Iluminação pública pode dificultar a alimentação dos insetos pelas folhas das árvores circundantes
A poluição luminosa perturba os ritmos circadianos e os ecossistemas em todo o mundo, mas para as plantas que dependem da luz para a fotossíntese, os seus efeitos podem ser profundos.
Agora, cientistas que escrevem na revista Frontiers in Plant Science descobriram que a exposição a elevados níveis de luz artificial durante a noite torna as folhas das árvores mais resistentes e difíceis de comer pelos insetos, ameaçando as cadeias alimentares urbanas.
“Reparámos que, em comparação com os ecossistemas naturais, as folhas das árvores na maioria dos ecossistemas urbanos mostram geralmente poucos sinais de danos provocados por insetos. Estávamos curiosos para saber porquê”, disse o autor correspondente, Shuang Zhang, da Academia Chinesa de Ciências. “Aqui mostramos que em duas das espécies de árvores mais comuns em Pequim, a luz artificial durante a noite levou a um aumento da resistência das folhas e a uma diminuição dos níveis de herbivoria das folhas”, acrescentou.
Iluminação
A luz artificial aumentou os níveis de luminosidade noturna em quase 10%: a maior parte da população mundial sofre de poluição luminosa todas as noites. Uma vez que as propriedades das plantas afetam as suas interações com outras plantas e animais, quaisquer alterações nas mesmas causadas pela luz artificial podem ter um impacto significativo no ecossistema.
“As folhas que não são danificadas por insetos podem trazer conforto às pessoas, mas não aos insetos”, disse Zhang, sublinhando que “a herbivoria é um processo ecológico natural que mantém a biodiversidade dos insetos”.
Os cientistas suspeitaram que as plantas que sofrem altos níveis de luz artificial se concentrariam na sua defesa em vez do crescimento, produzindo folhas mais resistentes com mais compostos químicos de defesa.
Para testar isto, selecionaram duas espécies comuns de árvores de rua: o pagode japonês e o freixo verde. Embora estas árvores sejam semelhantes em muitos aspetos, as árvores de pagode japonês têm folhas mais pequenas e macias que os herbívoros preferem.
Os cientistas identificaram 30 locais de amostragem espaçados por cerca de 100 metros em estradas principais que são normalmente iluminadas durante toda a noite.
Para determinar o nível de exposição à iluminação artificial, mediram a iluminação em cada local. Foram recolhidas quase 5500 folhas e avaliadas quanto à herbivoria por insetos e a características que poderiam ser afetadas pela luz artificial, como o tamanho, a dureza, o teor de água e os níveis de nutrientes e defesas químicas.
Folhas maiores indicariam recursos afetados ao crescimento, enquanto a dureza e níveis mais elevados de defesas químicas, como os taninos, indicariam recursos afetados à defesa.
Entretanto, níveis mais elevados de água e nutrientes indicam uma nutrição de maior qualidade para tentar os herbívoros.
Difícil de aceitar
Para ambas as espécies de árvores, níveis mais elevados de luz artificial significaram folhas mais resistentes. Quanto mais dura a folha, menos indícios de herbivoria por insetos. Quanto mais intensa era a luz, mais frequentemente os cientistas encontravam folhas que não apresentavam quaisquer sinais de herbivoria.
“O mecanismo subjacente a este padrão ainda não é totalmente compreendido”, disse Zhang. “É possível que as árvores expostas à luz artificial durante a noite possam prolongar a duração da fotossíntese. Além disso, essas folhas podem alocar uma maior proporção de recursos para compostos estruturais, como fibras, o que poderia levar a um aumento na resistência das folhas”, acrescentou.
As árvores de pagode japonês expostas a mais luz artificial tinham níveis mais baixos de nutrientes como o fósforo: onde as folhas de pagode japonês tinham mais nutrientes, ocorria mais herbivoria.
Mas as folhas de freixo verde foram mais fortemente influenciadas por níveis de luz mais elevados: tinham níveis mais elevados de azoto, folhas mais pequenas e defesas químicas mais baixas.
Isto pode dever-se ao facto de os freixos verdes serem menos preferidos pelos herbívoros, pelo que podem dar-se ao luxo de afetar recursos ao crescimento. Entretanto, as árvores de pagode japonês colocam mais recursos na defesa, diminuindo o seu teor de nutrientes.
Insetos com fome
“A diminuição da herbivoria pode levar a efeitos tróficos em cascata na ecologia”, disse Zhang. “Níveis mais baixos de herbivoria implicam menores abundâncias de insetos herbívoros, o que, por sua vez, pode resultar em menores abundâncias de insetos predadores, aves insectívoras e assim por diante. O declínio dos insetos é um padrão global observado nas últimas décadas. Devemos prestar mais atenção a esta tendência”, apontou.
Embora a dureza das folhas seja uma defesa mecânica contra a predação, é possível que outros fatores contribuam para a diminuição da herbivoria: por exemplo, mais luz poderia tornar os insetos mais visíveis para os seus predadores. Será necessária mais investigação para compreender plenamente os efeitos da luz artificial.
“O nosso estudo foi realizado numa única cidade e envolveu apenas duas espécies de árvores”, advertiu Zhang. “Esta limitação dificulta a nossa capacidade de generalizar as conclusões a escalas espaciais e taxonómicas mais amplas. A investigação sobre a forma como a urbanização afeta os insetos e os processos ecológicos relacionados com os insetos ainda está a dar os primeiros passos”, concluiu.