A saúde em Portugal “está a negligenciar importância dos fatores ambientais nas doenças”



Uma em cada quatro mortes no mundo “é causada por fatores ambientais”. A percentagem de doenças que têm uma origem ambiental “é ainda maior”. E a importância dos fatores ambientais na saúde humana “está a aumentar de forma cada vez mais acentuada, em consequência da aceleração das alterações climáticas, do aumento da poluição e da perda de biodiversidade”.

Porém, apesar das evidências deste estado de coisas “serem inegáveis”, as políticas de saúde em Portugal “continuam quase totalmente divorciadas destas questões”. Os mecanismos de monitorização dos fatores ambientais determinantes da saúde “são quase inexistentes, as estruturas de saúde não estão preparadas para prevenir ou reagir atempadamente a fenómenos extremos de origem climática ou ao surgimento de uma nova pandemia, os profissionais de saúde não recebem formação específica sobre os efeitos do ambiente na saúde e tanto a legislação em vigor como a prática dos serviços de saúde descura a sua pegada ambiental, contribuindo assim para as mortes e para as doenças que tem como missão combater”.

Este é o preocupante retrato traçado nas cerca de 200 páginas do primeiro Relatório Saúde e Ambiente 2024, produzido pelo Observatório Português da Saúde e Ambiente – uma iniciativa do Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA).

O Relatório Saúde e Ambiente 2024, que é apresentado hoje, às 18h, na Fundação Calouste Gulbenkian, contou com contribuições de quase uma centena de especialistas de diferentes especialidades e está disponível no site do CPSA (www.cpsa.pt), onde esta organização convida os interessados a enviar sugestões e comentários que permitam melhorar as futuras edições.

“A criação do Observatório Português da Saúde e Ambiente no seio do CPSA”, explica Luís Campos, presidente do CPSA, citado em comunicado, “deve-se à constatação da enorme carência de informação que permita monitorizar, avaliar e recomendar práticas sobre a inter-relação entre saúde e ambiente em Portugal. A missão do Observatório é ser uma ferramenta para apoiar decisões mais informadas, ajudando todos aqueles que estão empenhados em assegurar um futuro mais limpo, saudável e sustentável para nós e para as gerações futuras.”

Este primeiro relatório incide sobre os principais determinantes ambientais da saúde e o impacto na saúde humana, assim como a redução da pegada ambiental do sector de saúde e a resiliência do sistema de saúde perante o risco crescente de eventos inesperados. O relatório também aborda a consciencialização pública, a educação, a investigação, a legislação e a necessidade da economia circular no sector da saúde.

2024 foi o mais quente já registado e talvez o mais fresco do resto das nossas vidas

Sobre os principais determinantes ambientais da saúde, o relatório alerta para a sobrepopulação. Segundo a mesma fonte, foram necessários 200.000 anos para que a população mundial atingisse mil milhões (em 1803) e apenas 220 anos para que chegasse aos 8 mil milhões, o que ocorreu a 15 de novembro de 2023. Desde 1970, o planeta Terra perdeu a capacidade de regeneração para sustentar essa população.

As alterações climáticas “estão a suceder ao ritmo dos cenários mais pessimistas”. Confirma-se que o ano de 2024 foi o mais quente já registado e é possível que tenha sido o ano mais fresco do resto das nossas vidas. Globalmente, em 2024 foram identificados 219 fenómenos extremos. Nesse ano as alterações climáticas acrescentaram, em média, 41 dias adicionais de calor perigoso, que ameaçaram a saúde das pessoas. Em Portugal foram 20 dias. Assistiu-se a duas ondas de calor no Verão de 2024, entre 23 e 28 de julho e entre 15 e 21 de agosto.

Outra das consequências das alterações climáticas são as catástrofes ambientais. Portugal tem sido particularmente afetado pelos incêndios: entre 2011 e 2023 arderam 2.948.578 hectares, cerca de 33% do território continental.

As alterações climáticas são causadas pela emissão de gases com efeito de estufa, que duplicaram nos últimos 50 anos, mas também pela desflorestação crescente, que reduz a capacidade de captura de CO₂ da atmosfera. Em 2023, foram desflorestados no mundo 37.000 km², o equivalente a 10 campos de futebol por minuto.

Além disso, verificam-se “pontos de não retorno que podem desencadear alterações climáticas de proporções imprevisíveis, como a alteração das correntes no oceano Atlântico”.

75% da superfície terrestre sem gelo terá sido significativamente alterada

A degradação dos ecossistemas e a poluição têm-se intensificado no último século. Estima-se que 75% da superfície terrestre sem gelo já tenha sido significativamente alterada e que tenham sido perdidas mais de 85% das zonas húmidas. Globalmente, nove em cada dez pessoas respiram ar com níveis elevados de poluentes, excedendo os limites das diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Além disso, a quantidade de plástico já produzida ultrapassa uma tonelada por habitante do planeta e estima-se que, se não forem tomadas medidas, em 2050 haverá, em peso, mais plástico nos oceanos do que peixes. Em mais de 20% dos rios e lagos da Europa foram detetados níveis preocupantes de pesticidas e cerca de 21% dos carcinógenos associados ao cancro da mama foram encontrados em materiais que estão em contacto com os alimentos que consumimos.

Em algumas regiões de Portugal testemunhou-se nos últimos anos uma redução das concentrações de certos poluentes atmosféricos, como o dióxido de enxofre (SO₂) em Lisboa e Vale do Tejo, correspondente a uma redução da atividade industrial na região, e também a uma redução do teor de enxofre nos combustíveis.

Porém, no que concerne aos óxidos de azoto (NOx, incluindo NO₂ e outros óxidos de azoto), a tendência de decréscimo que se fez sentir até 2013 deu lugar a um aumento nos anos subsequentes, associado ao crescimento económico depois da crise das dívidas soberanas, que conduziu a uma maior utilização do transporte individual.

O tráfego rodoviário tem aumentado nas principais cidades de Portugal, como Lisboa e Porto, e o ruído associado continua a ser uma preocupação nestas grandes áreas metropolitanas. Adicionalmente, o concomitante aumento da operação aérea nos aeroportos de Portugal contribui para uma poluição sonora crescente e em horários cada vez mais alargados do ciclo diurno.

A perda de biodiversidade tem vindo a acelerar-se. Nos últimos 50 anos, registou-se uma diminuição média de 73% nas populações de animais selvagens. São extintas por dia cerca de 150 espécies e um milhão de espécies estão em risco de extinção. Embora o país possua uma biodiversidade rica, especialmente nos ecossistemas costeiros, florestais e agroecológicos, muitos habitats têm sido fragmentados ou degradados devido à expansão urbana, especialmente nas zonas costeiras e estuarinas, à intensificação agrícola e à sobreutilização de recursos naturais.

Seca global afeta atualmente cerca de 55 milhões de pessoas

O esgotamento dos recursos naturais, especialmente água, é também preocupante. A seca global afeta atualmente cerca de 55 milhões de pessoas e poderá impactar mais de 75% da população mundial até 2050. Na Europa, Portugal e Espanha são países particularmente vulneráveis. Em Portugal tem-se assistido a um aumento gradual da área em seca meteorológica, que atingia 82% do território no fim do Verão de 2024.

Nas últimas duas décadas, Portugal registou avanços e recuos na evolução das Determinantes Ambientais da Saúde. Os avanços ocorreram especialmente em áreas como a qualidade do ar e da água, ligados à transição para energias renováveis e à urbanização sustentável.

Contudo, os desafios decorrentes das alterações climáticas, do aumento do tráfego rodoviário e poluição do ar, da poluição emergente e das desigualdades socioeconómicas continuam a exigir atenção e a adoção de políticas mais eficazes.

A colaboração entre o governo, as comunidades e organizações de saúde “será fundamental para garantir um ambiente saudável e equitativo para todos”. A monitorização da evolução das Determinantes Ambientais da Saúde em todo o território nacional “é ainda muito escassa sendo crucial a existência de portais de dados abertos e transparentes para conhecer os desafios presentes e futuros e para desenhar as políticas nacionais e locais de promoção do bem-estar e da saúde ambiental da população”.

Emergência climática tem de ser considerada uma emergência de saúde pública

A emergência climática “tem de ser considerada uma emergência de saúde pública”. No entanto, apesar da intervenção do CPSA no período de discussão pública do Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC 2030), este “ignorou considerações sobre o domínio da Saúde-Ambiente”.

A nível internacional, as conferências das partes (COP) representam um esforço global para enfrentar desafios ambientais, mas nem todas as determinantes ambientais da saúde recebem a devida atenção. A COP29 foca-se nas alterações climáticas, uma das determinantes ambientais da saúde, e existe uma COP para a Biodiversidade e outra para a desertificação, mas não existem COP para todas as determinantes ambientais da Saúde.

O ano de 2024 foi apenas o segundo em que um dia da COP29 foi dedicado à Saúde. Nesta COP, pela primeira vez, teve lugar uma apresentação no Pavilhão de Portugal dedicada ao tema da Saúde e Ambiente, da responsabilidade do CPSA. Mais uma vez o resultado da COP29 ficou muito aquém dos resultados desejados.

Fatores ambientais responsáveis por cerca de uma em cada 4 mortes em todo o mundo

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), fatores ambientais já são responsáveis por cerca de uma em cada quatro mortes em todo o mundo. A carga de doença atribuída a estes fatores “é particularmente significativa nas doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, doenças diarreicas, infeções respiratórias das vias aéreas inferiores, cancro, doença pulmonar obstrutiva crónica, alergias, saúde materno-infantil, doenças transmitidas por vetores, zoonoses, doenças relacionadas com a qualidade da água e dos alimentos, efeitos diretos das temperaturas extremas e doenças mentais, entre outras”. Embora em Portugal se faça a monitorização da evolução destas doenças “é escasso o conhecimento sobre impacto das alterações ambientais nestas doenças”.

O projeto “Saúdes”, através do estudo “Riscos Climáticos e a saúde dos Portugueses”, 2023, que inquiriu 800 pessoas, mostrou que 96% dos portugueses perceciona claramente o impacto que as alterações do clima têm na sua saúde e 51% diz mesmo sentir já algum tipo de prejuízo direto a este nível.

Em Portugal, com dados de 2021, estima-se que 8% das mortes e 4% do total de anos perdidos por incapacidade (DALY, Disability-Adjusted Life Years), estiveram relacionadas com a poluição do ar, temperatura extremas ou outros aspetos ambientais. Em 2022, um estudo conduzido na Área Metropolitana de Lisboa mostrou uma associação entre o aumento de monóxido de carbono (CO) e o aumento de admissões de emergências devido a causas circulatórias. Em 2024 foi publicado um estudo que demonstra um aumento da mortalidade cardiovascular nas ondas de calor em Portugal.

Desde há mais de 20 anos que tem havido uma ou mais ameaças de pandemia por zoonoses em cada ano e esse risco, por vários fatores, é cada vez maior. A próxima pandemia “resultará provavelmente de um evento zoonótico causado por um vírus introduzido nos humanos por mamíferos, incluindo morcegos (que albergam a maior proporção de vírus zoonóticos entre os mamíferos) e roedores, ou por aves”.

Alterações climáticas e comportamento potenciam vírus e bactérias

Atualmente, as doenças transmitidas por vetores com maior impacto na Saúde Pública são as transmitidas por carraças como, por exemplo, a febre escaro-nodular e a borreliose de Lyme. Contudo, o potencial epidémico de algumas doenças transmitidas por mosquitos, como a febre de dengue ou a febre do vírus do Nilo ocidental, justifica que a sua monitorização seja realizada de forma contínua e em todo o território nacional.

A área de expansão de vetores transmissores de doença tem-se alargado e já há relatos de casos de doenças na Europa anteriormente classificadas como tropicais. Por exemplo, em 2024, até 20 de novembro, 19 países europeus reportaram infeções pelo vírus do Nilo Ocidental.

Portugal não reportou nenhum, “o que é estranho dado que 7 dos 8 casos reportados por Espanha foram diagnosticados nas províncias do sul, confinadas com a fronteira portuguesa. Foram reportados casos positivos em cavalos”. Em agosto, Portugal reportou o primeiro caso de Febre Hemorrágica da Crimeia-Congo, transmitido através de carraças. Também as carraças, responsáveis pela Doença de Lyme, entre outras, estão a aumentar a sua distribuição sazonal.

Em relação às espécies de carraças Rhipicephalus sanguineus e Ixodes ricinus, é possível comprovar um alargamento temporal do seu período de atividade.

Desde 2022 Portugal identificou três surtos de mpox, estando o último surto ativo desde 1 de junho de 2024. Não foi ainda identificada a variante mais letal. Assiste-se à expansão do mosquito que transmite o Dengue, Zika e Chikungunya, o Aedes albopictus, que foi identificado a primeira vez em 2017, na região Norte, no Algarve em 2018, no Alentejo em 2022, na região de Lisboa em 2023 e em Cascais e Pombal em 2024, mas nenhum carregava vírus patogénico.

O mosquito Aedes aegypti, detetado a primeira vez na Região Autónoma da Madeira e responsável pelo surto de Dengue em 2012, não tem provocado doença. Os casos reportados em 2024 foram todos importados mas, perante a expansão dos mosquitos transmissores da doença em Portugal, será uma questão de tempo até se verificarem casos autóctones que exigirão deteção e ação muito rápida e eficaz, para não criarem surtos.

Atualmente, as alterações climáticas, juntamente com o comportamento do Homem, “são os fatores que mais têm contribuído para a disseminação e aumento da densidade populacional dos vetores observada de forma global nas últimas décadas. Só a implementação de medidas de prevenção e controlo integrado destas doenças, de forma multissectorial, numa perspetiva de uma só saúde (One Health) e envolvendo ativamente a população, permitirá reverter esta tendência”.

Vigilância ambiental de doenças relacionadas com a qualidade da água incipiente 

Portugal tem feito progressos importantes na vigilância clínica e laboratorial dos casos de doenças relacionadas com a qualidade da água, mas a vigilância ambiental destas “ainda é incipiente na maioria dos casos, não havendo um programa nacional de vigilância ambiental, que poderia facilitar a elaboração duma melhor gestão de risco e atuação”.

Em 2023, observou-se um aumento de infeções, em relação a 2022, provocadas pelo Campilobacter (+189 casos) e doença dos legionários (+ 116 casos). Portugal não faz a monitorização das infeções pelo Norovírus, que é já feita a nível de outros países da Europa, por considerar não ser de comunicação obrigatória.

A poluição do ar, da água, dos plásticos, de pesticidas e de outros contaminantes, é atualmente o maior fator de risco para a mortalidade global. Em 2024 foi encontrada uma associação entre nanoplásticos e aterosclerose: 58% dos doentes com aterosclerose têm nanoplásticos nas placas de ateroma e estes doentes têm um risco de AVC, EAM ou morte súbita 2,5x maior.

A relação entre a poluição do ar e as doenças respiratórias encontra-se amplamente documentada. De acordo com estudos internacionais que avaliaram impacto numa escala global e regional, estima-se que o Dióxido de Nitrogénio seja responsável por cerca de 2280 novos casos de asma por ano em Portugal e que haja entre 12.800 e 32.000 admissões na urgência atribuíveis ao ozono e entre 6.400 e 14.400 devido às partículas com menos de 2,5 micrómetros de diâmetro (PM2.5) .

Também um estudo recente, realizado na Área Metropolitana de Lisboa, mostrou uma associação entre o aumento dos níveis de poluentes atmosféricos (CO e O3) e o número de admissões hospitalares de emergência por agudização da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica. A implementação de políticas fortes de saúde pública para reduzir a poluição do ar ambiente é fundamental.

Portugal “tem grande potencial para melhorar a gestão de resíduos”

Apesar de estar provado o impacto do plástico na saúde humana, o crescimento da utilização de plástico “é alarmante e existe reduzida monitorização do seu grau de contaminação”. Portugal “tem grande potencial para melhorar a gestão de resíduos e reduzir o consumo de plásticos. Iniciativas voluntárias, como a limpeza de praias ou a adesão voluntária ao Pacto Português para os Plásticos, demonstram uma participação ativa da sociedade”.

No entanto, “é necessário expandir estas iniciativas para outros setores, como a indústria têxtil”. A indústria alimentar e restauração “deve reduzir o uso de materiais de contacto alimentar de plástico (que libertam microplásticos)”. Na exposição ocupacional, “deve reforçar-se o uso de equipamento de proteção individual e a boa ventilação dos espaços. É também necessária mais legislação sobre microplásticos, per se, seja na proibição de produtos (por exemplo que contenham microbeads) ou na monitorização”.

A análise dos indicadores de Portugal para os impactos da poluição da água na saúde, revela tendências preocupantes. A temperatura média anual da água, atualmente cerca de 14ºC , está a aumentar, o que pode levar a mais casos de contaminação microbiológica ou química. No caso das toxinas produzidas por fitoplâncton marinho e o seu impacto na produção e apanha de bivalves ao longo da Costa de Portugal continental a vigilância é feita mensalmente.

No entanto não é feita a monitorização em Portugal de alguns indicadores monitorizados internacionalmente, como é o caso dos Blooms de cianobactérias, o nível de acidificação das águas oceânicas e de parâmetros específicos em águas residuais, como a presença de microrganismos patogénicos, poluentes emergentes ou microplásticos.

A poluição das águas superficiais e subterrâneas, proveniente de atividades agrícolas e industriais, “continua a ser uma preocupação relevante”. A presença de nitratos, pesticidas e outros contaminantes químicos em algumas regiões ou massas de água, “compromete a saúde das populações, tendo de ser monitorizado em permanência”.

A poluição química das águas superficiais “pode causar toxicidade aguda e crónica nos organismos aquáticos, acumulação no ecossistema e perda de habitats e de biodiversidade, para além de constituir uma ameaça para a saúde humana”. A crescente importância dos microplásticos e dos poluentes emergentes “deve ser referida”. Em Portugal, a carga poluente por azoto “foi a mais representativa” (52%) seguida da Carência Química de Oxigénio (CQO) (27%).

A exposição humana prolongada a produtos químicos provenientes do ambiente, ou veiculados pelos alimentos que ingerimos ou a água que bebemos e pelos variados produtos de consumo que utilizamos (p. ex. medicamentos, têxteis, artigos de higiene ou limpeza) “poderá ter um impacto negativo na saúde, desde efeitos agudos até efeitos a longo prazo”.

Um estudo apresentado pelo INSA em 2023 mostra que a população portuguesa tem uma proporção significativa de indivíduos que apresentam valores de exposição a bisfenóis, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, acrilamidas e micotoxina, que poderão ser preocupantes, em termos de saúde pública. Portugal tem implementado políticas robustas e regulamentações direcionadas para a redução ou controlo de poluentes industriais, agrícolas e atmosféricos, em linha com as políticas europeias.

No entanto, a incentivação e a fiscalização da implementação dessas políticas necessitam de melhoria.

“É premente fortalecer o diálogo e colaboração entre o governo, as indústrias e a sociedade civil para uma abordagem integrada na identificação e redução da poluição química, obter dados longitudinais de exposição da população portuguesa a compostos químicos perigosos através de um Programa Nacional de Biomonitorização Humana e educar e sensibilizar a população e os setores produtivos sobre os riscos da poluição química com vista à implementação de práticas mais sustentáveis e responsáveis, no sentido de incrementar a eficácia das políticas públicas”.

Portugal tem uma “excelente” qualidade de água da torneira

Portugal tem uma “excelente” qualidade de água da torneira (ERSAR). Contudo a gestão dos recursos hídricos e o seu impacto na Saúde “não se esgotam na água que é consumida nos edifícios”. As alterações climáticas e a globalização “têm vindo a provocar efeitos para os quais Portugal ainda não está totalmente desperto e preparado”.

Cada vez mais, de forma a alinhar com as políticas europeias e mundiais que estão em curso, a qualidade da água acaba por ser um assunto que “requer um modelo de governança mais completo, envolvendo o Ambiente (APA), a Saúde (DGS) e as entidades gestoras da água, além de outros potenciais stakeholders, de forma a permitir uma coordenação entre diferentes níveis governamentais e a implementação de medidas em todas as regiões de forma equitativa”. A falta de dados centralizados, abrangentes e atualizados sobre os impactos dos indicadores de qualidade da água na saúde “também limita a eficácia das políticas”.

O impacto dos fatores ambientais na saúde estende-se também aos efeitos diretos de temperaturas extremas, inundações, secas, incêndios, migrações e conflitos, e ainda às doenças mentais, os quais afetam particularmente os grupos mais vulneráveis como crianças, idosos, pessoas com multimorbilidade, sem-abrigo e as populações mais pobres.

Os incêndios, para além da mortalidade direta, têm uma mortalidade causada pela exposição a PM2,5 provocadas por estes incêndios. Estimou-se que os incêndios de 2017 tenham causado um total de 189 mortes, correspondendo a 3092 anos de vida perdidos (YLL), com um custo de 360 milhões de euros.

O referido projeto “Saúdes” conclui que 10% da população exibe elevado o grau de “ansiedade climática” ou eco ansiedade, sem que a mesma se relacione com uma maior exposição ao risco ambiental. Num inquérito publicado em 2021, 97% dos jovens em Portugal declara estar preocupado com o futuro por causa das alterações climáticas, 80% classifica o futuro como assustador e 37% está hesitante em ter filhos por este motivo.

“É necessário desenvolver programas de educação para Profissionais de Saúde para reconhecer e gerir os impactos climáticos na saúde dos idosos, com foco em doenças crónicas exacerbadas por fatores ambientais”.

Se os sinais de alarme abundam nas páginas do Relatório Saúde e Ambiente 2024 nem tudo são histórias negativas. O documento destaca ainda boas práticas em diferentes domínios que demonstram que é possível implementar ações de mitigação e adaptação no sistema de saúde que o CPSA espera ver emuladas por outras organizações.

“O relatório será uma publicação anual e cada edição” diz Luís Campos, acrescentando que “será um instrumento de informação, monitorização, análise e visão estratégica, que irá valorizar as iniciativas realizadas e promover a responsabilidade, com independência e rigor técnico-científico.”

Para Luís Campos, este Relatório é mais um instrumento que visa promover a visão de que “a crise ambiental é, acima de tudo, uma crise de saúde pública, a que o sector da saúde tem de dar resposta”. “Se sabemos que os micro e nanoplásticos representam um perigo para a saúde das pessoas”, diz o presidente do CPSA, “é evidente que o sector da saúde se deve preocupar com a poluição pelos plásticos e tentar reduzi-la, nomeadamente nos serviços de saúde.”

O Observatório Português da Saúde e Ambiente espera lançar ainda este ano uma plataforma online que funcione como “painel de controlo” da Saúde e Ambiente portuguesa, onde seja possível consultar dados atualizados sobre a relação Saúde-Ambiente.

O Relatório Saúde e Ambiente 2024 contou com o apoio do laboratório farmacêutico Pfizer e com a colaboração de algumas dezenas de instituições académicas e de investigação nacionais, tendo tido a coordenação científica de Luís Campos e de Paulo Nicola, investigador da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

 





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