Degelo e aumento da presença humana no polo norte fazem subir risco de conflitos entre pessoas e ursos-polares
A cobertura de gelo do Ártico, no polo norte do planeta, é cada vez menos extensa, sendo que se estima que, em média, esteja a encolher a um ritmo de cerca de 13% a cada 10 anos. Do rol de impactos desse fenómeno fazem parte a subida do nível do mar, que ameaça comunidades e habitats costeiros, a intensificação do aquecimento, a mudança de correntes marinhas, a libertação de gases com efeito de estufa aprisionados durante milénios no pergelissolo, e, claro, as ameaças à vida selvagem.
Com a perda de cobertura de gelo, animais como o urso-polar (Ursus maritimus), que dependem dessas plataformas para caçarem focas que nelas descansam, terão pela frente um futuro incerto. Uma equipa de cientistas dos Estados Unidos da América e do Canadá alerta que a falta de gelo, ou a cada vez mais curta existência de plataformas geladas, obrigará os ursos a permanecerem mais tempo em terra firme, e isso poderá ter consequência desastrosas, não apenas para os animais, mas também para os humanos.
Num artigo publicado na revista ‘Oryx’, os investigadores alertam que o desaparecimento do gelo está a aumentar a presença quer de ursos quer de humanos em regiões do Ártico que antes estavam inacessíveis, fazendo disparar o risco de confrontos entre as duas espécies.
Além disso, a crescente presença humana traz também mais resíduos, que, tal como acontece com o urso-pardo (Ursus arctos), está a atrair os ursos-polares para mais perto de aldeias e outras áreas povoadas.
Os autores dizem que este estudo é o primeiro a debruçar-se sobre a relação entre os resíduos produzidos pelas pessoas no Ártico e o potencial aumento de encontros com ursos-polares, e argumentam que esse conhecimento é “crucial” para que as comunidades que vivem no extremo norte da Terra possam “coexistir em segurança com os ursos polares”.
‘Presos’ em terra, esses grandes predadores estão impedidos de caçar as suas presas prediletas, as focas, ricas em gordura, pelo que são forçados a procurar outras fontes de alimento. Com o aumento da presença humana no Ártico, o lixo gerado por essas comunidades poderá ser um chamariz para os ursos esfomeados, interações que frequentemente têm desfechos trágicos, de um lado ou do outro. De acordo com a Polar Bears International, em cerca de 61% dos ataques de ursos-polares a humanos os animais apresentavam um peso abaixo da média.
“Conflitos entre pessoas e ursos têm ocorrido sempre que as suas distribuições se sobrepõem”, escrevem o investigadores, explicando que tal se deve ao facto de os ursos serem atraídos pelo odor da comida humana. Um estudo de 2014 publicado na ‘Wildlife Society Bulletin‘ diz que entre 1870 e 2014 foram reportados 73 ataques de ursos-polares sobre humanos, resultando em 20 mortes, e este ano, em janeiro, uma mulher e o filho menor foram mortos por um urso-polar no Alasca.
Além do aumento do risco de conflitos, os resíduos humanos podem também representar uma ameaça para a saúde dos ursos, que podem ingerir plástico e produtos tóxicos, tornando-os mais vulneráveis a doenças e outros problemas.
Embora os conflitos entre humanos e ursos-polares sejam menos frequentes do que os que ocorrem com ursos-pardos e com ursos-negros (Ursus americanus), o aumento do degelo poderá transformar radicalmente esse cenário.
Geoff York, da organização Polar Bears International e um dos coautores do artigo, afirma que “temos verificado um aumento dos encontros entre ursos polares e humanos ao longo do tempo”, e defende que são precisas “medidas proativas” para proteger quer os ursos quer os humanos.
O degelo está também a tornar possível a navegação marítima em regiões antes bloqueadas, e isso aumentará, inevitavelmente, a presença humana no Ártico, com, por exemplo, a instalação de portos e outras infraestruturas.
Por isso, os investigadores apelam a que sejam encontradas e implementadas “soluções proativas” para um melhor acondicionamento e descarte dos resíduos humanos nessa região remota do planeta, para evitar que o problema se agrave rapidamente e se torne “crónico”.
“Embora as soluções possam diferir de comunidade para comunidade, sabemos que temos já a tecnologia e as soluções para resolver o problema dos resíduos humanos que estão a atrair os ursos-polares”, diz Megan Owen, da San Diego Zoo Wildlife Alliance e outra das autoras.
“Precisamos de esforços imediatos e concertados por todo o Ártico”, salienta, e isso poderá passar por ações de sensibilização das comunidades humanas da região, pela criação de regulamentos e leis que obriguem ao descarte apropriado dos resíduos e a que os locais onde são depositados sejam ‘à prova de urso’.