AfroSmartSpot: O projeto que quer pôr a Ilha do Príncipe a pedalar, pelas pessoas e pelo planeta
A Ilha do Príncipe está a ser palco de um movimento emergente que se espera que venha a transformar a mobilidade nessa região autónoma do arquipélago de São Tomé e Príncipe. O derradeiro intento é reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e alinhar a região e, depois, o país com os princípios da proteção do planeta, de combate às alterações climáticas e à perda de biodiversidade, e também de promoção da sustentabilidade das sociedades humanas.
Esse impulso está a ser dado pelo projeto-piloto AfroSmartSpot, lançado no passado mês de outubro pelo Governo Regional do Príncipe e implementado pela fundação Efrican. A iniciativa é financiada pelo Instituto Camões, através do Fundo Ambiental do ministério português do Ambiente e Energia.
O AfroSmartSpot que, de forma geral, pretende promover o uso de meios de transporte sustentáveis e de baixo impacto ambiental, nasce do Roteiro para a Sustentabilidade Carbónica da Ilha do Príncipe. Criado em março de 2022, esse roteiro regional, que pretende ser um exemplo a nível nacional no que toca à ação climática e à promoção da sustentabilidade, mostrou que a transformação da mobilidade é essencial para os esforços de mitigação climática.
O Roteiro estimou que o setor dos transportes do Príncipe é o terceiro maior emissor de gases com efeito de estufa, representando perto de 11% das emissões totais da Região Autónoma. Como tal, ficou claro que era importante atuar na mobilidade para reduzir as contribuições para o aquecimento do planeta, e o plano contava já com propostas de medidas para esse fim, como a promoção de veículos elétricos de duas ou três rodas.
A importância de atuar na mobilidade tornou-se ainda vai evidente quando as equipas envolvidas no desenvolvimento do Roteiro perceberam que, entre 2016 e 2020, o número de veículos ligeiros e motorizados de duas ou três rodas registou um crescimento superior a 300%.
“Este foi o mote para se intervir neste segmento da mobilidade, através da introdução de alternativas acessíveis e sustentáveis”, conta-nos Julieta Sansana, da direção-executiva da Efrican e coordenadora do projeto.
“O AfroSmartSpot, para além de contribuir para a mitigação das emissões, melhora a mobilidade da população, incentiva estilos de vida mais saudáveis e reforça a ligação entre pessoas e meio ambiente”, explica a responsável.
Ainda assim, apesar do aumento registado, grande parte da população do Príncipe desloca-se a pé ou de boleia, com as motorizadas e as moto-carrinhas a serem os meios de transporte que mais são usados. Esse foi precisamente o foco de atuação deste projeto-piloto.
Fazer das bicicletas elétricas “uma verdadeira alternativa aos veículos de combustão interna”
O AfroSmartSpot começou já a deixar a sua marca no terreno e na vida dos principenses. No passado mês de outubro, foram entregues 14 bicicletas elétricas a entidades públicas, operadores turísticos e representantes do setor privado na cidade de Santo António, no Príncipe.
A ação contou ainda com a instalação de estações de carregamento solar para as bicicletas e com ações de formação locais em manutenção e reparação desses veículos elétricos. As entidades promotoras consideram que essas ações permitem não só assegurar a transição para o uso de energia limpa e renovável, mas também contribuir para o reforço das competências técnicas da comunidade, colocando todos no trilho da sustentabilidade.
“Surgiu assim um novo nicho de negócio que serve as [bicicletas elétricas] e também as bicicletas convencionais”, diz-nos Julieta Sansana, e “tudo isto contribui para que a população veja a mobilidade elétrica suave como algo acessível, prático e positivo, fortalecendo a adesão à solução introduzida”.

Para a coordenadora, o simples facto de as bicicletas andarem pelas ruas de Santo António “já desperta a curiosidade e estimula o interesse por uma mobilidade mais sustentável, incluindo a utilização da bicicleta tradicional”.
Nesta primeira fase de implementação do projeto-piloto, as equipas vão monitorizar os impactos, o que permitirá “afinar o conceito, perceber quais os grupos que mais aderem a esta solução de mobilidade elétrica suave e desenvolver soluções adaptadas às diferentes necessidades”, explica Julieta Sansana.
O grande objetivo desta etapa de estreia é perceber quais são os setores onde as bicicletas elétricas têm o maior potencial de utilização e criar as condições para ampliar a adoção desse tipo de mobilidade suave. Por outro lado, nos locais onde o uso seja menor, as equipas querem tentar perceber as razões e ajustar o modelo, para que as bicicletas elétricas “se tornem uma verdadeira alternativa aos veículos de combustão interna”, refere Julieta Sansana.
Embora não tenha sido criado com a intenção expressa de tornar o Príncipe uma referência mundial em mobilidade de impacto ambiental neutro, a coordenadora do projeto AfroSmartSpot salienta, contudo, que “é um passo importante nesse caminho”.
“Trata-se de um projecto-piloto que, se for devidamente acompanhado e apoiado, poderá ser uma referência para demonstrar que soluções assentes em estudos técnicos sólidos, como o Roteiro para a Sustentabilidade Carbónica, conseguem gerar impactos reais e mensuráveis no combate às alterações climáticas”, observa.
Quanto ao futuro, as entidades promotoras acreditam que o projeto tem potencial para ser replicado na Ilha de São Tomé ou até mesmo noutras ilhas e regiões com realidades semelhantes. “O essencial é que cada expansão respeite as especificidades locais, garantindo soluções adaptadas a cada território”, diz-nos Julieta Sansana.
A coordenadora salienta que o envolvimento das comunidades locais e dos utilizadores finais logo desde o início é fundamental, bem como o é a formação de técnicos para a manutenção das bicicletas e a instalação de postos de carregamento em pontos estratégicos. Tudo isso tornará possível a adoção eficaz e a continuidade sustentável da iniciativa.
Ademais, destaca a importância da adequação da tecnologia, por exemplo, ao clima e às condições energéticas dos locais onde iniciativas semelhantes venham a ser aplicadas.
“Estas aprendizagens são decisivas para garantir a sustentabilidade e a replicação futura do modelo.”
Pôr todos os são-tomenses a pedalar
Julieta Sansana acredita que é possível impulsionar a transformação da mobilidade não apenas no Príncipe, mas em todo o país. Aliás, é esse um dos objetivos basilares do AfroSmartSpot, o de criar soluções de mobilidade elétrica suave que estejam ao alcance de todos.
Apesar de um bom arranque, são reconhecidos, ainda assim, alguns desafios no que toca à descarbonização do setor dos transportes no Príncipe. Desde logo, o baixo poder económico da população, a inexistência de serviços de assistência e manutenção de qualidade dedicados a bicicletas, incluindo limitações no acesso a peças, e a dependência de fornecimentos vindos da Ilha de São Tomé, que nem sempre se adequam às necessidades específicas do Príncipe.
Além disso, essa transformação da mobilidade exige também sensibilização da população, formação de técnicos, acesso a peças e ferramentas, melhorar as vias de comunicação, atualizar a legislação, criar soluções de uso partilhado, promover mecanismos de financiamento acessível e envolver grandes empresas públicas e privadas. Com tudo isso será possível garantir que a mudança tem escala e se prolonga no tempo, o grande objetivo sobre o qual se alicerça o AfroSmartSpot.
Mas há dificuldades que podem ser convertidas em oportunidades. Julieta Sansana diz que “a falha frequente de combustíveis fosseis aliada à forte consciência ambiental da comunidade, cria terreno fértil para soluções inovadoras”.
“Por ser uma ilha pequena, com menos de dez mil habitantes, o Príncipe tem a vantagem de poder testar modelos de mobilidade sustentável à escala real”, afirma, acrescentando que devem ser prioridades “reduzir a dependência de combustíveis fosseis, através de soluções simples, robustas, de fácil manutenção e adaptadas ao território, como é o caso do projeto AfroSmartSpot”.
Um projeto em linha com o desenvolvimento sustentável
O AfroSmartSpot não tem efeitos apenas na redução das emissões de gases com efeito de estufa geradas pelo setor dos transportes. O seu alcance toca não apenas nas alterações climáticas, mas também, noutra crise planetária: a perda de biodiversidade.
Tanto a Ilha de São Tomé como a do Príncipe estão classificadas como Reservas da Biosfera da UNESCO, no âmbito do Programa Homem e Biosfera, especialmente devido à sua rica biodiversidade, incluindo muitas espécies de plantas e de animais que não existem em qualquer outro lugar no planeta Terra.

“Projetos como o AfroSmartSpot ajudam não só a combater as alterações climáticas, mas também a travar a perda de biodiversidade”, assegura a coordenadora do projeto.
“Ao reduzir emissões e melhorar a qualidade do ar, a mobilidade elétrica suave contribui para um ambiente mais saudável, tanto para as pessoas como para os ecossistemas”, adiciona.
O AfroSmarSpot, dizem os promotores, está em linha com uma série de outros Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, como a Educação de Qualidade (ODS 4), as Energias Renováveis e Acessíveis (ODS 7), o Trabalho Digno e Crescimento Económico (ODS 8), a Indústria, Inovação e Infraestruturas (ODS 9), as Cidades e Comunidades Sustentáveis (ODS 11), a Produção e Consumo Sustentáveis (ODS 12), a Ação Climática (ODS 13), a Proteção da Vida Terrestre (ODS 15) e as Parcerias para a Implementação dos Objetivos (ODS 17).
Julieta Sansana considera que o reconhecimento de São Tomé e do Príncipe como Reservas da Biosfera demonstra “o compromisso do país com os princípios e critérios que orientam as Reservas da Biosfera, verdadeiros laboratórios vivos”, e que é também um reconhecimento indireto dos “esforços nacionais e do apoio internacional no cumprimento da Agenda Mundial do Clima, do Acordo de Paris e de outras convenções das quais o país é signatário, mostrando que o caminho escolhido por São Tomé e Príncipe une, de forma exemplar, a ação climática e a conservação da biodiversidade”.
Com o AfroSmartSpot, espera-se uma redução significativa das emissões de gases com efeito de estufa no Príncipe e que a iniciativa seja “a primeira fase de um caminho de transformação do setor dos transportes na Região Autónoma do Príncipe, e um exemplo inspirador de desenvolvimento sustentável para todo o país”, assevera a Efrican, que coordena a implementação deste projeto.