Secas recentes são “catástrofe global em câmara lenta”



Nos últimos dois anos registaram-se as secas mais intensas, danosas e abrangentes desde que há registo, revela relatório das Nações Unidas divulgado esta quarta-feira.

O agravamento das alterações climáticas e a crescente pressão recursos essenciais como a água, cada vez mais escassa, estão a empurrar dezenas de milhões de pessoas para a fome em todo o mundo.

Descrevendo o fenómeno da seca como “um assassino silencioso” que “drena recursos e devasta vidas em câmara lenta”, Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD, na sigla em inglês), diz que é urgente cooperação global para ajudar as sociedades, especialmente as mais vulneráveis, a fazerem face a um dos reflexos mais tangíveis da crise climática.

“Quando a energia, a comida e a água desaparecem todos ao mesmo tempo, as sociedades começam a desfazer-se. Esse é o novo normal para o qual devemos estar preparados”, avisa.

O relatório destaca os impactos das secas em África, no Mediterrâneo, na América Latina e no Sudeste Asiático, salientando, por exemplo, que no início deste ano cerca de 4,4 milhões de pessoas na Somália, um quarto da população desse país, enfrentavam uma crise de insegurança alimentar.

Mark Svoboda, coautor do relatório e diretor do centro norte-americano de mitigação da seca (NDMC), diz também que este não é um episódio passageiro na história da Terra, mas sim “uma catástrofe global em câmara lenta, a pior que já vi”.

Apontando que é preciso monitorizar os impactos das secas nas vidas e modos de subsistência das pessoas e na saúde dos ecossistemas “dos quais todos dependemos”, o responsável descreve os países do Mediterrâneo como “canários numa mina de carvão para todas as economias modernas”.

Alerta Svoboda que as dificuldades atualmente experienciadas por Espanha, Marrocos e Turquia para assegurarem água, comida e energia durante secas persistentes oferecem ao resto do mundo um vislumbre do que o futuro poderá reservar num quadro de “aquecimento global descontrolado”.

“Nenhum país, independentemente da sua riqueza ou capacidades, pode dar-se ao luxo de ser complacente”, refere.

Um pouco por todo o mundo, milhões de pessoas passam fome porque as secas arruinaram as colheitas e mataram à sede o gado e não têm garantias de acesso a eletricidade porque não há água que chegue nos rios para alimentar as centrais hidroelétricas.

O relatório aponta que os mais vulneráveis às secas são as mulheres, as crianças, aqueles cuja subsistência depende da pastorícia e da agricultura, e pessoas com doenças crónicas. Sem água, aumentam também os riscos de surtos de doenças, como a cólera, de subnutrição severa, de desidratação e de exposição a água contaminada.

Os impactos vão além da esfera humana, e abatem-se também, naturalmente, sobre a vida selvagem. O documento avança que, entre agosto de dezembro de 2023, uma centena de elefantes morreu no Parque Hwange, no Zimbabué, por falta de alimento e de água. Em 2024, grandes grupos de hipopótamos ficaram presos em lama ressequida no Botswana, e alguns países começaram a abater animais selvagens para alimentar as populações, com 200 elefantes mortos para esse fim na Namíbia e no Zimbabué no ano passado.

Os autores recomendam aos governos “investimentos urgentes” na preparação para as secas, incluindo sistemas mais robustos de aviso prévio, soluções de base natural, infraestruturas mais resilientes, respostas que assegurem que mulheres e meninas não são deixadas para trás e cooperação global na proteção de bacias hidrográficas transfronteiriças.

“A seca não é apenas um evento meteorológico”, aponta Kelly Helm Smith, do NDMC, “pode ser uma emergência social, económica e ambiental”.

Para a coautora do relatório, “não se trata de uma questão de se isto voltará a acontecer”, porque tudo indica que sim, mas de saber “se estaremos mais bem preparados para a próxima vez”.

“As nações do mundo têm os recursos e o conhecimento para evitar muito sofrimento. A questão é, terão a vontade?”, questiona Smith.






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