Reportagem: Nesta quinta do Douro “brinda-se” à biodiversidade e à sustentabilidade
A Sogrape produz vinho nas principais regiões vitivinícolas do País e além-fronteiras, nomeadamente na Argentina, no Chile, na Nova Zelândia e em Espanha. Nos locais onde estão presentes encontram formas de os tornar melhores. Trabalham juntos para um mundo em harmonia com a natureza, celebram a diversidade e a inclusão e lutam por sociedades onde a tradição anda de mãos dadas com a inovação para que possam prosperar. São 1.600 hectares de vinha distribuídos por 12 regiões vitivinícolas em 10 países distintos e a Green Savers foi conhecer a Quinta do Seixo, no Douro, que inaugurou, em 2022, um percurso de biodiversidade com cerca de 1km por entre uma paisagem repleta de vinhas.
A terminar o período da vindima, António Graça, Diretor de Investigação & Desenvolvimento da Sogrape, e Mafalda Guedes, 4ª geração da família fundadora, Diretora de Comunicação Corporativa e Sustentabilidade da Sogrape e responsável pelo Programa Global de Sustentabilidade, “Seed the Future”, receberam-nos na Quinta do Seixo para nos mostrar esse percurso e detalhar esse programa. Mas antes, o responsável confidenciou-nos que este foi “um ano que nos deu tudo. Ou seja, deu-nos muitas dores de cabeça, deu-nos muitos sustos, deu-nos muitas alegrias e, agora no fim, isso está-se a revelar também nos vinhos porque temos muita diversidade de qualidade de vinhos, temos vinhos espetaculares e é um ano que vai ficar na memória por causa, precisamente, de toda esta variação que tivemos”.
Segundo António Graça, “houve momentos em que se falou de ondas de calor, houve momentos em que se falou de chuvas torrenciais, houve inundações no País, a nível internacional foi a mesma coisa e nós não fomos grande exceção. E esse fator de variação dentro do mesmo ano é uma novidade recente. Isto não acontecia assim até há muito pouco tempo, uma das consequências das alterações climáticas com as quais nós vamos ter de lidar cada vez mais”.
Sogrape preocupou-se desde sempre em proteger, respeitar e preservar
Sobre o grupo e respetivo programa de sustentabilidade, Mafalda Guedes explicou que a Sogrape foi fundada em 1942 pelo bisavô que, desde sempre, se preocupara em proteger, respeitar e preservar. “Nós sempre tivemos um grande cuidado pela maneira como trabalhamos, como desenvolvemos o nosso negócio. Portanto, sempre pensámos na sustentabilidade a longo prazo, não só do nosso negócio, mas também do setor, das comunidades onde estamos. E essa foi sempre a nossa maneira de trabalhar”, assegurou.
“Sempre pensámos na sustentabilidade a longo prazo, não só do nosso negócio, mas também do setor, das comunidades onde estamos. E essa foi sempre a nossa maneira de trabalhar”, Mafalda Guedes, 4ª geração da família fundadora, Diretora de Comunicação Corporativa e Sustentabilidade da Sogrape e responsável pelo Programa Global de Sustentabilidade, “Seed the Future”
Em 2020, começaram a olhar para todas as empresas do grupo e repararam que cada uma delas estava a trabalhar “muito bem na sustentabilidade”, mas cada uma tinha os seus objetivos ou as suas iniciativas próprias. “Nós acreditamos que se trabalharmos em conjunto para os mesmos objetivos, conseguimos ter mais impacto e influenciar também os nossos stakeholders a seguirem este caminho connosco. Portanto, o que fizemos foi o levantamento de todas as iniciativas de sustentabilidade de todas as empresas do Grupo e implementámos este primeiro programa global de sustentabilidade”, revelou Mafalda.
Um programa que, segundo a Diretora de Comunicação Corporativa e Sustentabilidade da Sogrape, faz parte da razão de ser do grupo. “Nós temos um propósito muito bem definido, que é trazer amizade e felicidade a todos aqueles com que nos relacionamos através dos nossos vinhos. Acreditamos também que era importante ele estar alinhado com os ODS das Nações Unidas (estamos a trabalhar em 6 desses objetivos sustentáveis)”, destacou.
Programa de sustentabilidade baseado em 3 pilares
Assim, definiram um programa baseado em três pilares. O primeiro pilar tem a ver com o Planeta, que é, segundo Mafalda, “abrir caminho para um Planeta mais saudável e para o qual estabelecemos 3 compromissos e 6 metas que queremos atingir até 2027”.
Depois, continuou, “entramos num segundo pilar que tem mais a ver com a cultura do vinho, que é salvaguardar o nosso legado na sua jornada rumo ao futuro”. Aqui olham para o vinho como uma herança de tantos anos e querem continuar a produzi-lo da mesma maneira como o conhecem. “Sabemos que com as alterações climáticas é cada vez mais difícil, sabemos que há falta de mão de obra e precisamos de trabalhar junto das comunidades para formá-las, equipá-las com as ferramentas necessárias para que elas também possam desenvolver os seus negócios de forma sustentável”, explicou.
Neste caso também definiram 3 compromissos e 6 metas que querem atingir até 2027. Depois têm o último pilar – social- que é “inspirar vidas mais felizes e mais responsáveis. Aqui falamos de pessoas, não só as que trabalham na Sogrape, mas também aquelas que vivem nas comunidades onde a Sogrape está presente e também todos os nossos stakeholders”, apontou.
Por isso, Mafalda não tem dúvidas: “temos aqui um programa bem robusto. Temos todas as empresas do Grupo a trabalhar para esses mesmos objetivos”, afirmou, reconhecendo que “nós não vamos conseguir ser sustentáveis sozinhos. Nós vamos ter de conseguir envolver a nossa cadeia de valor que é muito grande. Nós vamos ter de envolver os nossos parceiros. É muito importante que estejamos todos a trabalhar para este objetivo”.
António Graça reforçou a ideia de que a sustentabilidade está na empresa desde a sua génese e que, caso contrário, não tinha chegado aos 80 anos que tem. Por outro lado, acrescentou, “não é um objetivo em si, ou seja, não é um sítio onde nós um dia vamos chegar, e pronto, estamos na sustentabilidade, acabou. Não! Isto é uma maneira de estar. É um caminho que se faz”, assegurou, sublinhando que “no dia em que nós pararmos de olhar para a sustentabilidade, perdemos a sustentabilidade. Nós temos de estar sempre em movimento”.
Vinho é um elemento de coesão social
Para o Diretor de Investigação & Desenvolvimento da Sogrape, “tudo isto depois desemboca numa consequência humana. Ou seja, isto é para as pessoas. Não são as pessoas que estão a trabalhar neste objetivo. Não! Este objetivo desenvolve-se para as pessoas porque no setor do vinho, o produto que nós fazemos – o vinho – não é um alimento, não é um medicamento, é um elemento de coesão social. Sempre foi. Foi um objeto, um líquido que reúne as pessoas à sua volta. E esse é o papel que o produto tem na nossa civilização e na nossa sociedade. Muitas vezes perde-se isso de vista”, lamentou.
“E onde é que isto toca com a questão da sustentabilidade?”, questionou. É que, segundo António Graça, a sustentabilidade “não é apenas o garantir que a natureza se conserva, mas a natureza conserva-se para que os seres humanos também tenham estabilidade, felicidade na sua vida”.
Por isso, continuou, “quando nós falamos deste conceito, estamos a falar de um conceito para comunidades de pessoas, desde a comunidade dos produtores, dos agricultores que cultivam a terra, gerem a vinha e produzem as uvas, à comunidade das pessoas como na nossa empresa que trabalham as uvas para produzir os vinhos para a comunidade dos consumidores que vão fazer o uso que o vinho tem na sociedade que é para terem bem-estar, felicidade, para terem uma integração social. São pequenos pormenores que muitas vezes se perdem de vista”.
Na Quinta do Seixo vimos o resultado de uma quantidade de projetos não só de sustentabilidade, mas que se traduzem também em sustentabilidade. Projetos que foram inicialmente de investigação, alguns já com mais de 10 anos que geraram conhecimento que permitem hoje fazer ações que dão sustentabilidade ao negócio da empresa.
Por exemplo, destacou o responsável, “estamos numa região que tem uma aridez já substancial e, portanto, o recurso hídrico é escasso. Nós temos uma atividade económica baseada numa planta que, ainda que seja relativamente tolerante com um certo nível de secura, não pode viver sem água, precisa de água. Nós temos de saber usar essa água com a quantidade mínima, indispensável, para o máximo efeito em termos de produtividade e rentabilidade. E isso é sustentabilidade!”
Um mosaico paisagístico
Além disso, acrescentou, “nós estamos enquadrados numa região que não é monótona em termos paisagísticos. Nós não temos aqui só vinha. Nós temos um mosaico paisagístico”. E é precisamente essa ‘constelação de paisagens’ que “garante a manutenção neste território de serviços de ecossistema que providenciam polinização, providenciam manutenção de nutrientes e reciclagem de nutrientes no solo, conservação de água e até controlo de pragas e doenças, porque cada uma daquelas estruturas, o olival, até as zonas construídas ou as bordaduras de olival ou de frutangas são armazéns de espécies que se alimentam das pragas que afetam a videira”.
Segundo António Graça, “se não tivéssemos isso íamos ter uma situação muitíssimo mais vulnerável que obrigava a maiores custos económicos, sociais e ambientais para controlar essas pragas, que não temos porque mantemos esse mosaico”.
Portanto, “isto é, dentro do nosso esforço de sustentabilidade, um excelente exemplo de como não podemos trabalhar a sustentabilidade sozinhos, mas em comunidade”, concluiu, avançando que tudo o que iriamos ver naquele dia “reflete estas práticas”, nomeadamente a manutenção dos muros de pedra seca, o revestimento de taludes para evitar os herbicidas, a confusão sexual que nos permite controlar uma praga sem ter que usar inseticidas ou a manutenção de sebes e de corredores ecológicos que permitem que as espécies não-humanas se movimentem livremente.
Ainda antes de nos mostrar o percurso, o responsável realçou que, dentro da sustentabilidade, quando estamos a trabalhar em espaço natural, a biodiversidade “é a questão”. Para António Graça “não há outra. Mesmo quando falamos de alterações climáticas é a questão. Nós não conseguimos continuar a ter um modelo de negócio baseado num sistema a céu aberto sem trabalharmos com a natureza”, avisou.
A abordagem da revolução verde do pós-guerra de aumentar ao máximo possível a eficiência de produção sem qualquer outro critério que não fosse a eficiência “já não tem mais cabimento hoje”, revelou, acrescentando que “chegámos ao limite dessa filosofia, dessa estratégia de produção”. Isto, porque “não era só na vinha, é em todo o tipo de culturas. Nós começámos a dar-nos conta que tínhamos sistemas de produção muito eficientes, mas que essa eficiência foi feita à custa de perder resiliência. E quando as condições mudavam, o sistema que era eficiente imediatamente perdia essa eficiência porque não tinha resiliência”, explicou.
A sustentabilidade existe “quando temos um equilíbrio entre eficiência e resiliência”
O Diretor de Investigação & Desenvolvimento da Sogrape não tem dúvidas: “um sistema para ser sustentável não pode ser nem demasiado eficiente nem demasiado resiliente”. A sustentabilidade existe “quando temos um equilíbrio entre eficiência e resiliência”, afirmou, sublinhando que o modelo que a Sogrape adotou no seu funcionamento “procura reduzir um pouco a eficiência para aumentar a resiliência. Mas não é perder a eficiência. É equilibrar uma com a outra para que sejamos produtivos e rentáveis, mas hoje e no futuro. Não regressa às origens, mas inspira-se muito nas soluções que existiam nas origens. Ou seja, é uma consciencialização de que aquilo que nós hoje olhamos como tradição num determinado momento do tempo foi uma inovação. E se a temos hoje, é porque essa inovação é uma inovação com valor, que ficou”.
“No setor do vinho, o produto que nós fazemos – o vinho – não é um alimento, não é um medicamento, é um elemento de coesão social. Sempre foi. Foi um objeto, um líquido que reúne as pessoas à sua volta. E esse é o papel que o produto tem na nossa civilização e na nossa sociedade”, António Graça, Diretor de Investigação & Desenvolvimento da Sogrape
Segundo António Graça, o programa de sustentabilidade do ‘Seed the Future’ “foi basicamente organizar todo o esforço que estava a ser feito em função de objetivos concretos de grupo”. São objetivos que são partilhados por todas as unidades de negócio e a Sogrape pretende levar conhecimento a toda a sua cadeia de valor estando mesmo neste momento a patrocinar a tradução para português “do mais impactante” periódico científico do setor vitivinícola do mundo, uma publicação editada pela universidade de Bordéus.
Mas a Sogrape não faz só isso, envia também para o seu universo de fornecedores consoante o tema. “Isto é um exemplo do que nós fazemos com o programa de sustentabilidade: é circular o conhecimento, mas não de forma cega. Fazê-lo chegar de forma eficiente onde ele é necessário”, destacou o responsável.
Além disso, foram promotores de um projeto que está a começar neste momento no Douro de reutilização de águas residuais para irrigação da vinha e, nas propriedades onde é possível captar a água da chuva, estão estamos a criar charcas. A Herdade do Peso “tem já uma área significativa de armazenagem que nos permite armazenar água para dois anos e que está ligada ao sistema do Alqueva”, disse António Graça.
António Graça sublinhou ainda que nada do que fazem na quinta “é por acaso”, que há decisões que “são tomadas com base numa realidade em que nós cada vez mais investimos em conhecer”. Segundo o responsável também é importante entender que “aquilo que nós fazemos deriva da situação onde estamos”. Isto significa que a Quinta do Seixo “é condicionada pelo facto de que temos encostas abruptas, mas também porque estamos muito junto não a um, mas a dois rios. Portanto, a quinta funciona quase como meia península entre o Rio Tordo e o Rio Douro”. E isso, explica, “cria condições muito especiais que, se nós formos um bocadinho mais para cima, na encosta, já não existem.”
Para além do enquadramento, é “muito importante” ver a diversidade de castas que usam na quinta. E isto tem uma razão ao mesmo tempo histórica, operacional e de sustentabilidade. A razão histórica, continuou, “é que é uma quinta onde desde os anos 80 se fizeram muitas experiências, onde se testaram muitas castas e desde aí fizemos um caminho inverso. Ou seja, nós fomos ao máximo da eficiência que é a parcela monoclonal em que todas as plantas são geneticamente idênticas e, depois de perceber que isso tinha algumas vantagens, mas apresentava muitos inconvenientes, começámos a fazer o caminho inverso e começámos a plantar parcelas com a mesma casta, mas vários clones. Parcelas com duas castas, parcelas com 3 castas e até deixámos ficar, porque esteve inicialmente previsto que isso iria desaparecer no processo de modernização, cerca de 7 hectares de vinha tradicional com mistura de cerca de 30 e tal, quase 40 castas”.
O que é que isso faz? “Faz com que hoje nesta quinta nós tenhamos situações, e estamos a usá-las em investigação, em que vamos desde a total homogeneidade genética à total diversidade genética. E isso é muito interessante de ver, qual é o efeito que isso tem em termos da biodiversidade local”, responde António Graça, sublinhando que a forma como os declives se distribuem na quinta “é uma coisa muito importante porque mostra a dificuldade de trabalhar nesta região e tem consequências práticas”, por exemplo, no desenvolvimento das plantas e na própria maturação.
“Nós vamos desde os 100 metros aos 300, temos uma diferença de quota de 200 metros, o que cria um gradiente em termos microclimáticos, mas também em termos da distribuição de espécies muito significativo”, explicou.
Análises por deteção remota
Também fazem análises por deteção remota, no caso por drone, todos os anos, através das quais conseguem medir a massa vegetal e a clorofila em cada uma das cerca de 200 mil videiras na quinta. “Isto entrou em rotina na empresa nos 1.019 hectares que temos no país todo em 2019. E neste momento já não é só em Portugal. Já estamos a fazer isto em todas as nossas vinhas em Espanha. E fazemos isto no Universo dos nossos 1.150 hectares da Península Ibérica, o que significa que nós temos um ponto de dados por cada uma de quase 4 milhões de plantas”, revelou o responsável.
E isto permite fazer o quê? “Permite-nos olhar para as vinhas de uma forma em que vemos a distribuição, seja da clorofila seja da biomassa vegetal, mas se quisermos fazer um zoom até à planta individual, nós conseguimos ver planta por planta, parcela por parcela, talhão por talhão”, responde António Graça. Isto ajuda o gestor da vinha a localizar as zonas onde há heterogeneidades e, a partir daí, inferir onde é que tem problemas. A primeira utilidade que isto tem é, quando o gestor da vinha sai do escritório para ir ao campo, antes de ter isto, tinha de percorrer a vinha toda. Neste momento, vai onde há problemas. “E, portanto, isto aumentou brutalmente a eficiência do trabalho do gestor”, destaca António Graça.
Além, disso, permite ver todo o trabalho que fez no ano anterior, que resultado é que teve. E mais: o enólogo olha para isto e percebe onde é que estão as plantas mais vigorosas e menos vigorosas. “Há uma relação, ainda que não direta, entre o vigor e a qualidade da uva. Isto permite olhar para o comportamento da planta e traz maior eficiência. Essa eficiência traduz-se sempre em sustentabilidade”, destaca o responsável.
Na Sogrape, têm um mapeamento planta por planta para poderem olhar e perceber quais são as variedades que estão a comportar-se melhor face aos diferentes desafios, seja de excesso de água, seja de excesso de calor.
António Graça mostrou-nos um mapa da distribuição espacial de ocupação do solo da quinta que faz parte do trabalho de inventariação de biodiversidade e gestão do ecossistema que estão a fazer. “Estamos não apenas a fazer este inventário, como já estamos a aplicar nos locais estratégias de gestão do ecossistema que incorporam as sebes, os espaços que nós deixamos selvagens, etc. E reparem, nós temos uma propriedade com cerca de 100 hectares, e cerca de 30 desses hectares, portanto cerca de 30%, não é vinha. Temos aqui áreas dedicadas à conservação pura e dura, os matos, as áreas dos taludes e depois também as áreas nas vinhas da entrelinha também são usadas em conservação”, revelou o responsável.
Percurso de biodiversidade tem 2 objetivos
Depois desta receção em forma de apresentação do Grupo, seguimos para o percurso de biodiversidade da quinta, que contempla um caminho de 1,2 quilómetros e que se faz normalmente numa hora. Um percurso que tem, segundo António Graça, dois objetivos. O primeiro é “valorizar os recursos naturais da região do Douro, inclusivamente aqueles que são trabalhados pela cultura da vinha na região”.
O segundo “reaproximar os cidadãos, os consumidores, as pessoas com os valores da natureza e com uma agricultura que respeita a natureza, que é isso que a Sogrape faz nas suas quintas. Esse tipo de agricultura “não só protege a natureza como utiliza os serviços que a natureza bem conservada proporciona para a agricultura: serviços em termos de controlo de doenças, serviços em termos de conservação de água, reciclagem de nutrientes, sombra, proteção, mitigação das alterações climáticas, captura de carbono, uma quantidade deles”, explicou o responsável.
O percurso está classificado na agenda para a ação da Convenção da Diversidade Biológica das Nações Unidas e, por isso, tem exposição internacional desde o ano passado. Foram a única empresa de vinhos que participou na COP15 em Montreal, Canadá, onde se definiu o quadro global da biodiversidade pós-2020, com o objetivo de reverter a perda da natureza e da biodiversidade. “O que nós estamos a fazer aqui é uma demonstração de como contribuímos para esse objetivo e ao mesmo tempo um desafio a quem nos visita de contribuir também para esse desafio”, sublinhou António Graça.
Todo o percurso está estabelecido com várias estações, vários pontos que têm um painel. A sinalética explica em cada ponto os “serviços que a natureza nos proporciona e o que é que nós fazemos para manter a natureza em bom funcionamento”.
Um primeiro painel faz um enquadramento da biodiversidade da região do Douro e chama a atenção para o facto de ser muito peculiar, muito particular, muito única seja no relevo do Norte de Portugal seja mesmo em termos mais gerais porque é uma fenda num planalto, numa zona de montanha. “E essa fenda, que existe há milhões de anos, ao longo das últimas glaciações que ocorreram nos últimos 100 mil anos, sempre que o gelo vinha de Norte para Sul empurrava espécies à sua frente. Essas espécies ao chegarem aqui, havia uma quebra de altitude, encontravam condições adequadas à sua manutenção. E glaciação após glaciação, a biodiversidade da região foi aumentando”, explicou António Graça, revelando que hoje têm ali um espectro de espécies animais e vegetais que “representam uma diversidade que vai desde as zonas sub-setentrionais até às zonas tropicais e que se dão bem aqui”.
O relevo da região tem diversas altitudes, que podem atingir os 1.200 metros na zona mais elevada e, depois, uma grande diversidade de exposições “criam microclimas adequados às diferentes espécies”. Portanto, acrescentou o responsável, “cada espécie coloniza a sua área. E esse é um mosaico de vegetação, que tem uma fauna associada, e também um mosaico de cultura que tem depois uma fauna associada, mas também num mosaico de culturas que “o homem que aqui vive e que aqui trabalha soube ao longo, pelo menos, dos últimos 4 séculos e que dá origem a esta paisagem magnífica que é ao mesmo tempo fonte de espanto e bem-estar para as pessoas que a visitam, mas também um abrigo para toda esta biodiversidade que é um valor muito importante para o Planeta e para a Humanidade”.
“O modelo que a Sogrape adotou no seu funcionamento “procura reduzir um pouco a eficiência para aumentar a resiliência. Mas não é perder a eficiência. É equilibrar uma com a outra para que sejamos produtivos e rentáveis, mas hoje e no futuro. Não regressa às origens, mas inspira-se muito nas soluções que existiam nas origens”, António Graça, Diretor de Investigação & Desenvolvimento da Sogrape
Ver, cheirar e tocar para criar memórias
Com cerca de 1km de extensão e pendentes suaves, o Percurso da Biodiversidade da Quinta do Seixo revela as boas práticas de conservação da natureza, dos ecossistemas e da biodiversidade locais, enquanto convida os visitantes a desfrutar de um passeio educativo que revela o Douro no seu melhor.
Ao longo do percurso, os visitantes são incentivados a interagir com o local, a cheirar, a tocar, a ver para que haja aqui uma interação permanente de envolvimento de toda a experiência dos sentidos da pessoa com um objetivo muito claro: “o que nós queremos é que as pessoas saiam daqui com uma boa memória e que é possível num espaço rural conservar a natureza, fazer uma atividade agrícola e pôr no mercado um produto que permite saborear o local de onde veio. Portanto, a memória com que as pessoas saem daqui é depois reativada quando provam um vinho do Porto, um vinho do Douro em que muitos dos aromas que sentem lembram-lhe aromas que sentiram nesta experiência e depois toda a memória vem”, destacou António Graça.
Qual é o objetivo? “É pôr na cabeça das pessoas a absoluta necessidade, eu diria obrigatoriedade, de preservar estes locais. E de preservar os meios e as comunidades que neles existem e que fazem com que eles sejam opção”, responde o responsável.
Um dos processos que têm estado a experimentar é o intercropping, que é colocar no meio das culturas permanentes, como é o caso da vinha, áreas com outras espécies que servem determinados objetivos. António Graça mostrou-nos um desses casos em que o objetivo é a manutenção do talude que suporta o patamar sem que para isso se tenha de recorrer à desinfestação química, a herbicidas. “Portanto, usamos uma solução baseada na natureza para resolver um problema. Deixamos crescer, neste caso estes arbustos de alecrim, porque crescendo eles, não crescem ervas daninhas”.
“O que nós queremos é que as pessoas saiam daqui com uma boa memória e que é possível num espaço rural conservar a natureza, fazer uma atividade agrícola e pôr no mercado um produto que permite saborear o local de onde veio. Portanto, a memória com que as pessoas saem daqui é depois reativada quando provam um vinho do Porto, um vinho do Douro em que muitos dos aromas que sentem lembram-lhe aromas que sentiram nesta experiência e depois toda a memória vem”, António Graça, Diretor de Investigação & Desenvolvimento da Sogrape
Ou seja, se há espécies que querem que estejam presentes porque ajudam a controlar as outras espécies que são nocivas, dão-lhes condições de abrigo e de alimentação porque, se as pragas não encontram as espécies que gostam, vão para preferências secundárias entre as quais a vinha. Um exemplo disso, revelou António Graça, é a cigarrinha no Alentejo. “Um dos problemas é exatamente que tiraram todas as estevas que havia naquela zona que é a espécie preferencial da cigarrinha. Ela não tendo esteva vai para a videira, tem de se alimentar de qualquer forma”, explicou, sublinhando que “tudo isto funciona em sistema. Tudo isto interage” e que aquilo que pretendem é saber quais são as interações que “melhor beneficiam a cultura da videira e como é que nós podemos ajudar a esse benefício”.
Tecnologia chamada “confusão sexual”
Pelo caminho mostrou-nos medronhos, deu-nos a cheira a planta Esteva, nome científico Cistus ladanifer, de onde se extrai o ládano e revelou que fizeram um primeiro inventário, juntamente com a ADVID – Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense, e que vão avançar agora com análise de DNA ambiental, que “ainda nos vai permitir ter acesso a uma informação muitíssimo mais vasta do que aquela que temos”.
Com isto, querem perceber sobretudo que serviços estão em funcionamento do ecossistema para entender “se estamos a prejudicá-los ou não”, explicou António Graça, acrescentando que “temos de ter essa capacidade de validar se a nossa atividade, a nossa gestão vitícola prejudica ou beneficia a disponibilidade desses serviços do ecossistema”.
Para a manutenção do espaço natural, “temos de ter também um bom reservatório de polinizadores aqui”, continuou o responsável, explicando que, no caso do controlo da traça da uva, começaram há cerca de 20 anos, também com a ADVID, a estudar o problema e a procurar formas alternativas de resolver que não fosse a aplicação de inseticidas.
“Aquilo que nós fazemos hoje, com muito sucesso, é a utilização de uma abordagem, de uma tecnologia, chamada ‘confusão sexual’”, revelou, explicando que “consiste, no início do ciclo vegetativo da videira, de dispor em toda a vinha difusores de uma feromona que os machos dessa espécie utilizam para encontrar as fêmeas e nós, colocando esses difusores em toda a vinha, vamos criar uma nuvem de feromona que não permite que o macho encontre a fêmea”. Com isso, concluiu, “não há reprodução e a praga não se desenvolve no local onde estamos. Como só fazemos isso na vinha, todo o outro espaço à volta não é protegido. Não estamos a erradicar a espécie da quinta. Estamos apenas a evitar que ela entre na zona onde faz danos. Desde há 3 anos temos a situação praticamente resolvida. Deixámos de ter problemas”.
*Artigo originalmente publicado na revista de dezembro de 2023