COP15: Acordo global para a biodiversidade é “absolutamente vital” mas “ainda há bastantes incertezas”
A cimeira global da biodiversidade, a COP15, deverá terminar, se não houver adiamentos, na próxima segunda-feira, dia 19, e espera-se que as delegações dos vários Estados que são parte da Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica (CDB) alcancem um acordo para travar e reverter a perda de natureza, inaugurando uma nova era na relação entre as sociedades humanas e o mundo que as rodeia.
Diretamente de Montreal, no Canadá, onde decorre a COP15, Francisco Ferreira, da organização ambientalista Zero, contou à ‘Green Savers’ que, embora já muitos passos importantes tenham já sido dados, ainda vários pontos continuam em aberto.
O acordo que se espera que resulte da cimeira, conhecido como Quadro Global para a Biodiversidade Pós-2020, “é um acordo absolutamente vital” e “é realmente um acordo muito extenso, cobrindo muitas áreas”, disse o dirigente ambientalista.
“Temos várias crises, como a climática, a da biodiversidade, a dos recursos, e estão todas interligadas”, afirmou, pelo que “se nós queremos efetivamente salvaguardar o planeta para as próximas gerações não nos basta olharmos apenas para uma delas”. Por isso é preciso uma “visão integrada, não apenas dos conceitos, mas também da própria implementação”.
“Nesta altura, muito do documento já está construído e consolidado, mas algumas partes-chave do documento estão ainda em aberto”, detalhou Francisco Ferreira, e conceitos como o da ‘Mãe Natureza’ ainda estão a ser debatidos, bem como ainda se discute se se deve utilizar soluções baseadas na natureza e o que realmente constitui uma ‘área de conservação da natureza’ e se nelas é possível explorações consideradas sustentáveis.
A questão do financiamento é outra que marca fortemente a agenda das negociações em Montreal e que Francisco Ferreira assumiu ser “fraturante”.
Tal como sucedeu na cimeira climática do mês passado no Egipto, a COP27, em que os países mais afetados pelas alterações climáticas pediram um fundo para compensá-los por perdas e danos causados por eventos climáticos extremos, é agora também pedido na COP15, pela voz das nações em desenvolvimento, que frequentemente são também as mais biodiversas, a criação de um fundo para financiar a conservação e recuperação da biodiversidade.
No entanto, o ambientalista reconheceu que “não é certo que a criação de um fundo”, que demoraria cerca de dois anos até entrar em funcionamento, “seja a melhor opção”. Ainda assim, disse que seria “um sinal político muito importante para os países em desenvolvimento”, permitindo recuperar alguma da confiança perdida entre os dois hemisférios.
As divergências entre os chamados Norte e Sul globais, categorias que agrupam os países mais ricos e os países mais pobres, respetivamente, continuam a ser bastante visíveis nesta COP15, tal como também foram na COP do clima. Mas também no grupo dos países em desenvolvimento existem divergências, com alguns deles a preferirem não se comprometerem com determinadas medidas de proteção de áreas para a conservação da biodiversidade, que podem colidir com os seus próprios projetos nesse âmbito.
Francisco Ferreira destacou, contudo, que o verdadeiro problema poderá estar na tentativa de baixar a fasquia dos objetivos globais e diluir a ambição de um acordo abrangente para a biodiversidade para ser possível alcançar consensos entre as partes em desacordo.
“Esse é que é o verdadeiro problema”, salientou, e disse que algumas das áreas que deveriam ser acordadas nesta cimeira podem mesmo vir a ser relegadas para momentos posteriores, precisamente porque sobre elas não foi possível chegar a um entendimento. Como a COP da biodiversidade só reúne de dois em dois anos, isso significará “um atraso que era de evitar, porque já estamos numa situação de urgência”.
“Este é realmente um acordo fantástico e decisivo se o conseguirmos levar para a frente”, mas o dirigente ambientalista sugeriu que devemos esperar para ver que resultados sairão dos próximos três dias de negociações que restam até ao final da cimeira.
No que toca ao objetivo de proteger pelo menos 30% das áreas marinhas e terrestres do planeta, um dos principais eixos do Quadro Global, alguns observadores consideram que tal não poderá ser concretizado sem que, ao mesmo tempo, sejam protegidos os direitos dos povos indígenas e das comunidades locais às suas terras.
A esse respeito, Francisco Ferreira disse estar de acordo com essa associação de ideias, mas avisa que é preciso ter “cuidado”, pois “a questão dos povos indígenas e das comunidades locais tem de ser um acrescento aos 30% de áreas do ponto de vista da conservação da natureza”.
Caso contrário, argumentou o responsável, podemos não alcançar os objetivos de proteção desejados, pois as áreas hoje ocupadas por povos indígenas perfazem já quase os 30%, pelo que arriscamos deixar de lado “os ecossistemas fundamentais que precisamos de salvaguardar, porque, entretanto, já atingimos os 30% com a área das comunidades locais e dos povos indígenas”.
“Portanto, temos que conseguir juntar as duas coisas, não perdendo de vista os 30% em termos de conservação da natureza, e acrescentar estas outras áreas dos povos indígenas e comunidades locais.”
Francisco Ferreira apontou que é precisamente sobre estes detalhes que é extremamente difícil chegar a um consenso e a uma formulação textual e conceptual que agrade a todos.
Quanto às expectativas para o que resultará da COP15, o presidente da Zero disse-nos que são “positivas, porque já se avançou muito” e que os pontos sobre os quais já se conseguiu chegar a acordo são algo de “muito significativo”. Ainda assim, afirmou que são expectativas “cuidadosas”, visto que as negociações ainda não estão concluídas e que “ainda há bastantes incertezas” e que “é difícil ter um prognóstico sobre o êxito, ou não, da conferência”.
“Oxalá consigamos ultrapassar as grandes barreiras que neste momento subsistem, a muitos níveis e sobre muitas metas, e que são de difícil concertação”, admitiu Francisco Ferreira, acrescentando que espera que a necessidade de consensos e de cedências “não reduza o que são os princípios fundamentais de salvaguarda do planeta, com a pessoas e também para as pessoas”.