Microplásticos causam proliferação de bactérias nocivas nos organismos das aves marinhas
Partículas microscópicas de plástico com menos de cinco milímetros, conhecidas como microplásticos, são hoje consideradas um dos maiores poluentes e uma das maiores causas da degradação dos ecossistemas e da biodiversidade.
Devido às suas dimensões diminutas, os microplásticos podem ser ingeridos por uma grande variedade de animais, entrando nas teias tróficas e espalhando-se desde as mais pequenas presas até aos maiores predadores, incluindo os humanos. Essas partículas são, geralmente, fruto da degradação de materiais sintéticos de maiores dimensões, como as fibras que compõem os tecidos das roupas que usamos, por exemplo, e que através da lavagem acabam por chegar aos ecossistemas aquáticos, tendo já sido detetadas em praticamente todas as regiões do mundo, incluindo nas profundezas dos oceanos e na Antártida.
Vários estudos já indicam que a ingestão de partículas de plástico pode causar a subnutrição dos animais, dando uma falsa sensação de saciedade e preenchendo grande parte do volume do estômago com detritos sintéticos, alterar a química do sangue e provocar lesões físicas nos órgãos internos.
Agora, uma nova investigação científica, divulgada num artigo publicado esta semana na revista ‘Nature Ecology and Evolution’, revela os verdadeiros impactos da ingestão dessas partículas de material sintético no funcionamento do sistema intestinal das aves marinhas.
Gloria Fackelmann, da Universidade de Ulm, na Alemanha, e principal autora do artigo, lamenta que hoje sejam poucas as medidas que permitam efetivamente combater a poluição por microplásticos à escala global, argumentando que tal poderá dever-se ao facto de “atualmente existirem poucas evidências de que as quantidades de microplásticos que estão já presentes no ambiente têm um impacto negativo na saúde das espécies afetadas”. Por isso, este estudo assume uma grande importância na luta contra a proliferação desses poluentes sintéticos.
Nesta investigação, que contou também com a participação de Christopher Pham e Yasmina Rodríguez, da Universidade dos Açores, os cientistas analisaram o microbioma intestinal de duas espécies de aves marinhas: o fulmar-glacial (Fulmarus glacialis) e a cagarra (Calonectris borealis).
Ambas as espécies habitam sobretudo o alto-mar e alimentam-se de moluscos, de crustáceos e de peixes, e percorrem milhares de quilómetros ao longo de todo o ano, o que permite aos investigadores tirarem conclusões de âmbito global sobre a presença e as consequências dos microplásticos nos mares e oceanos do mundo.
Os cientistas extraíram e examinaram os microplásticos contidos no trato intestinal de 85 aves mortas e perceberam que essas partículas sintéticas minúsculas alteraram o universo de microorganismos (o bioma) que costumam caracterizar os intestinos dos indivíduos dessas duas espécies. Quanto maior era a quantidade de microplásticos, menor era a quantidade de bactérias benéficas e maior a presença de micróbios prejudiciais, que podem causar doenças e que são resistentes à ação dos antibióticos.
Algumas bactérias e organismos de maiores dimensões evoluíram em conjunto, estabelecendo relações de simbiose e interdependência essenciais para a sobrevivência de ambos. Assim, sem os microorganismos benéficos para ajudar na absorção de nutrientes e para contribuir para as defesas naturais, estas aves tornam-se mais vulneráveis a doenças e à proliferação de bactérias prejudiciais à sua saúde.
“Os microplásticos representam uma ameaça cada vez maior à saúde dos animais selvagens e dos humanos”, alertam os investigadores no artigo, apontando para a “omnipresença” dessas partículas sintéticas na Natureza e sublinhando que “considerando que se espera que os níveis de poluição por microplásticos aumentem e se acumulem ao longo do tempo, é imperativo compreender como a saúde da vida selvagem, refletida no bioma intestinal, está a ser impactada”.