústria da pesca”. Afirmando que, nos dias de hoje, “apenas 5% dos mares mundiais são áreas marinhas protegidas”, num planeta em que 70% da superfície está coberta por oceanos. Tabrizi lamenta que, contudo, desses 5% protegidos atualmente, somente cerca de 0,4% são áreas marinhas protegida que, realmente, excluem atividades piscatórias.

“Se queremos proteger os mares, temos de excluir a pesca”, sentenciou, acrescentando que temos de expandir as áreas marinhas protegidas até 30% até ao final desta década. Hoje, tal “não é possível, porque não existe a vontade política suficiente para fazê-lo, nem a pressão pública suficiente”, disse Tabrizi, indicando que as medidas atualmente estabelecidas, por exemplo, pela União Europeia, para proteger 30% dos ecossistemas marinhos até 2030 poderão não surtir qualquer efeito se a pesca continuar a ser permitida dentro das áreas de proteção.

Recuperando o tema da alimentação, o ativista afirmou que “hoje não existe tanta vida marinha porque a comemos” e que “se queremos ter mais vidas nos mares então temos de parar de comê-la”. E defende que não quer que essa mudança seja motivada por medo, vergonha ou por algum sentimento de culpa, mas sim porque querem verdadeiramente proteger os mares e a vida que neles habita.

“Acredito realmente que as pessoas podem mudar”, sublinhou Tabrizi, que nos explicou que quando o documentário ‘Seaspiracy’ estreou a equipa recebeu diversos emails de pessoas de todo o mundo, incluindo de comunidades que estavam dependentes da pesca, que lhes diziam que, depois de terem visto o filme, estavam a mudar as suas dietas e a abandonar o consumo de peixe.

“Gostava que o ‘Seaspiracy’ não fosse apenas um breve momento de entretenimento na Netflix, mas que fosse um catalisador para mudanças futuras.”

Tabrizi acredita que muitas pessoas perderam a esperança no que à proteção dos oceanos diz respeito, porque “alguns maus ‘players’ no espaço da conservação fazem promessas verdadeiramente enganadoras”, e isso “erode a esperança, é contraprodutivo”.

“A razão pela qual ainda tenho esperança é porque existe um problema global que cuja solução pode ser resumida em três palavras: parar, desinvestir, proteger”, argumentou Tabrizi, apontando que nem todos os problemas globais podem ser resolvidos de forma tão simples.

Explicando que o alto mar é um bem global, que não é de ninguém mas, ao mesmo tempo, é de todos, “é muito mais fácil aplicar leis que realmente podem ajudar a proteger os oceanos, do que seria, por exemplo, para proteger a floresta tropical da Amazónia”, que está inscrita nas fronteiras de Estados soberanos.

Tabrizi relata-nos que, apesar de ter começado a realizar o documentário com um espírito mais pessimista, terminou mais esperançoso, assinalando que pôde olhar de forma mais compassiva para a pesca e que o pescador “tem uma família que está a tentar alimentar” e que no âmbito da conservação pode haver alguma “demonização” desses trabalhadores. Dessa forma, no que toca à pesca, não podemos apenas ver as grandes empresas, temos também de percecionar as pessoas que fazem parte dessa realidade e que, em última análise, são somente pequenas partes da máquina industrial piscatória que procuram subsistir.

Tabrizi acredita que eventos como as cimeiras mundiais ambientais, como a COP 27 que se realiza este mês no Egipto, “são mais ‘greenwashing’ do que verdade”, e que nenhum país será realmente capaz de cumprir as metas de neutralidade carbónica, e que ao invés optarão por fazer passar a ideia de que as alcançaram.

“Acho que daqui a 30 anos vamos olhar para trás e questionar-nos por que é que desperdiçámos tanto dinheiro” em atividades destrutivas dos oceanos e do planeta e “vamos arrepender-nos de não termos feito mais para proteger ecossistemas inteiros”.

O ‘Seaspiracy’, assim, pela voz do próprio criador, não pretende fazer com que as pessoas ajam e mudem hábitos de consumo e as suas próprias mundivisões através do medo, mas pretende ser uma fonte de inspiração para a transformação de que precisamos para escudar os oceanos e toda a vida neles contida face às atividades humanas destruidoras que ameaçam a vida selvagem e podem colocar em xeque a própria humanidade.





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