O que a possível reeleição de Donald Trump pode significar para a Amazónia e os seus povos
Por Marcos Colón, Professor de Comunidades Indígenas nas Fronteiras do Sudoeste na Escola Walter Cronkite de Jornalismo e Comunicação de Massa da Universidade Estadual do Arizona
Em 2018, pouco antes de Jair Bolsonaro ser eleito presidente do Brasil, escrevi sobre as terríveis consequências de sua presidência para a floresta tropical e seus povos indígenas, que chamei de “fascismo ambiental”. À medida que nos aproximamos das eleições americanas e da potencial reeleição de Donald Trump, devemos reconhecer que uma ameaça semelhante está agora a assombrar os Estados Unidos, ameaçando estabelecer uma agenda global perigosa. Esta tendência alarmante exige a nossa atenção e ação urgentes.
Enquanto o mundo assiste aos Estados Unidos se prepararem para mais uma eleição presidencial, a potencial reeleição de Donald Trump levanta questões não só sobre o futuro da democracia americana, mas também sobre o destino das políticas ambientais globais. A floresta amazónica, muitas vezes referida como o pulmão da Terra, está no topo da lista de regiões ameaçadas.
A Amazónia, lar de uma biodiversidade vital e de povos indígenas – que, enquanto povos reconhecidos, detêm direitos distintos ao abrigo do direito internacional – enfrenta ameaças crescentes de desflorestação, mineração ilegal e indústrias extrativas. Enfatizo o termo “povos” aqui porque é essencial afirmar que os povos indígenas têm direitos iguais aos de qualquer outra nação. Essas pressões se intensificaram durante o governo do presidente brasileiro de extrema-direita Jair Bolsonaro, que Trump elogiou publicamente. A política amazónica de Bolsonaro, caracterizada pela apropriação de terras e extração de recursos, alinhava-se perfeitamente com a atitude desdenhosa de Trump em relação à governação ambiental. A potencial reeleição de Trump poderia reenergizar esta dinâmica perigosa, encorajando uma maior exploração da Amazónia.
É importante lembrar que o atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, derrotou por pouco Jair Bolsonaro nas eleições de 2022. Desde que assumiu o cargo em janeiro de 2023, Lula tem trabalhado para reconstruir o IBAMA, a agência de proteção ambiental do Brasil, e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), ambos desmantelados durante a administração de Bolsonaro. Os povos indígenas estão a pressionar Lula para demarcar mais territórios antes do final do seu mandato. Eles também exigem que o Supremo Tribunal Federal suspenda a lei que contém a tese do Marco Temporal, que afirma que os povos indígenas só têm direito às terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data em que a Constituição brasileira foi promulgada.
Essa tese já havia sido considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, mas um Congresso dominado por conservadores e alinhado à agenda de Trump conseguiu incorporá-la à lei que regulamenta a demarcação de terras indígenas. Lula vetou as partes da lei que mantinham o Marco Temporal, mas o bloco ruralista conseguiu anular os vetos.
As histórias dos povos indígenas nas Américas estão intrinsecamente ligadas ao legado do colonialismo e da escravidão. Todos os estados-nação modernos da região foram construídos sobre terras que foram conquistadas, muitas vezes usando mão de obra escravizada. Esse pano de fundo histórico representa um desafio para os processos democráticos contemporâneos e exige uma reavaliação de quem é cidadão nessas sociedades.
Durante o último século, assistimos a uma transição em muitos países americanos de repúblicas (onde os direitos de voto eram limitados a certas categorias de pessoas) para democracias mais pluralistas. Essa evolução levanta questões críticas sobre a inclusão dos povos indígenas nessa estrutura democrática. Em contraste com a noção de república, que tradicionalmente reservava direitos a um pequeno grupo selecionado, as democracias modernas visam uma participação e representação mais amplas.
A ascensão de líderes populistas como Jair Bolsonaro no Brasil e Donald Trump nos EUA reflete uma reação contra os valores pluralistas. Estes líderes defendem frequentemente o regresso a um modelo de república mais antigo e exclusivo, em que a cidadania era definida de forma restrita, excluindo normalmente grupos marginalizados, como os povos indígenas. A luta de hoje para “defender o céu”, como diz Davi Kopenawa, está nas mãos dos povos indígenas que lutam para manter a floresta em pé.
Hugo Loss, analista da agência ambiental de elite do Brasil e alvo de uma ampla campanha de espionagem do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, me disse há algumas semanas: “O meio ambiente e seus recursos naturais estão no centro da discussão sobre a manutenção da democracia, porque governos antidemocráticos usam o ouro e a madeira extraídos ilegalmente da Amazônia para perpetuar seu poder”.
Esta dinâmica desenrola-se no contexto de uma narrativa hemisférica mais alargada de construção de nações em terras adquiridas através da conquista. Como Eduardo Galeano explora em O Século do Vento, as lutas históricas de vários grupos, incluindo os indígenas e os afro-americanos, refletem um tema comum: a luta pelo reconhecimento e pelos direitos em sociedades que há muito os marginalizam.
A democracia pluralista exige que os povos indígenas mantenham as suas identidades distintas e, ao mesmo tempo, sejam considerados membros integrais da nação. No entanto, este ideal tem sido muitas vezes confrontado com resistência, uma vez que os sistemas políticos e sociais se debatem com as implicações da inclusão. As narrativas históricas das Américas revelam que a construção de identidades nacionais muitas vezes se baseia no apagamento ou na assimilação das comunidades indígenas.
Os desafios contemporâneos ecoam o passado, como se vê em propostas como o plano 2025 da Heritage Foundation, que ameaça abrir as terras indígenas à exploração como nunca antes. Essa situação ressalta a importância de reconhecer a soberania indígena e seu direito de controlar seus territórios e afirmar a propriedade coletiva da terra, conforme consagrado no direito internacional, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, e nas leis nacionais de alguns países. Os debates em curso em torno destas questões refletem uma crise de identidade mais vasta nas Américas: como construir nações inclusivas no meio de uma história de violência e exclusão? Mais precisamente, quando falamos de territórios indígenas, seja nos Estados Unidos ou no Brasil, qual é o verdadeiro controlo que os povos indígenas têm sobre essas terras?
À medida que as Américas confrontam o seu passado colonial e as suas implicações para o futuro, o caminho a seguir deve dar prioridade às vozes e aos direitos dos povos indígenas. Uma sociedade verdadeiramente democrática não pode existir sem o reconhecimento das injustiças históricas e atuais enfrentadas por essas comunidades. Nesse contexto, uma questão singular permanece: como as nações das Américas podem cultivar uma democracia inclusiva que honre a diversidade de suas populações e, ao mesmo tempo, lide com os legados do colonialismo e da exclusão?
A Amazónia não é apenas um tesouro ambiental; é um vasto repositório de conhecimentos ecológicos e bioculturais, cuidadosamente gerido pelos povos indígenas ao longo de milénios. O historial de Donald Trump em matéria de direitos indígenas é profundamente preocupante. A sua administração esvaziou a proteção das terras indígenas americanas e abriu-as à exploração de petróleo e gás. Se esse ethos se estender à sua política externa, podemos esperar mais marginalização das vozes indígenas no Brasil e em outras nações amazônicas.
O destino da Amazónia é inseparável da luta contra o domínio destrutivo do capitalismo sobre os recursos naturais. O tipo de capitalismo populista e extractivista de Trump, centrado em ganhos económicos a curto prazo em detrimento da sustentabilidade a longo prazo, representa uma ameaça direta ao futuro da Amazónia. À luz do potencial para a reeleição de Trump, não tenho dúvidas de que este modelo de desenvolvimento destrutivo, enraizado num quadro económico altamente explorador, ganhará uma força significativa. Isto terá consequências incalculáveis não só para o clima, mas também para a saúde humana. Há duas razões pelas quais esta política destrutiva vai ganhar força.
Em primeiro lugar, Trump dá poder a todos os atores da Amazónia que praticam um modelo criminoso baseado na pilhagem e na exploração ilegal. Sua retórica, centrada em desejos individuais – “eu quero, eu posso pegar e, portanto, eu vou” – incentiva ações que desconsideram consequências ambientais, sociais e legais. Esse discurso prioriza o individualismo em detrimento dos interesses coletivos da comunidade, que é precisamente o que aqueles que exploram a Amazônia desejam ouvir de seus representantes políticos e de líderes estrangeiros poderosos como o presidente dos EUA. A narrativa de Trump fortalece, assim, os defensores domésticos das políticas extrativistas no Brasil.
Em segundo lugar, o quadro político de Trump está impregnado de mentiras e de negacionismo climático, o que legitima ainda mais as agendas de desenvolvimento mal orientadas para a Amazónia. Nunca houve um verdadeiro avanço das políticas preservacionistas na região; em vez disso, temos visto uma regressão consistente – às vezes rápida e agressiva, outras vezes avançando em um ritmo mais lento, mas sempre para trás. O aumento das políticas destrutivas voltadas para a Amazônia afetará principalmente as populações indígenas e seus territórios, que muitas vezes são vistos como obstáculos a serem superados, como florestas a serem desmatadas e exploradas. Em algumas áreas da Amazónia, apenas os territórios indígenas conseguem travar a desflorestação, os incêndios e outras ameaças ambientais.
Os povos indígenas e os seus territórios representam a última fronteira de resistência contra o tipo de políticas que Trump encarna. Sua eleição alimentaria o fogo destrutivo que consome qualquer consideração da sociedade como um todo, priorizando um individualismo prejudicial ao meio ambiente e ao planeta.
O que está em jogo nas eleições de 2024 vai muito além das fronteiras dos Estados Unidos, chegando ao coração da Amazónia, onde o futuro da floresta tropical e, por extensão, do planeta, está em jogo. Uma presidência de Trump seria provavelmente um sinal de recuo da responsabilidade ambiental global. É fundamental que os eleitores compreendam as implicações de longo alcance desta eleição. A sobrevivência da Amazónia depende, em parte, das decisões tomadas nas cabines de voto a milhares de quilómetros de distância.
*Artigo de opinião publicado na ReVista Harvard Review of Latin America, dia 1 de novembro de 2024
Marcos Colón é Professor de Comunidades Indígenas nas Fronteiras do Sudoeste na Escola Walter Cronkite de Jornalismo e Comunicação de Massa da Universidade Estadual do Arizona. É autor de The Amazon in Times of War, (Practical Action Publishing e Latin America Bureau, 2024).