A posição da Europa na economia global: um desafio crescente



Por João Graça Gomes1,2,3

A Europa, outrora um dos pilares da economia e inovação a nível global, enfrenta hoje uma lenta mas constante perda de relevância, lutando para se afirmar num cenário dominado por gigantes como a China e os Estados Unidos. As razões para esta tendência são diversas e interligadas, configurando um cenário preocupante para o futuro do continente.

Entre os principais entraves, destacam-se o excesso de regulamentações, a fragmentação política e os intermináveis períodos de debate que, frequentemente, substituem a ação. No entanto, o desafio mais crítico, na minha opinião, reside na insuficiente formação e experiência de grande parte dos decisores políticos. Muitos ascendem diretamente das juventudes partidárias, onde desenvolvem competências em jogos de poder e intrigas, mas carecem de conhecimento técnico, histórico e visão estratégica para enfrentar os desafios contemporâneos e construir soluções para o futuro.

Esta ausência de visão estratégica compromete gravemente a capacidade de liderança—um elemento indispensável para o progresso de qualquer nação ou instituição. Como salientou Henry Kissinger, o 56.º Secretário de Estado dos Estados Unidos:

“As instituições humanas – Estados, empresas,(…), escolas – necessitam de liderança que as conduza da realidade em que estão para outra em que nunca estiveram, e que, por vezes, mal imaginam alcançar. Sem liderança, as instituições definham, as nações arriscam-se a uma irrelevância crescente e, em última instância, ao desastre.”

Durante décadas, a ausência de uma estratégia europeia sólida foi mascarada por um ambiente geopolítico favorável. O continente cresceu sustentado por três pilares externos: energia barata da Rússia, importações económicas da China e a proteção militar proporcionada pelos Estados Unidos. Embora eficazes a curto prazo, estes fatores proporcionaram uma falsa sensação de segurança, obscurecendo fragilidades estruturais e desincentivando a criação de um modelo económico e político sustentável e independente.

Contudo, o cenário mudou drasticamente. A China consolidou-se como uma superpotência global, dominando cadeias de abastecimento em múltiplos setores estratégicos. A Rússia tornou-se um adversário declarado do projeto europeu, enquanto os Estados Unidos apresentam tendências isolacionistas, priorizando interesses domésticos em detrimento da aliança transatlântica.

Neste contexto, a Europa não pode continuar a adiar decisões cruciais nem a confiar em um status quo que deixou de existir. É necessária uma liderança visionária, ações decisivas e uma capacidade renovada de enfrentar desafios com unidade e determinação. Sem estas qualidades, o continente corre o risco de se tornar irrelevante num mundo cada vez mais polarizado e competitivo.

Foco no setor energético: liderança europeia em risco

O setor energético exemplifica de forma clara a necessidade de uma liderança estratégica. Apesar dos investimentos significativos em energias renováveis, a União Europeia continua a importar mais de 60% da sua energia, segundo dados recentes da Eurostat. Esta dependência externa representa um grave risco estratégico, especialmente num cenário global onde a segurança energética está intrinsecamente ligada à soberania económica e política.

No setor da energia eólica, há motivos para algum otimismo: quatro das dez maiores fabricantes de turbinas eólicas a nível mundial—Vestas, Siemens, Enercon e Nordex—são europeias. No entanto, a concorrência global é intensa, e o mercado evolui rapidamente.

Por outro lado, no setor nuclear, a presença europeia é mais limitada. Entre os cinco principais desenvolvedores de tecnologia nuclear, apenas a EDF, de França, representa a União Europeia. Outras potências no continente incluem a ucraniana NNEGC Energoatom e a russa Rosatom, ambas desempenhando papéis estratégicos no cenário global.

No setor do solar fotovoltaico, a Europa praticamente não tem expressão. O mercado é amplamente dominado pela China, que consolidou a sua liderança principalmente devido a economias de escala.

O setor do petróleo e gás apresenta uma situação mais favorável, com gigantes industriais como Shell, BP (Reino Unido) e TotalEnergies a manterem uma posição relevante. No entanto, empresas não europeias continuam a reduzir o fosso em termos de capitalização de mercado, ameaçando a competitividade europeia a longo prazo.

Já no setor do hidrogénio, a União Europeia era, até há pouco tempo, líder global em investigação e projetos. Contudo, a lentidão nos processos de decisão está a comprometer o avanço da indústria. Em apenas três anos, a China começou a ultrapassar a Europa em número de projetos e capacidade instalada de eletrolizadores.

Ao abordar energia, é impossível ignorar o papel essencial da inovação científica. Neste ponto, a Europa enfrenta um paradoxo: cinco das dez melhores universidades do mundo, segundo o QS Ranking, estão localizadas em território europeu (Imperial College London, Oxford, Cambridge, ETH Zurich e University College London), mas nenhuma está na União Europeia. O restante do topo da lista é ocupado pelos Estados Unidos e Singapura, destacando uma lacuna preocupante entre o potencial científico europeu e a sua aplicação estratégica no bloco comunitário.

Este panorama evidencia a necessidade urgente de uma estratégia energética coordenada e ambiciosa. Para preservar alguma liderança global no setor energético, a Europa precisa de fomentar a inovação, acelerar a industrialização de tecnologias emergentes e garantir a sua autonomia estratégica.

Renovar o protagonismo europeu: um caminho possível

Apesar dos desafios, há motivos para esperança. Se a liderança europeia reconhecer com humildade a sua perda de competitividade global, poderá reverter a tendência de declínio. Iniciativas como o EuroAmerica Forum e o EuroAfrica Forum, fomentadas pela sociedade civil, são passos importantes nesse sentido, proporcionando oportunidades de reforçar parcerias atlânticas, valorizar relações históricas e fomentar colaborações estratégicas que revitalizem o eixo transatlântico.

A Europa tem os recursos e a capacidade para redefinir o seu papel no mundo. O que falta, agora mais do que nunca, é visão, decisão e liderança para transformar esse potencial numa realidade concreta.

 

1Aluno de Doutoramento no Imperial College London, Imperial Strategic Engineering Lab

2Membro da Direção do Programa Future Energy Leaders do Conselho Mundial de Energia

3Coordenador do Centro de Competências em Energia, Economia Azul e Tecnologia Climática do Conselho da Diáspora Portuguesa





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