Antropocénico já tem local emblemático mas este período ainda não está oficializado
O lago Crawford, perto de Toronto, no Canadá, foi escolhido esta terça-feira como o local de referência para o início do Antropocénico, a nova época geológica caracterizada pelo impacto da humanidade no planeta que os cientistas tentam reconhecer oficialmente.
Os sedimentos estratificados no fundo deste pequeno corpo de água, de um quilómetro quadrado, carregado de microplásticos, cinzas da queima de petróleo e carvão e resíduos de explosões de bombas nucleares, são a melhor evidência de que um novo capítulo da história da Terra foi iniciado, concluíram os membros do grupo de trabalho do Antropocénico.
Antropocénico é uma nova época geológica proposta pelos cientistas para definirem a era atual, marcada pela ação da humanidade na generalidade do planeta, numa referência a épocas geológicas tradicionais, como Paleocénico, Eocénico, Oligocénico, Miocénico, Pliocénico, Pleistocénico e Holocénico.
Mas a aprovação oficial pelas autoridades geológicas mundiais de que a Terra saiu do Holoceno, o período que começou há cerca de 12.000 anos no final da última era glacial, para entrar no Antropocénico, a “época do ‘Humano’”, permanece incerta.
“Esta votação dentro do grupo de trabalho é uma etapa rotineira no nível mais baixo”, explicou à agência France-Presse (AFP) Stanley Finney, secretário-geral da poderosa Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS) à qual o grupo ainda deve submeter as conclusões dos trabalhos iniciados em 2009.
“Só assim poderão ser submetidos à revisão por pares e as evidências e argumentos poderão ser verdadeiramente avaliados”, acrescentou o cientista, que lidera esta comissão responsável por desenvolver a ‘linha’ que divide metodicamente os 4,6 mil milhões de anos da história da Terra em eras, períodos e épocas geológicas.
A opinião geral é que uma aprovação será muito difícil. Renomados geólogos acreditam que não estão preenchidos os critérios técnicos para qualificar o Antropocénico como uma nova ‘era’, ainda que reconheçam que houve uma rutura no século XX.
Caso a votação por maioria de dois terços do ICS e anteriormente de um subcomité seja ultrapassada, os proponentes do Antropocénico ainda terão que convencer os especialistas da União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS), com reputação de intransigentes nas modificações da Carta Cronoestratigráfica Internacional.
Ainda há um longo caminho a percorrer, mas um grande passo foi dado com a escolha deste lago canadiano como encarnação física do Antropocénico, de uma lista final de nove candidatos, entre os quais os sedimentos de uma baía no Japão ou a lama de uma cratera na China.
“Os dados mostram uma clara mudança desde meados do século XX, levando o sistema terrestre além dos limites normais do Holocénico”, sublinhou à AFP Andy Cundy, professor da universidade britânica de Southampton e membro do grupo de trabalho.
Os sedimentos do lago Crawford, extraordinariamente estáveis porque as águas em profundidade e na superfície não se misturam, “refletem o ponto de inflexão na história da Terra, quando o sistema terrestre deixou de se comportar como há 11.700 anos”, destacou Francine McCarthy, professora canadiana que liderou a investigação no lago.
O lago regista a marca da influência humana antes e durante a colonização, mas “em nenhum momento houve uma mudança globalmente sincronizada com as evoluções da Terra até esta ‘grande aceleração’ desde meados do século XX”, apontou.
Estas mudanças, de resto, estão a ocorrer de uma forma dramática: a primeira semana de julho foi a mais quente já registada globalmente, incêndios florestais fora de controlo devastam o Canadá há meses, enquanto os Estados Unidos e a China enfrentam calor, inundações e secas sem precedentes.