Desenvolvimento sustentável em crise na UE devido ao “militarismo”
O presidente da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável (SDSN) das Nações Unidas, Jeffrey Sachs, alertou ontem em Lisboa para o “militarismo em curso” na Europa, que prejudica a agenda de desenvolvimento sustentável.
Na União Europeia (UE) ninguém se concentra no Pacto Ecológico Europeu, disse o responsável aos jornalistas, ao comentar o Relatório de Desenvolvimento Sustentável 2024, hoje apresentado em Lisboa.
Jeffrey Sachs é o presidente da SDSN global, que com a rede portuguesa e outras entidades está a organizar hoje e terça-feira em Lisboa a conferência internacional “Paving the Way to The Pact of the Future”, durante a qual foi lançado o Relatório de Desenvolvimento Sustentável 2024.
A conferência junta especialistas nacionais e internacionais que durante dois dias vão debater propostas para a Cimeira do Futuro, uma iniciativa da ONU marcada para setembro.
No Relatório de Desenvolvimento Sustentável, Portugal surge em 16.º lugar, entre 167 países, no ‘ranking’ de cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Mas o documento também diz que apenas 16% das metas dos ODS estão no bom caminho para um cumprimento global até 2030.
Comentando o documento, Jeffrey Sachs, professor e economista norte-americano, foi especialmente crítico dos Estados Unidos, nesta e noutras matérias, e lamentou que a União Europeia não se distancie de Washington.
O momento em que uma nova Comissão Europeia vai iniciar funções, após as eleições de dia 09, o responsável considerou ser uma boa oportunidade para refletir.
E a principal reflexão é de que a UE não é a NATO “nem uma organização subsidiária de Washington”, afirmou.
Considerando que políticas governamentais são essenciais para o desenvolvimento sustentável, Jeffrey Sachs salientou que uma boa política pressupõe um plano, uma ação, um comprometimento, uma discussão de objetivos e de concretizações, algo que não acontece nos EUA, onde a política está contaminada por corrupção, nomeadamente no financiamento das campanhas eleitorais e nos ‘lobbies’.
“Esse tipo de irracionalidade, em que se adotam os objetivos, mas não se adotam os meios para os alcançar, é o pior tipo de política. Temos estes grandes objetivos (de desenvolvimento sustentável), mas não tomamos quaisquer medidas práticas ou medidas organizadas” para os alcançar, lamentou.
Exemplificou que a UE adotou o Pacto Ecológico Europeu, mas não criou um plano para o concretizar e acrescentou que o bloco dos 27 tem agora outro problema, decorrente da guerra na Ucrânia.
“De repente, a Europa fala como se a questão central do nosso tempo fosse a guerra, o reforço das forças armadas, a mobilização da economia e o aumento dos gastos militares. E os líderes europeus estão absolutamente errados”, disse.
Nas palavras do responsável, a guerra podia terminar com negociações, que são bloqueadas pelos Estados Unidos, que no passado pressionaram para o alargamento da NATO a leste, apesar dos avisos e alertas do Presidente russo, Vladimir Putin.
E agora, lamentou, “toda a agenda de desenvolvimento sustentável está em crise” e os cidadãos europeus estão descontentes com a situação de guerra e de aumento do custo de vida.
Para se avançar no cumprimento dos ODS, defendeu a importância de seis pontos, entre eles “uma educação, ciência e tecnologia de qualidade”, bons cuidados de saúde, aposta na transição energética, ou o uso sustentável do solo.
No cumprimento dos ODS, a UE esteve “muito bem” de 2015 a 2019, mas depois a situação piorou devido à covid-18 e à guerra.
Nos países de rendimento médio ou baixo esse cumprimento “é mais complicado”, porque não podem fazer a transição que precisam por falta de meios financeiros.
A SDSN funciona desde 2012 sob a égide do secretário-geral da ONU e mobiliza a experiência científica e tecnológica global para promover soluções práticas para o desenvolvimento sustentável, incluindo a implementação dos ODS e o Acordo de Paris sobre o Clima.