A proteção do lobo-ibérico “é um desígnio do Governo” e estatuto não será diminuído

A proteção do lobo-ibérico é “um desígnio do Governo”, garante à Green Savers o Ministério do Ambiente e Energia, assegurando que “não haverá qualquer diminuição do seu estatuto de proteção”.
A garantia surge depois de termos interpelado o gabinete da ministra Maria da Graça Carvalho sobre o facto de, no programa do atual Governo, a medida referente ao reforço da legislação nacional de proteção e conservação do lobo-ibérico estar inserida não no capítulo do Ambiente, onde está a área da conservação da Natureza e da biodiversidade, mas sim no capítulo da Agricultura.
Mais estranho ainda é a proteção do lobo estar plasmada no subcapítulo da “promoção do bem-estar animal”, juntamente com medidas como a melhoria das condições dos centros de recolha oficiais (canis e gatis), a revisão da lei contra os maus-tratos a animais de companhia e o desenvolvimento de uma campanha nacional de sensibilização contra o abandono.
A inclusão do lobo neste capítulo do programa governativo pode ter passado despercebida a muitos, mas parecia sugerir uma eventual mudança na tutela da conservação dessa espécie ameaçada. Isto, porque todo o documento tem uma estrutura formal que espelha a estrutura do próprio Governo, ou seja, cada um dos capítulos tem o nome das áreas governativas de cada um dos ministérios (à exceção da pasta dos Assuntos Parlamentares).
A temática da conservação do lobo tem uma dimensão, muito saliente, relativa à coexistência e aos conflitos com a pecuária, setor que cai sob a alçada do Ministério da Agricultura e Mar. Dessa forma, poderíamos ser levados a pensar que a inclusão do lobo nessa área governativa sinalizaria uma redução, potencialmente desastrosa, das políticas de conservação do predador à dimensão das tensões com a pecuária.
No entanto, foi-nos assegurado que a tutela e a abordagem à conservação do lobo em Portugal mantêm-se “no âmbito das políticas de biodiversidade de natureza”, ou seja, sob alçada do Ministério do Ambiente.
O que levou a que a conservação do lobo fosse parar ao capítulo da Agricultura e a um subcapítulo destinado ao bem-estar dos animais de companhia continua, ainda assim, a não ser claro.
Segundo o que nos foi transmitido pelo gabinete da ministra do Ambiente, “a referência ao lobo no programa do Governo decorre no âmbito de uma opção de organização da informação”. Contudo, continua-se sem perceber porquê, uma vez que o documento que apresenta o programa governativo contém um subcapítulo, na secção do Ambiente e Energia, intitulado “biodiversidade e conservação da Natureza”, onde estão plasmadas medidas como a elaboração do Plano Nacional de Restauro Ecológico, o reforço da gestão das áreas protegidas, a designação de Zonas Especiais de Conservação e as áreas marinhas protegidas. Seria de esperar que a conservação do lobo aí surgisse.
Francisco Petrucci-Fonseca, presidente do Grupo Lobo, organização não-governamental que se dedica à conservação do lobo-ibérico, confessa-nos que “não consigo compreender”. Para o biólogo e Professor jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, as medidas referentes ao canídeo selvagem deveriam estar no capítulo do Ambiente, que contém uma secção especificamente dedicada à conservação da biodiversidade.
Tendo ou não sido um erro na altura da construção formal do programa, facto é que a referência inequívoca ao lobo é uma novidade face ao programa do Governo anterior, onde a espécie não era mencionada, pelo menos não diretamente.
Garantias e incertezas
Depois de, em setembro de 2024, o primeiro executivo liderado pelo Primeiro-ministro Luís Montenegro ter dado apoio à proposta da Comissão Europeia para reduzir o estatuto de proteção do lobo na Europa ao abrigo da Convenção de Berna sobre a vida selvagem e os habitats europeus, passando de espécie “estritamente protegida” para espécie “protegida”, a ministra do Ambiente garantiu que a proteção do lobo-ibérico em Portugal, cuja legislação data de 1988 e proíbe o abate e captura de indivíduos da espécie, não seria afetada.
Aliás, no programa do atual Governo fala-se mesmo em “reforçar” a legislação de proteção e conservação do lobo no país, “estimulando ativamente a adoção de medidas que promovam a coexistência harmoniosa”, que incluem, entre outras, abordagens como os cães de proteção de gado, as vedações e o sistema de indemnizações por perdas de gado resultantes de ataques de lobos.
Na altura, organizações não-governamentais expressaram preocupação com o apoio de Portugal à proposta da Comissão Europeia, receando um efeito de “contágio” que pudesse pôr em causa a proteção dos lobos no país.
Bianca Mattos, coordenadora de Políticas da WWF Portugal, diz que o agravamento da situação do lobo-ibérico em Portugal exige “um reforço das políticas de coexistência”, que sensibilizem os criadores de gado para medidas de prevenção e que aprimorem o sistema de compensação por danos.
Essas medidas, diz, “são essenciais para garantir a melhoria do estado de conservação dessa espécie que é tão essencial para o equilíbrio dos ecossistemas”.
Por outro lado, avisa que “é importante ficarmos atentos para que a conservação do lobo não seja reduzida a uma questão economicista e setorial, desligando-a da necessária visão ecossistémica e transversal”.
A necessidade desse sentido de alerta é em muito motivada pela mudança inesperada do sentido de voto de Portugal em setembro do ano passado, uma vez que tudo indicava que o país iria rejeitar a proposta da Comissão Europeia, que Bianca Mattos descreve como “sem base científica e que ignorou os pareceres e alertas de cientistas e Organizações Não-Governamentais de Ambiente”.
A conservacionista ainda aponta para incoerências e contradições na abordagem que o executivo faz à conservação do lobo: “ao mesmo tempo que promete mais proteção a nível nacional, o Governo contribuiu para a fragilizar a nível europeu”. E diz que isso põem em causa o papel de Portugal enquanto “defensor dos compromissos ambientais europeus e globais”.
Além disso, sugere que as garantias dadas, de que o lobo em Portugal tem uma legislação própria que não será afetada pelas alterações à Convenção de Berna, podem não evitar cenários menos positivos, apontando que “num contexto de crescente pressão política e económica, será difícil manter intactas essas regras”.
As garantias estão dadas por parte do Governo. Resta esperar para ver se o vento não levará essas palavras. Isto, sabendo que o PSD, que lidera o atual executivo português, faz parte do Partido Popular Europeu (tal como o partido da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen), o maior grupo político no Parlamento Europeu, que tem liderado as investidas, e com sucesso como se viu, para reduzir a proteção dos lobos no bloco regional.
Uma nova estratégia a caminho
Em dezembro do ano passado, foi publicado o segundo Censo Nacional do Lobo-ibérico, coordenado pelo Instituto para a Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Os dados revelaram um quadro preocupante, com uma redução do número estimado de alcateias de 63, no censo de 2002/2003, para 58, tendo 56 sido confirmadas e as restantes duas classificadas como tendo presença provável.
Além da perda de alcateias, o relatório apontava ainda a redução em 20% da área de presença dos lobos em Portugal ao longo dos últimos 20 anos, especialmente na região de Trás-os-Montes e a sul do Rio Douro, onde está a subpopulação mais ameaçada da subespécie ibérica, sobretudo por estar isolada dos outros núcleos lupinos do território peninsular.
Embora seja muito difícil saber ao certo quantos lobos existem em Portugal, estimativas apontam para cerca de 300 indivíduos, com o Governo a apontar, num despacho publicado em janeiro deste ano (Despacho n.º 1392/2025), que “o estado de conservação da espécie em Portugal não está a melhorar”, devido a causas como degradação e perda de habitat “decorrentes de alterações da paisagem” e também a “um nível relevante de mortalidade por causas humanas face a conflitos com atividades socioeconómicas”, como a pecuária.
Perante essa situação, e com os dados do novo censo nas mãos, o Governo anunciou que iria ser desenvolvida uma nova estratégia de proteção do lobo-ibérico, em substituição do Plano de Ação para a Conservação do Lobo em Portugal (PAC Lobo), aprovado em 2017, que “não teve o sucesso esperado” e não conseguiu alcançar um estado de conservação favorável da espécie.
Nesse mesmo despacho, o Governo deu ao ICNF três meses para “preparar e apresentar (…) uma proposta de Programa Alcateia 2025-2035 para a Conservação do Lobo-Ibérico em Portugal”, cujo objetivo é conseguir fazer o que o PAC Lobo não conseguiu.
Segundo se sabe, houve em abril deste ano uma reunião de trabalho que juntou o ICNF, organizações não-governamentais e cientistas, para trocarem ideias e conhecimento com vista à conceção da nova estratégia. O ICNF anunciou recentemente que o Programa Alcateia 2025-2035 será apresentado no próximo dia 7 de julho, que, diz-nos o Ministério do Ambiente, “reforçará o compromisso nacional com a proteção do lobo”.
Petrucci-Fonseca, do Grupo Lobo, diz-nos que a avaliação do sucesso ou do fracasso do PAC Lobo não pode ser reduzida a uma única métrica: o alcance de um estado de conservação favorável da população nacional de lobo-ibérico. O biólogo recorda que esse plano fora “bem delineado” e que “muita coisa se fez”, designadamente no que toca à produção e reunião de conhecimento.
Se parte dos objetivos do PAC Lobo não foi concretizada é porque, entre outras coisas, faltou o investimento necessário para fazê-lo e porque quem estava encarregado de implementá-lo não o fez devidamente, refere.
Sobre o Programa Alcateia, Petrucci-Fonseca reserva comentários para quando for apresentado publicamente, mas avança-nos que é imprescindível um maior apoio aos criadores de gado, para atenuar conflitos e promover uma coexistência mais positiva, e o reforço do combate ao furtivismo e a outras práticas ilegais, como a colocação de iscas envenenadas, que causam a morte de lobos e de outros animais. Essas duas ameaças, diz, continuam a ser algumas das principais razões pelas quais as populações de lobo em Portugal têm tido dificuldade em recuperar.
Além disso, salienta que é preciso estar ciente de que conservar um predador e uma espécie com uma carga cultural tão forte, como é o caso do lobo, não é algo que se consiga fazer numa geração nem “no tempo de um governo”. Para que qualquer estratégia ou plano de proteção do lobo possa ser bem-sucedido “é preciso tempo”, destaca, bem como investimento, empenho e o envolvimento ativo de todas as partes interessadas.