Contaminantes de águas residuais impulsionam a produção de hidrogénio verde

Uma investigação conduzida pela RMIT University desenvolveu uma invenção experimental para transformar a elevada carga contaminante das águas residuais numa vantagem para a produção de hidrogénio verde que poderá reduzir a dependência da água doce – um recurso escasso em muitas partes do mundo.
Com mais de 80% das águas residuais globais descarregadas no ambiente sem tratamento, esta investigação oferece uma oportunidade para transformar este passivo ambiental num aumento da produtividade.
A abordagem da equipa aproveita alguns dos contaminantes das águas residuais para acelerar a produção de hidrogénio e ultrapassar as elevadas cargas de contaminantes que normalmente tornam as águas residuais inutilizáveis.
O trabalho mais recente da equipa – que envolveu a Universidade de Melbourne, o Sincrotrão Australiano e a Universidade de Nova Gales do Sul – baseia-se em descobertas anteriores, incluindo uma inovação que remove rapidamente os microplásticos da água utilizando ímanes e uma técnica que aumenta a produção de hidrogénio utilizando água do mar.
Como funciona a inovação
O investigador principal, o Professor Associado Nasir Mahmood, da Escola de Ciências da RMIT, afirmou que a equipa encontrou uma forma de capturar platina, crómio e níquel, outros metais presentes na água, e depois colocou estes elementos a trabalhar para melhorar a produção de hidrogénio verde.
“A vantagem da nossa inovação em relação a outras para produzir hidrogénio verde é que ela aproveita os materiais inerentes às águas residuais em vez de exigir água purificada ou passos adicionais”, diz Mahmood.
A sua invenção experimental apresenta-se sob a forma de elétrodos, que são componentes-chave para a divisão da água em hidrogénio e oxigénio. O elétrodo é feito com uma superfície de carbono absorvente que atrai metais das águas residuais para formar catalisadores estáveis e eficientes na condução de eletricidade, ajudando a acelerar a divisão da água.
Os materiais utilizados para produzir a superfície especial de carbono são feitos de resíduos agrícolas – outro aspeto económico da inovação que contribui para uma economia circular crescente.
“O catalisador acelera uma reação química sem ser consumido no processo”, explica Mahmood.
“Os metais interagem com outros elementos nas águas residuais para impulsionar as reações eletroquímicas necessárias para dividir a água em oxigénio e hidrogénio”, acrescenta.
Como parte das experiências, a equipa utilizou as amostras de águas residuais num recipiente com dois elétrodos – um ânodo (positivo) e um cátodo (negativo) – e alimentou o processo de separação da água com energia renovável. Quando a eletricidade flui através da água, provoca uma reação química.
No cátodo, as moléculas de água ganham eletrões e formam hidrogénio gasoso. No ânodo, as moléculas de água perdem eletrões e formam oxigénio.
O resultado é a separação da água nos seus componentes básicos, o hidrogénio e o oxigénio, que podem ser recolhidos e utilizados.
“O oxigénio produzido pode ser reintegrado nas estações de tratamento de águas residuais para aumentar a sua eficiência através da redução do conteúdo orgânico”, afirma Mahmood. O dispositivo permitiu a separação contínua da água durante 18 dias durante as experiências no laboratório, com uma diminuição mínima do desempenho ao longo desse tempo. Como parte das experiências, a equipa utilizou águas residuais que tinham sido submetidas a algum tratamento, incluindo a remoção de resíduos sólidos, matéria orgânica e nutrientes.
Oportunidades de colaboração entre a indústria e o governo
A RMIT está a desenvolver uma plataforma de sistemas catalíticos capazes de utilizar recursos hídricos anteriormente difíceis, como as águas residuais e a água do mar, e esta última invenção de prova de conceito é mais um exemplo dos sistemas em desenvolvimento.
O investigador co-líder, Professor Nicky Eshtiaghi, afirmou que a mais recente inovação da RMIT poderia potencialmente reduzir o elevado custo do tratamento de águas residuais, transformando-as em algo valioso – uma fonte de hidrogénio verde.
“A nossa inovação aborda tanto a redução da poluição como a escassez de água, beneficiando os sectores da energia e da água”, afirma Eshtiaghi, da Escola de Engenharia da RMIT.
“Ao utilizar águas residuais, o processo ajuda a reduzir a poluição e utiliza materiais considerados resíduos”, explica.
“Estamos interessados em trabalhar com empresas de todo o mundo que estão a abordar a energia e os resíduos como desafios de custo e sustentabilidade, bem como com as autoridades da água”, adianta.
“As colaborações poderiam centrar-se no desenvolvimento de sistemas comerciais para utilizar esta tecnologia em grande escala”, diz ainda.
Próximas etapas
O co-investigador Muhammad Haris afirma que é necessária mais investigação para aperfeiçoar o processo do catalisador, tornando-o ainda mais eficiente e adequado para utilização comercial.
“O método precisa de ser testado com diferentes tipos de águas residuais para garantir que funciona universalmente”, conclui Haris, da Escola de Engenharia.