Têxteis Circulares e Sustentáveis em 2030: Realidade ou utopia?



Quando se fala em resíduos, há muito mais do que o habitual “lixo” produzido em casa. O consumo de têxteis na União Europeia é o fator que exerce o quarto maior impacto no ambiente e nas alterações climáticas, a seguir aos alimentos, à habitação e à mobilidade. Além disso, é o terceiro em termos de utilização dos recursos hídricos e dos solos e o quinto na utilização de matérias-primas primárias e de emissões de gases com efeito de estufa.

Elsa Agante, Team Leader da área da sustentabilidade da DECO PROTESTE, revela à Green Savers que os europeus se desfazem, em média, de 11 kg de têxteis por ano e que, segundo dados do JRC, todos os anos, na União Europeia, recolhem-se seletivamente até 2,1 milhões de toneladas de vestuário e têxteis de uso doméstico pós-consumo para fins de reciclagem ou venda nos mercados mundiais de reutilização. A responsável sublinha que esta quantidade representa cerca de 38% dos têxteis colocados no mercado da UE e “presume-se” que os restantes 62% sejam descartados em fluxos de resíduos mistos, ou sejam exportados para África ou Ásia. Recentemente, acrescenta, a Agência Europeia do Ambiente “constatou que estas exportações triplicaram nos últimos 20 anos, sendo que uma parte significativa acaba em aterros a céu aberto, onde causam problemas ambientais e de saúde”.

Em Portugal, segundo dados da Agência Portuguesa do Ambiente, de 2021, a produção de resíduos urbanos foi de aproximadamente 5 milhões de toneladas, o que corresponde a uma capitação anual de 511 kg/hab.ano, ou seja, uma produção diária de 1,40 kg por habitante. De acordo com os dados, foram recolhidas cerca de 189.528 toneladas de têxteis (dados de 2020) nos resíduos urbanos, o que representa cerca de 4,6% do total produzido em Portugal. Ainda segundo este organismo, “se analisarmos o período entre 2014 e 2020, foram deitados ao lixo 1,26 milhões de toneladas de têxteis”, explica a Team Leader.

Mas, se se olhar para países de outra escala e de hábitos de hiperconsumo ainda mais enraizados, como os EUA, a conta “é assustadora”, afirma Elsa Agante, revelando que, em 2018, “foram gerados 17 milhões de toneladas de resíduos têxteis, e apenas 2,5 milhões de toneladas foram reciclados”.

Marcas passaram de coleções sazonais para a comercialização de 16 a 24 por ano

De facto, segundo dados da Agência Europeia do Ambiente, nas últimas duas décadas a produção mundial de fibras têxteis quase duplicou de 58 milhões de toneladas, em 2000, para 109 milhões de toneladas, em 2020, e prevê-se que cresça para 145 milhões de toneladas até 2030.

Segundo Agante, estima-se que, em 2020, a produção de produtos têxteis na UE tenha consumido 4.000 milhões de metros cúbicos (m3) de água e gerado 121 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2-eq.). Foram ainda extraídas 175 milhões de toneladas de matérias-primas para produzir roupa, calçado e têxteis para casa.

As marcas passaram

de coleções

sazonais para a

comercialização de

16 a 24 coleções por

ano, provocando uma

rápida rotação das

linhas de vestuário,

conhecida como fast

fashion.

Com a indústria da moda a representar 10% das emissões de gases com efeito de estufa, os têxteis estão no topo da lista dos setores responsáveis pelas alterações climáticas, logo a seguir à alimentação, à habitação e aos transportes. “A pressão do setor sobre o ambiente tem aumentado exponencialmente nas últimas décadas”, afirma Elsa, considerando que “este é o resultado direto das estratégias empresariais que visam o consumo excessivo”. Um exemplo disso mesmo são as marcas que passaram de coleções sazonais para a comercialização de 16 a 24 coleções por ano, “provocando uma rápida rotação das linhas de vestuário, conhecida como fast fashion”. A esta situação acrescem, na sua opinião, fatores como o crescimento da população e da economia mundiais e a crescente urbanização. “Deste modo, e se nada for feito, os desafios futuros da indústria têxtil, no que respeita à utilização de recursos e aos impactos ambientais, serão enormes”, garante.

Como é que podemos passar da fast fashion para a lasting fashion?

A fast fashion, ou moda imediata, é, muitas vezes, apontada como uma das grandes responsáveis pelo desperdício têxtil. Segundo Elsa Agante, “estima-se que a maioria dos produtos de moda rápida é utilizada durante menos de um ano, o que resulta numa maior pressão sobre os recursos naturais e na emissão de poluentes para a atmosfera, o solo e a água”. No estudo de análise de ciclo de vida de vários tipos de têxteis para perceber o impacto ambiental, realizado pela DECO PROTESTE em conjunto com as congéneres de Espanha, Itália e Bélgica, “verificamos que reduzir o tempo de vida das peças de vestuário para 1 ano tem um impacto ambiental significativo, em geral, representando um aumento de cerca de 148%”, acrescenta.

Para a responsável, a “pressão do mercado da moda rápida expõe os consumidores a volumes insustentáveis de peças de vestuário”. Os têxteis “podem ser de baixa qualidade, conter produtos químicos perigosos e ser fabricados com baixos padrões ambientais e sociais”, alerta. Por outro lado, acrescenta, a proliferação do greenwashing no setor têxtil “dá aos consumidores uma imagem enganadora e incompleta da verdadeira sustentabilidade dos têxteis, criando confusão no que respeita às opções mais sustentáveis, como é o caso da necessidade de comprar menos roupa”.

Elsa acredita que, à medida que aumentam as preocupações com o ambiente e o futuro do nosso planeta, os consumidores “estão a tornar-se progressivamente mais conscientes dos impactos do vestuário e dos têxteis”, até porque 9 em cada 10 europeus, segundo dados do Eurobarómetro, consideram que o vestuário deveria durar mais tempo e que as marcas deveriam ser obrigadas a garantir boas condições de trabalho. Além disso, estudos realizados por organizações de defesa do consumidor a nível europeu “mostram que os consumidores estão cada vez mais conscientes do problema e tentam adaptar os seus comportamentos. Muitos deles gostariam de ter roupas mais duradouras e prefeririam evitar comprar roupas novas para contribuir para a proteção do clima”.

No entanto, “apesar do elevado nível de sensibilização para a moda rápida e a produção excessiva, os consumidores possuem demasiadas roupas que raramente usam”, lamenta, sublinhando que “são, por isso, necessários mais esforços para aumentar a consciencialização dos consumidores”. Só que aumentar a consciencialização dos consumidores para conseguir mudanças de comportamento “está longe de ser suficiente” para a responsável, que defende que, para enfrentar o desafio, “são necessárias mudanças sistémicas que abordem as causas profundas do problema e a aplicação de novos modelos de negócio que movam a cadeia de valor para uma economia têxtil mais circular”.

Neste contexto, apoiam “plenamente o objetivo da Estratégia da EU para os Têxteis Circulares e Sustentáveis que é o de garantir que, até 2030, os têxteis sustentáveis sejam a norma”.

A Comissão apresentou essa Estratégia no ano passado e Elsa Agante destaca alguns pontos previstos como o combate à sobreprodução e apoio a comportamentos de consumo sustentáveis; a introdução da responsabilidade alargada do produtor e promoção da reutilização e reciclagem de resíduos têxteis; a necessidade de enfrentar os desafios da globalização e do comércio eletrónico e de reservar as alegações ecológicas para os têxteis verdadeiramente sustentáveis. Introduzir a responsabilidade alargada do produtor e promover a reutilização e reciclagem de resíduos têxteis e garantir que estes últimos sejam sustentáveis e seguros desde a conceção, são outras ações destacadas pela Team Leader.

Maior impacto ambiental corresponde à fase de produção

Mas afinal quanto tempo tem de durar uma peça de roupa para compensar o impacto ambiental que causou, em todo o seu ciclo de vida, desde a extração das matérias-primas até ao destino final? Depende do tipo de material, responde Elsa, acrescentando que, segundo o estudo aos vários tipos de têxteis, perceberam que o maior impacto corresponde à fase de produção, com um peso de 64%. “É por isso fundamental reduzir o ímpeto de comprar roupa com demasiada regularidade”, reforça.

Quanto ao material, de um modo geral, os tecidos sintéticos como o “nylon”, o “elastano”, o “vinil” e o “poliéster” “têm menor impacto ambiental nas categorias de impacto mais relevantes”. Estes tecidos são seguidos pela “viscose” (tecido celulósico) e pelo “cânhamo” e “linha” (tecidos naturais). Em termos globais, de todos os materiais testados, o “couro” “é o que regista maiores impactos ambientais durante o ciclo de vida”, revela.

Além do tipo de tecidos, algumas otimizações ao nível dos produtos e também no que se refere ao comportamento dos consumidores, “podem ajudar a reduzir os impactos ambientais”, explica Elsa. Segundo a responsável, foram testados alguns cenários e verificou-se que, por exemplo, a utilização de materiais sustentáveis apresenta a maior melhoria (18%), principalmente devido ao impacto ambiental “significativamente menor” do couro sintético. A este cenário segue-se a utilização de materiais reciclados (11%) e o fabrico na Europa (8%). A eliminação de corantes e acessórios resultou numa melhoria do desempenho de cerca de 5%.

Em termos de comportamento do consumidor, obtém-se uma melhoria de 16% quando as peças de vestuário são reutilizadas após o seu tempo de vida útil sem necessidade de reparações, diminuindo para 12% quando são necessárias reparações. A utilização de água fria na lavagem, sempre que possível, pode reduzir os impactes ambientais até 5%. “Conclui-se que a forma de conceção dos materiais pode ter um papel importante na melhoria do desempenho ambiental do vestuário, especialmente na reciclagem dos têxteis usados”, afirma.

Novas abordagens à forma de produzir e consumir vestuário

E que tipo de novas abordagens à forma como produzimos e consumimos vestuário já existem em Portugal? No País, existem já plataformas de venda, compra e aluguer de roupa em segunda mão, bem como lojas físicas. Neste caso, aconselha Agante, os consumidores “devem selecionar a roupa que esteja em boas condições para ser usada novamente”. Existem também online várias dicas de upcycling: restaure, readapte, repare. Se um consumidor tiver uma peça de que gosta, mas existe um pormenor de que não gostou, pode fazer uma atualização dessa peça, renovando-a ou transformando-a. Pode ser, por exemplo, uma simples troca de botões, ou uma readaptação criativa da peça para outros usos, como deixar de ser casaco e passar a colete, ou o vestido passar a ser camisola. Existem vários cursos e workshops disponíveis para aprender.

Ainda assim, conclui Elsa, “consideramos fundamental a nova diretiva-quadro de resíduos que vai tornar obrigatória a recolha seletiva dos têxteis, que terá de estar aplicada em pleno em janeiro de 2025”. Será, na sua opinião, crucial a “criação de entidades gestoras deste fluxo específico de resíduos, de modo a efetivar a responsabilidade alargada do produtor, que pode incentivar modelos de conceção de produtos que promovam a circularidade ao longo do ciclo de vida dos materiais e tenham em conta o fim de vida dos produtos, com definição de objetivos de reutilização e de reciclagem de têxteis”.

*Artigo publicado originalmente em junho de 2023, na revista física da Green Savers

 





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