A cidade como abrigo para as abelhas
Na Bolívia luta-se para que estes polinizadores possam prosperar, nas florestas, mas também em varandas, prédios, árvores urbanas e em casa de apicultores entusiastas.
Ver as suas abelhas sem ferrão stressadas a cada temporada mantém Regina Heredia, uma apicultora e produtora de mel orgânico, acordada à noite. À medida que as ondas de calor se tornam mais frequentes, as secas duram mais e o tempo de floração muda nas árvores, as abelhas sem ferrão ou “señoritas” (jovens em espanhol) estão com dificuldades para se adaptarem às alterações climáticas e outras mudanças ambientais causadas pelo Homem.
Existem mais de cem variedades de abelhas sem ferrão na Bolívia e são responsáveis pela polinização de mais de 70% das árvores do país. Os números indicam que mais de 80% das 250 mil plantas com flores dependem da polinização para continuar a sua reprodução sexual, da mesma forma que a vida de ecossistemas inteiros muitas vezes depende do seu desenvolvimento. Algumas abelhas sem ferrão são as únicas adaptadas para polinizar amendoeiras, castanheiros, entre outras colheitas. Não há outro agente de polinização que possa substituí-las.
Javier Coimbra, investigador e conservacionista, explica que as abelhas sem ferrão têm uma capacidade incrível de adaptação. Elas podem obter néctar e pólen de qualquer flor, ao contrário das suas primas europeias, Apis melleris, que preferem flores grandes com muito néctar. O mel de abelha sem ferrão da Bolívia é mais rico em minerais, tendo também outras propriedades medicinais.
ABELHAS SEM FERRÃO EM RISCO
A Bolívia sofreu incêndios florestais extremos em 2019 e 2020. A seca impulsionada pelas alterações climáticas intensificou os incêndios e, nos últimos dois anos, mais de 5 milhões de hectares foram perdidos no país, 3,5 milhões deles em Santa Cruz. Até agora, as consequências para as abelhas ainda estão em estudo. “Existem dados preliminares sobre os mamíferos e a vegetação afetados, mas para as abelhas sem ferrão e outros polinizadores ainda não podemos dizer um número”, afirma Coimbra.
No entanto, as condições após os incêndios prenunciam um panorama negativo para essas valiosas espécies e para os seus ecossistemas: sem flores, as abelhas têm de voar para mais longe, as colónias são abandonadas e áreas maiores ficam para trás sem polinizadores, reduzindo as hipóteses de a floresta se regenerar. A expansão de quintas e pastagens e o aumento do uso de pesticidas estão a afetar as abelhas mais do que nunca.
Existem mais de cem variedades de abelhas sem ferrão na Bolívia. Estas são responsáveis pela polinização de mais de 70% das árvores do país.
“Quando os proprietários derrubam árvores para fazer mais quintas, atacam as colmeias e queimam-nas para limpar a terra e só recolhem o mel”, explica Regina. “Temos de mover as colmeias cada vez mais para longe, cada vez mais para dentro da floresta, ou não seremos capazes de controlar os efeitos desses elementos nas abelhas e no mel”.
UMA OPORTUNIDADE NA CIDADE GRANDE
José Carlos Becker, apicultor entusiasta, está em ação. Para melhorar a situação, promove a instalação de colmeias sem ferrão e a produção de mel na cidade de Santa Cruz de la Sierra, uma das cidades com crescimento mais rápido da América do Sul. Um relatório do PNUD estabeleceu que o crescimento é de 6,5%, enquanto as outras cidades do país mantêm uma taxa de crescimento de 5%. O desenvolvimento vertiginoso da cidade está a tomar terras, derrubando árvores e transformando mais de 150 espécies que crescem na cidade em relvado, deixando as abelhas sem árvores ou vegetação.
“As pessoas consideram-nas primeiro como animais de estimação, mas, conforme interagem, apaixonam-se e têm mais consciência de como são valiosas e vulneráveis”, conclui. Com mais de 200 colónias instaladas em Santa Cruz, José sente que está a trazê- las de volta para onde pertencem. “As pessoas não imaginam como as abelhas são importantes. Com a nova utilização do solo aprovado pelo INRA [Instituto Nacional de Reformas Agropecuárias], os proprietários de terras preocupam-se em produzir monoculturas e plantar árvores. Esta pode ser uma oportunidade para ensinar e aumentar a consciencialização sobre as abelhas. Se virmos uma mangueira na cidade, sem as abelhas, esta árvore produzirá apenas um ou dois frutos. Isso é o quanto dependemos delas ”, afirma.
A sua afirmação vai ao encontro do relatório da FAO de que sem polinizadores os frutos tendem a ser menores ou a produção será deficiente. Até agora, todas as colmeias continuam a viver e adaptar-se à vida na cidade, protegidas em varandas e jardins, ou escondidas entre tijolos, árvores e praças. São companheiras de quem cultiva uma horta comestível ou procura produzir mel para autoconsumo. José salva colmeias de árvores caídas e encontra-lhes um novo lar. O apicultor garante que as abelhas sem ferrão são resistentes, mas mudanças bruscas no clima, como chuvas fortes, afetam-nas.
O modelo climático PRECIS (Fornecimento de Climas Regionais para Estudos de Impactos) para a Bolívia indica que a precipitação vai intensificar-se e tornar-se mais frequente em dezembro, janeiro e fevereiro, projetando um aumento de 53% nas chuvas fortes até 2100. “[As abelhas] têm apenas dois a cinco mm de comprimento, então imagine uma chuva forte e repentina na cidade, pois ainda estão à procura de néctar: é impossível a estas abelhas voltarem para a colmeia, vão morrer lá”, explica Becker. Como José Becker, a esperança de Regina Heredia está nas pessoas.
A produtora acredita que a presença de abelhas sem ferrão em áreas urbanas é a melhor forma de aumentar a consciencialização sobre estes insetos importantes e as alterações climáticas, removendo o equívoco de que todas as abelhas têm ferrões e são perigosas, e provando que a humanidade e as abelhas estão mais ligadas do que muitas vezes acreditamos.
Programas de gestão e conservação são necessários mais do que nunca, afirma, assim como a implementação de políticas de mitigação das alterações climáticas pelos governos para salvar mais do que as abelhas.
Este artigo foi publicado originalmente no portal Climate Tracker, e foi traduzido ao abrigo da parceria Covering Climate Now, uma colaboração de jornalismo global para notícias sobre o clima.