ONG saem de conferência da ONU em Sevilha “extremamente dececionadas”



Centenas de organizações não-governamentais para o desenvolvimento (ONGD) presentes na conferência da ONU de Sevilha dizem sair do encontro “extremamente dececionadas” e falam de boicote dos países ricos a medidas eficazes para aliviar dívidas soberanas dos mais pobres.

Mais de 700 ONGD representadas na plataforma Civil Society FfD Mechanism estiveram em Sevilha a acompanhar a IV Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FiFD4) das Nações Unidas, que arrancou na segunda-feira e termina na quinta.

A plataforma acompanhou também, nos últimos meses, em Nova Iorque, onde está a sede da ONU, a preparação da conferência e as negociações do documento “Compromisso de Sevilha”, que foi subscrito por 192 dos 193 países da organização e formalmente adotado no arranque dos trabalhos da conferência.

Para a Civil Society FfD Mechanism, o “Compromisso de Sevilha” é um documento pouco ambicioso e deixou de fora as propostas dos países em vias de desenvolvimento, disseram hoje elementos da plataforma e de diversas ONGD, numa conferência de imprensa em Sevilha.

“Houve um esforço concertado” de países ricos, de onde são os credores de África, para “sistematicamente diluir” as propostas iniciais e mais ambiciosas relativas à dívida, disse o diretor do Fórum e Rede Africana sobre Dívida e Desenvolvimento (AFRODAD), Jason Braganza.

Metade do continente africano enfrenta uma “crise da dívida”, com os países a “serem forçados a pagar créditos em vez de investir em saúde ou educação”, realçou.

“Era suposto o Compromisso de Sevilha ser uma plataforma e uma oportunidade” de reformar os sistemas das dívidas soberanas e “a fragilidade” em que coloca os países mais pobres, mas as propostas mais progressistas e ambiciosas foram “minadas sistematicamente”, insistiu Jason Braganza, que disse que as ONGD e a sociedade civil saem de Sevilha “extremamente dececionadas”.

Também a porta-voz da plataforma de ONGD Andaluza, Ángeles Fernández, sublinhou “a falta de ambição total” desta conferência da ONU, com a qual a comunidade internacional pretende relançar a cooperação internacional e a mobilização de recursos para investimentos em desenvolvimento e combate à pobreza, que têm neste momento um défice anual de quatro biliões de dólares, segundo contas da ONU.

“Houve falta de transparência, sobretudo, no último documento em que a participação civil foi excluída”, denunciou Ángeles Fernández, que sublinhou o “momento crucial para a humanidade” em que decorre esta conferência, “com países sobre-endividados e com uma crise climática” que exigem “medidas concretas, reais”.

Para as ONGD, o “Compromisso de Sevilha não é uma vitória do multilateralismo”, como referiram alguns líderes de Estado e de Governo, “continua a proteger sistemas financeiros herdeiros do legado colonial e não aborda problemas como os paraísos fiscais”, afirmou Ángeles Fernández.

O coordenador da Oxfam Intermón para a Conferência de Sevilha, Hernán Sáenz, realçou que “há dinheiro suficiente para financiar e alcançar os objetivos de desenvolvimento sustentável”, mas é necessária uma distribuição que acabe com “uma desigualdade tão extrema” como a atual.

“Apesar de assumirmos que o Norte está a dar ao Sul, os números da Oxfam mostram que, em 2023, o Sul Global [países em vias de desenvolvimento] pagará mais de 30 milhões de dólares norte-americanos a cada hora aos 1% mais ricos do Norte Global através do setor financeiro”, disse Hernán Sáenz.

Segundo dados das Nações Unidas, a dívida pública dos países em desenvolvimento ascendeu a 31 biliões de dólares (26,5 biliões de euros) em 2024, ano em que pagaram juros recorde de 921 mil milhões de dólares.

O “Compromisso de Sevilha” propõe uma nova arquitetura para o financiamento do desenvolvimento, com novos mecanismos para mobilizar mais recursos, incluindo maior atração do setor privado, mais flexibilidade e agilidade por parte dos bancos de investimento, novos fóruns e regras para gestão das dívidas soberanas ou políticas fiscais internacionais e nacionais mais transparentes.

O documento pretende também que os processos de decisão relativos a dívidas públicas e investimentos tenham maior participação dos países em desenvolvimento, sublinhando que só com mais cooperação internacional e o reforço do sistema multilateral é possível combater a pobreza e promover o progresso global.






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