ENTREVISTA: É preciso “evangelizar” sobre ‘software’ verde como IA
O investigador português Luís Cruz, professor assistente na TU Delft, defende, em entrevista à Lusa, que é preciso “evangelizar” todos os setores da sociedade sobre o ‘green software’, nomeadamente quando a inteligência artificial (IA) consome grandes recursos energéticos.
Luís Cruz vive nos Países Baixos e tem-se dedicado à investigação centrada em temas atuais como a IA e a eficiência energética do ‘software’, o chamado ‘green software’ (‘software’ verde).
No ChatGPT, a tecnologia de que se fala neste momento, “para treinar esse modelo, uma única vez, emite-se 500 toneladas de carbono”, o que se traduz “em 1.000 carros a percorrer 1.000 quilómetros”, destaca o investigador à Lusa, que está em Portugal para participar na conferência internacional de engenharia de ‘software’ (ICSE2024), o evento mais importante nesta área e que está a decorrer na capital portuguesa.
“Ao usar a inteligência artificial estamos a consumir recursos e podemos usar a inteligência artificial para utilizar esses recursos de forma mais eficiente”, mas o uso da IA “só por si já utiliza recursos e é preciso ter isso em conta”, afirma Luís Cruz.
E aquele exemplo visa apenas a versão gratuita do ChatGPT, porque se se tratar da versão paga, esta “é 40 vezes mais”, o que é algo “medonho”, diz.
“Ainda temos de evangelizar vários setores da sociedade sobre o ‘green software'” e explicar que “não é só uma coisa que corre na ‘cloud’ [nuvem] e não tem impacto nenhum”, mas que “também se traduz em sustentabilidade económica das empresas. Tem de haver um trabalho de casa”, reforça.
E vai mais longe, considerando que o ‘green software’ deveria constar na educação: “Não deveria haver um único curso em engenharia de ‘software’, de computação que não se focasse em práticas de desenvolvimento de eficiência energética”.
Apesar de se ver “muito bom trabalho em Portugal”, ainda é “difícil garantir que haja uma linha focada” neste tema, é preciso “literacia em ‘green software'”, defende.
Neste momento, a tecnologia ainda está a ser explorada, mas dado o potencial da IA é preciso ter “metodologias bem definidas e desenvolvidas para garantir” a utilização desta “da forma mais eficiente possível”, sublinha.
Isto passa pela IA responsável, onde se inclui a transparência, justiça, privacidade, ‘compliance’, mas também o uso eficiente de recursos, acrescenta Luís Cruz.
Ou seja, “ao mesmo tempo que vamos aumentar a utilização da tecnologia” é preciso diminuir o impacto das emissões de carbono, sabendo que isto é algo “que não vai parar”.
“A complexidade e consumo e impacto ambiental destes modelos tem vindo a duplicar de três em três meses, o modelo está duas vezes mais complexo e historicamente aquilo que temos conseguido progredir – aumentar capacidade computacional – é de dois em dois anos”, explica.
Luís Cruz salienta que tudo o que se sabe sobre o consumo de recursos pelo ChatGPT é através de outras instituições à volta e não da tecnológica, defendendo que é preciso mais transparência neste âmbito.
A área de tecnologia de informação e comunicação (ICT, na sigla inglesa) representa, neste momento, “5% da produção de eletricidade mundial e a estimativa é que em 2040 seja 15%”.
Portanto, acrescenta, “a expetativa é que isto continue a aumentar e do ponto de vista académico não podemos esperar que isso aconteça para começar a resolver os problemas”, salienta, referindo que, por exemplo, minerar criptomoedas implica elevados custos de eletricidade.
Luís Cruz dá ainda outro exemplo: interagir com o ChatGPT numa média de 30 a 35 interações de perguntas resulta no desperdício de meio litro de água.
“Não estamos a falar de gastar meio litro de água, estamos a falar de desperdiçar, vai para a atmosfera” e já não volta, afirma.
No que respeita aos telemóveis, partindo do princípio de que existem utilizadores únicos de um cartão à volta de 6.000 milhões, “cada telemóvel vai gastar quatro, cinco watts”.
Este consumo todo “que estamos a ter de telemóveis é o equivalente a 10 centrais de Fukushima. Ou seja, se nós conseguíssemos reduzir 10% o consumo de energia conseguíamos acabar com uma central deste tamanho”, refere o investigador.
De acordo com Luís Cruz, “a sociedade está cada vez mais a querer saber qual o impacto” para o ambiente e as empresas “estão a perceber isso, que as pessoas acabam por escolher produtos e serviços” em função disso.
A sustentabilidade, refere, tem de ser abordada a “vários níveis” e é preciso saber quanto é que foi investido no ‘green’ software’, mas não há números até à data.
“Acho que era importante que um estudante que queira fazer uma tese sobre o tema veja isso ser valorizado”, considera.
Sobre a regulação europeia sobre IA, Luís Cruz refere que esta aborda as métricas de consumo, mas “dizem que irão explicar” como é que estas devem ser reportadas.
“A leitura que faço disso é que não sabem como que se vai fazer esse relatório de métricas, esperam descobrir nos próximos anos”, lamenta.
Desafiado a dizer qual é a evolução que gostaria de ver daqui a um ano, nesta matéria, o investigador cita duas.
“Uma é transparência e mais abertura da parte de quem cria este tipo de tecnologias, isto porque a base fundamental e científica que está nestas tecnologias foi criada em espaços não comerciais”, aponta, referindo que estes modelos “não deviam estar fechados, deveria haver uma versão da mesma tecnologia e definições treinada com dados abertos que esteja disponível para comunidade continuar a evoluir”, acrescenta.
Outra questão é a educação. Luís Cruz gostava de ver “cada vez mais pessoas a entrar na indústria com formação na área da responsabilidade”, a qual deveria ter o seu espaço “para ‘green software'”.
Admite, contudo, que tal seja difícil neste espaço de tempo, uma vez que é preciso criar conteúdos “do zero” sobre esta matéria.