A vida sexual das aves: como o tipo de acasalamento pode afetar a sobrevivência das espécies
Podemos pensar que as aves são a personificação da fidelidade conjugal. De facto, a maioria das espécies de aves acasala para a vida, ou seja, a sua reprodução depende apenas de um único parceiro, embora em alguns casos, como a morte de um cônjuge, possam ser encontrados novos companheiros.
Contudo, a monogamia não é o único sistema de acasalamento das aves. Num estudo considerado como único no mundo, uma dupla de investigadores da Rice University, no Texas (Estados Unidos da América), mostra que existem três tipos de sistemas de acasalamento: a monogamia, a poligamia e aquilo que é conhecimento na gíria científica como “lekking”.
Em traços largos, o “lekking” descreve os aglomerados de aves machos que se juntam num determinado local, em bandos ruidosos e entusiasmados, para exibirem, com pompa e circunstância, as suas melhores características às fêmeas, a quem cabe a escolha do parceiro. Neste sistema, não se cria um laço duradouro entre macho e fêmea, ao contrário de nos outros dois.
No artigo, publicado na revista ‘Evolution’, os cientistas analisaram dados de cerca de 6.620 espécies de aves, o que representa mais de 60% da diversidade de aves a nível global.
A compilação de todos esses dados permitiu obter uma imagem mais clara e abrangente da incidência destes sistemas de acasalamento e perceber a sua trajetória evolutiva. E os autores concluíram que o “lekking” é, de facto, o mais estável e poucas vezes se transforma noutro tipo de sistema ao longo da evolução da espécie. Ou seja, é tão estável que a pressão exercida pelos processos evolutivos não o descarta e substitui por qualquer outra coisa.
“Uma das mais fascinantes descobertas foi que o comportamento de lekking teve origem na monogamia, o que desafia a minha hipótese inicial de que evoluiu da poligamia”, reconhece Nicolette Douvas, uma das autoras, citada em comunicado.
Assim, o estudo da história destes animais permitiu perceber que o “lekking” tende a evoluir a partir da monogamia, sem passar pela poligamia, esta última um sistema descrito como “frágil” pelos investigadores e que, mais vezes do que nunca, acaba por dar lugar à monogamia. A poligamia está também associada a um maior risco de extinção, por causa das dificuldades associadas ao cuidado das crias. Com um progenitor, várias fêmeas e ainda mais crias, a prestação de cuidados parentais será um grande desafio.
Por sua vez, a monogamia, a regra no mundo das aves, é o sistema que mais tem resistido à força da evolução, razão pela qual é tão comum, pois os laços fortes que se criam entre os progenitores permitem dar às crias as melhores hipóteses de sobrevivência, o que depois se reflete ao nível da própria espécie.
Com este estudo de como o comportamento sexual das aves afeta a sobrevivência das espécies, Rafael Marcondes, primeiro autor do trabalho, acredita que é possível encontrar respostas para outras “grandes questões evolutivas”.
“Ao estudarmos as aves, estamos a descobrir princípios que também se podem refletir noutras espécies”, sublinha.