“À procura de Nemo”: Peixes-palhaços e anémonas a desaparecer por causa das alterações climáticas

Os peixes-palhaços, pertencentes aos géneros Amphiprion e Premnas, são dos habitantes mais icónicos dos recifes tropicais e foram catapultados para a fama mundial depois da estreia do filme “À Procura de Nemo” do universo cinematográfico da Disney.
Com os seus corpos cor-de-laranja (embora algumas espécies possam ter tonalidades mais próximas do castanho ou do amarelo), são facilmente identificáveis por terem bandas brancas verticais nos seus corpos e por viverem em plena simbiose com anémonas, sendo imunes às suas picadas urticantes devido a uma camada de muco protetor que sobre as suas escamas.
No entanto, em breve, esses habitantes exuberantes dos recifes de coral tropicais podem desaparecer no Mar Vermelho. A causa? Ondas de calor marinhas podem quebrar a relação a relação de mutualismo (um tipo de simbiose) entre os peixes-palhaços e as anémonas.
Rodeado de paisagens desérticas e quentes, o Mar Vermelho e a vida que nele habita estão habituados a águas com temperaturas elevadas durante o verão. Contudo, nos últimos três anos registaram-se ondas de calor marinhas que o tornaram ainda mais quente.
Num artigo publicado este mês na revista ‘npj Biodiversity’, um grupo de cientistas da Arábia Saudita, dos Estados Unidos da América e do Reino Unido alerta para o colapso das populações desse duo marinho no Mar Vermelho.
Tal como os corais, as anémonas têm também relações simbióticas com algas microscópicas que vivem nos seus corpos, chamadas zooxantelas. Quando as águas onde vivem aquecem demasiado, as anémonas expulsam as algas, dando o seu “branqueamento”, da mesma forma que acontece com os corais.
Nesse cenário de stress térmico, a relação mutualista entre anémonas e peixes-palhaço é quebrada, e, se a temperatura da água não regressar ao normal rapidamente, as anémonas podem morrer e, com elas, os coloridos peixes.
Os investigadores debruçaram-se sobre os peixes-palhaços da espécie Amphiprion bicinctus, de tonalidades amarelas e com duas bandas brancas, e as anémonas Radianthus magnifica, nas quais vivem. O estudo decorreu entre 2022 e 2024 em recifes de coral o lado da Arábia Saudita, nas margens orientais do Mar Vermelho, que coincidiu com a onda de calor marinha que se registou em 2023.
De acordo com os cientistas, as anémonas estiveram “branqueadas” durante seis meses nesse período, estimando-se que entre 94% e 100% dos peixes-palhaços tenham morrido. A taxa de mortalidade para as anémonas situou-se entre os 66% e os 94%.
“É especialmente doloroso”, confessa, em comunicado, Morgan Bennett-Smith, da Universidade de Ciência e Tecnologia King Abdullah (Arábia Saudita) e primeiro autor do artigo. Isso, porque se pensava que o Mar Vermelho serviria como uma espécie de refúgio térmico onde a vida marinha poderia abrigar-se da subida da temperatura. Mas os resultados mostram que assim não é.
“O facto de até este refúgio térmico estar a colapsar de diferentes formas é especialmente horrível. Não está a ser o porto de abrigo que pensávamos que fosse”, salienta.
Os cientistas acreditam que o “branqueamento” das anémonas torna os peixes-palhaços mais visíveis aos predadores. Além disso, debilitadas e sem a ajuda das suas microalgas parceiras, as anémonas perdem parte da sua capacidade para ataques urticantes, o que, uma vez mais, torna os peixes-palhaços mais vulneráveis aos que os querem comer.
Apontando para uma “extinção local quase completa” dos peixes-palhaços e das suas anémonas anfitriãs nos recifes de coral orientais do Mar Vermelho, a equipa diz que é preciso mais trabalhos de investigação para avaliar a extensão dos impactos das ondas de calor nesse mar e também noutras regiões do mundo onde essas espécies e essa relação mutualista existe. Saber onde e como estão a acontecer das perdas permitirá agir de forma localizada e mais eficiente para impedir desastres de maiores dimensões.